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Trajetória meteórica com atritos gera obstáculos à vida política de Doria

Doria colecionou atritos no PSDB desde sua participação na eleição paulistana em 2016 - Arquivo - Isaac Fontana/Estadão Conteúdo
Doria colecionou atritos no PSDB desde sua participação na eleição paulistana em 2016 Imagem: Arquivo - Isaac Fontana/Estadão Conteúdo

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

01/04/2022 04h00

De surpresa por conseguir uma vitória histórica em primeiro turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo a figura que simboliza o racha em um dos principais partidos do país. O governador paulista, João Doria (PSDB), confirmou ontem que concorrerá à Presidência da República depois de um dia de especulações sobre a possibilidade de desistência não só de disputar o cargo, como de deixar a cadeira no Palácio dos Bandeirantes. Mas os estragos da possibilidade de quebrar uma promessa para seu aliado, o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), pesaram. Ao fim da tarde de quinta (31), Doria renunciou ao governo e confirmou a pré-candidatura.

O caminho de atritos com colegas de partido e traições a aliados desde 2016 criam obstáculos às possibilidades políticas de Doria, na opinião de analistas e políticos paulistas ouvidos pelo UOL.

"A trajetória eleitoral do Doria é meteórica", disse o cientista político Henrique Curi, autor de "Ninho dos Tucanos". "Ao mesmo tempo em que ele se tornou eleitoralmente viável de forma muito rápida, colecionou atritos de maneira muito rápida e com pessoas muito importantes".

Para uma liderança do PSDB paulista, ouvida sob a condição de anonimato, política precisa ser feita de forma coletiva. Doria é uma pessoa que tem projetos pessoais, e é isso que deve inviabilizá-lo de forma quase que definitiva para a política, disse o tucano. Ser candidato a presidente, a governador não é vontade pessoal, é coletiva, de um conjunto, de um partido, disse o político. Doria desprezou tudo isso, avaliou.

Uma amostra disso esteve no fato de Doria sugerir, na noite de quarta (30), querer permanecer no cargo, o que desagradou o vice-governador, Rodrigo Garcia (PSDB), e seus aliados, que já indicavam que isso traria prejuízos ao governador caso acontecesse. Garcia contava com o cargo de chefe do Palácio dos Bandeirantes para poder construir uma candidatura viável para a eleição de outubro.

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Vice-governador, Rodrigo Garcia não gostou da possibilidade de Doria continuar no cargo de governador
Imagem: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

Surgimento

Doria ganhou espaço na cena política em 2016, quando foi escolhido candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo. Para isso, foi fundamental o apoio do então governador Geraldo Alckmin, que hoje é um ex-tucano, agora filiado ao PSB. No processo partidário de seis anos atrás, ele bateu de frente com nomes importantes do partido, como o ex-ministro Andrea Matarazzo (hoje no PSD) e o ex-governador Alberto Goldman.

Sob a chancela de Alckmin, ele superou divergências internas e representou os tucanos na disputa paulistana. O resultado foi inédito: pela primeira vez desde a redemocratização, a eleição da capital paulista foi decidida em primeiro turno.

"É um candidato que cresceu muito rápido. Imagine, na sua primeira disputa, para a prefeitura da maior cidade do país e ser eleito em primeiro turno", disse Curi. "O acerto do Doria foi o timing, a maneira como ele aparece, como uma liderança forte, sabendo se aproveitar da rejeição ao PT", observou o cientista político Glauco Peres, professor da USP (Universidade de São Paulo). Na primeira eleição, Doria se apresentou como gestor, buscando afastar sua imagem dos políticos tradicionais.

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De aliados a desafetos: Alckmin deixou o PSDB após Doria fechar as portas do partido para ele
Imagem: Arquivo

Olho em Brasília

Empossado prefeito, porém, o Planalto já aparecia na mira de Doria, na avaliação de um tucano histórico do partido. Ele lembra que, na primeira reunião interna como prefeito, Doria já fez um discurso com tom de candidato a presidente, justamente o desejo de Alckmin, que lhe deu suporte em 2016.

No fim, Alckmin prevaleceu —e teve o pior resultado de um tucano na história em uma eleição presidencial. Doria, porém, alçado a candidato ao Bandeirantes —para isso, quebrou a promessa de ficar até o final do mandato na prefeitura—, se afastou do antigo aliado.

"Em 2018, Doria tenta não vincular tanto sua candidatura ao governo com a do Alckmin e, no segundo turno, teve o famoso BolsoDoria", lembrou Curi, citando a campanha promovida pelo governador em que uniu seu nome ao do hoje presidente Jair Bolsonaro (PL) —em 2020, por causa da rejeição, foi Doria quem passou longe da campanha de Bruno Covas (PSDB) para a Prefeitura de São Paulo.

Ao interpretar o cenário atual, uma liderança do PSDB disse que Doria traiu Alckmin, traiu Bolsonaro e, agora, esteve em vias de trair Garcia. Meses após a eleição de 2018, ele e o presidente tornaram-se adversários.

Alckmin afastado

O movimento contra Alckmin, porém, foi o que mais pesou contra sua imagem no mundo político, pontuou Peres. Doria escanteou o ex-aliado no partido e, agora, Alckmin deverá ser vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder de um partido contra o qual Doria sustentou brigas para viabilizar suas vitórias eleitorais em 2016 e 2018.

"O Doria vai mostrando qual tipo de compromisso estabelece, que é capaz de fazer. E as pessoas vão ponderando isso na hora de fazer uma aliança com ele", avaliou Peres. "Ele levou ao extremo dentro do partido sua ambição de ser presidente da República."

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Ex-governador gaúcho, Leite (à esquerda) tem o apoio de parte dos tucanos para ser o candidato do partido a presidente
Imagem: Divulgação

Rejeição

Para o professor da USP, Doria "costurou o apoio interno no PSDB de uma maneira muito frágil". "E acho que isso ficou pior quando ele se tornou governador de São Paulo". Na avaliação de Peres, Doria pode ter entendido que, por ser governador no maior colégio eleitoral no país, "seria quase que natural ter uma ascendência sobre o partido de uma maneira unânime" e ser candidato a presidente.

Com o histórico de descartar alianças do passado, a quantidade de críticos de Doria, dentro e fora do PSDB, apenas cresceu. Mesmo após vencer as conturbadas prévias, o governador não atuou para unir o partido ou fazer gestos de composição, como observou uma liderança tucana. Isso fez o nome do ex-governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) permanecer vivo como opção ao Planalto entre opositores de Doria.

O resultado apareceu nos movimentos desta semana, que culminaram com a berlinda para a pré-candidatura de Doria, que somou "mais um caso de disputa interna" para seu currículo, pontuou Curi. "Que partido quereria agora o Doria depois de tantas desavenças no PSDB?"

Um dirigente político de um partido que rompeu com o PSDB há poucos anos se deleitou com o momento adverso para Doria e disse ontem ao UOL que o governador estava colhendo o que plantou.