"Truco" de Doria por candidatura à Presidência aumenta tensão no PSDB
A ameaça de João Doria (PSDB) de desistir da pré-candidatura a presidente aumentou a tensão no PSDB: em vez de pacificar o partido, aprofundou suas divisões internas.
Doria queria uma demonstração concreta de que era, de fato, o candidato do partido à Presidência da República. Foi essa insegurança o ponto central para toda tensão causada na campanha entre a noite de quarta (30) e a tarde de ontem (31), segundo o UOL apurou.
O agora ex-governador paulista, após vencer as prévias do partido e tratar como certa sua candidatura ao Palácio do Planalto, fez uma jogada: ameaçou desistir e seguir no governo de São Paulo, sem passar o bastão ao vice, Rodrigo Garcia (PSDB) e, assim, implodir uma aliança política em São Paulo combinada há três anos.
Garcia alinhavou uma ampla articulação para concorrer ao Bandeirantes e, desde o início desse processo, contou com a promessa de que iria disputar as eleições no cargo, à frente do segundo maior orçamento público do país, como acabou se confirmando.
Não sem antes a "trucada" de Doria ter colocado em risco a enorme costura, que conta no estado com partidos como o União Brasil e o MDB. Prefeitos do interior paulista e parlamentares de todas as esferas avisaram a direção tucana que iriam apoiar Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), o pré-candidato de Jair Bolsonaro (PL) ao Bandeirantes, se Garcia não disputasse.
Pressionado, Doria recuou, mas, a partir de agora, consolidou na chamada "terceira via" (incluindo os partidos aliados) a percepção de que está disposto a tudo para manter sua pré-candidatura, até a colocar em risco a hegemonia tucana em São Paulo, que vem desde 1995, quando Mario Covas (1930-2001) foi eleito governador.
O grupo adversário do governador de São Paulo, reunido em torno do ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, entendeu o gesto do paulista como uma "faca no pescoço" da direção nacional, que se viu obrigada a divulgar uma carta dizendo que Doria será seu nome na disputa pelo Palácio do Planalto. O grupo contrário a Doria tem líderes tucanos como o deputado federal Aécio Neves (MG) e o ex-senador José Aníbal (SP).
A mensagem assinada por Bruno Araújo, presidente da sigla, no entanto, buscava primeiramente debelar a rebelião que começava a se formar em São Paulo, onde os aliados de Rodrigo Garcia (PSDB) falavam em deixar o PSDB.
A situação piorou quando, no início da noite da quinta-feira (31), o próprio Doria sugeriu que a manobra tratou-se de uma estratégia para pressionar o PSDB a assumir um compromisso público em torno de sua pré-candidatura e criticou Leite.
Eu sentia era a necessidade de ter um apoio explícito do meu partido que foi dado pelo Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB. Uma carta incontestável, agora não dá para nenhum outro imaginar que pode surrupiar ou pode copiar as prévias do PSDB. Prévias significam democracia e partidos devem seguir a democracia. Agora estou tranquilo.
João Doria, ex-governador de São Paulo
A manobra arrojada de Doria atiçou ainda mais a oposição a ele. Em conversa com a reportagem do UOL, expoentes do grupo favorável a Leite disseram que não desistirão de transformar o ex-governador do Rio Grande do Sul em pré-candidato a presidente.
Um deles afirmou que o PSDB não pode ficar refém de ameaças ou armações como as que colocaram sob risco o projeto eleitoral de Rodrigo Garcia. O grupo que ainda sonha ver Eduardo Leite na condição de único presidenciável do partido sente-se mais fortalecido para continuar com sua movimentação: vai usar o argumento de que Doria só pensa em seu projeto pessoal.
Insônia
A madrugada para os políticos tucanos foi agitada. Vencedor das prévias em novembro, Doria estava inquieto com a falta de posicionamento público do PSDB nacional em torno do seu nome, segundo relatos de pessoas próximas.
Na visão da sua equipe, enquanto Doria cumpria, como estava no script, sua última semana de governo, rodeado por inaugurações, entregas e eventos públicos, o grupo de Leite agia para tentar se manter candidato.
Desde a semana passada, um movimento do gaúcho já era esperado pelo PSDB paulista, mas o tom do seu discurso - citando a possibilidade de seu nome ser o escolhido para disputa - somado à falta de uma resposta da executiva nacional aumentou a preocupação do diretório de São Paulo.
Segundo pessoas próximas ao governador, Doria sentiu, ao fim da tarde de quarta, que precisava tomar uma atitude. Até então, o plano seguia como o esperado: secretários e assessores se despediam, havia quatro agendas programadas para quinta e, na última, um evento grandioso que sagraria sua transição de governo a Garcia e marcaria o início das campanhas de ambos.
De acordo com mais de uma fonte do governo ouvida pelo UOL, naquela noite o governador participou de dois jantares: um na casa de um empresário, na presença de secretários, onde teria mencionado a intenção de largar a candidatura, e outro na casa do irmão, onde teria comunicado a Garcia que não deixaria o governo, sem avisar quase ninguém de seu núcleo político previamente.
Garcia, considerado por pessoas próximas um homem calmo, teria ficado irritado com a possibilidade de ter de concorrer ao governo sem estar no cargo e confrontou Doria. Na madrugada e no início da manhã, enquanto Doria sustentava sua posição, afirmando que não aceitaria ser traído, Garcia procurou os aliados para tentar viabilizar a questão.
De acordo com pessoas próximas ao Palácio dos Bandeirantes, o objetivo de Doria não era desistir da campanha nacional — planejada há mais de um ano — e nem dificultar a vida de Garcia, que levou ao PSDB para sucedê-lo.
Mas o agora ex-governador precisava de uma garantia pública e forte do partido. As lideranças do MDB e do União Brasil logo foram acionadas. O vereador Milton Leite (União Brasil-SP), presidente da Câmara Municipal de São Paulo, o prefeito paulistano Ricardo Nunes (MDB), o deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), presidente nacional da sigla, diversos deputados federais e estaduais e até o ex-presidente Michel Temer (MDB) foram acionados.
O principal incômodo de Garcia não se deu pela desistência de Doria à presidência, mas pelo fato de decidir seguir no governo. Garcia esperava assumir o cargo. De perfil técnico e desconhecido pelo eleitorado, pretendia usar a máquina do estado para rodar o interior, como tem feito desde o ano passado, e alavancar sua campanha, que patina entre o quarto e o quinto lugar nas pesquisas.
Para demonstrar força, o evento de anúncio da candidatura na tarde de ontem seguiu grandioso, como é do perfil do ex-governador. No palco, estavam:
- O presidente da Câmara dos Vereadores da capital paulista, Milton Leite (União Brasil);
- O presidente do PSDB, Bruno Araújo (PSDB);
- A esposa do governador, Bia Doria;
- O vice Rodrigo Garcia;
- O presidente da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), deputado estadual Carlão Pignatari (PSDB), e
- O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
Na plateia, quase todo o secretariado, diversos deputados federais e estaduais, incluindo o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, e mais de 400 prefeitos de São Paulo.
Agora, dizem tucanos, o cálculo tem de ser nacional. Doria vai começar a rodar o país para diminuir sua rejeição e melhorar nas pesquisas. Garcia rodará o interior.
Hoje (1º), último dia da janela eleitoral, Doria tentará mais uma demonstração de força ao filiar ao PSDB o ex-presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que tornou-se também seu secretário. Segundo os apoiadores, depois de mais uma turbulência, o principal desafio da campanha será recolher os cacos para se reconstruir.
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