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Lula e Alckmin blindam questões sensíveis para evitar intrigas em campanha

Lula, no evento de lançamento da chapa com Alckmin, na zona norte de São Paulo - ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Lula, no evento de lançamento da chapa com Alckmin, na zona norte de São Paulo Imagem: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

11/05/2022 04h00

Apagar incêndios antes que eles comecem —essa é a estratégia do ex-presidente Lula (PT) e do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) na pré-campanha à presidência.

Com alinhamento de discurso, evidenciado no lançamento da chapa no último sábado (7), o objetivo, daqui para frente, será desmentir "picuinhas", como dizem apoiadores, antes que elas tomem as redes sociais —ou a imprensa. Para aliados, isso deverá blindar ataques durante a corrida eleitoral.

No sábado, o pré-candidato a vice, que falou primeiro e por vídeo por causa da covid, foi mais contundente e direto. Em cerca de 20 minutos, Alckmin criticou duramente o governo de Jair Bolsonaro (PL), chamando-o de "hipócrita e despreparado", colocou uma pedra sobre possíveis divergências com Lula e pregou união de uma frente ampla pela democracia.

Lula foi curiosamente menos efusivo. Em discurso de 45 minutos, lido, para a surpresa dos presentes, o ex-presidente tratou sobre os problemas atuais do país, fez comparações com seus dois mandatos no Planalto (2003-2010) —como tem repetido em eventos—, e procurou desarticular alguns possíveis ataques de adversários.

Já comandado pelo marqueteiro baiano Sidônio Palmeira, o evento do fim de semana era voltado à militância e à mídia —este foi, inclusive, o motivo da escolha de um local fechado e não uma praça aberta, geralmente adotada pelo PT.

Da mesma forma, o discurso de Lula também foi feito com transmissão em vista. Além de evitar gafes ou posicionamentos mal interpretados, como o UOL já havia adiantado, a fala pronta —atípica para o ex-presidente— tinha como objetivo pautar alguns temas e descartar outros.

'Recados' e blindagens nos discursos

Feitos em sequência e elogiadas pelos apoiadores, tanto o discurso de Alckmin quanto o de Lula procuraram descartar possíveis temas sensíveis para a campanha que devem aparecer nas redes sociais, por meio de adversários ou da imprensa, como apontam os petistas.

Quero começar por dizer que nada, nenhuma divergência do passado, nenhuma diferença no presente, nem as disputas de ontem, nem eventuais discordâncias de hoje ou de amanhã, nada, absolutamente nada, servirá de razão, desculpa ou pretexto para que eu deixe de apoiar e defender, com toda a minha convicção, a volta de Lula à presidência do Brasil."
Geraldo Alckmin, por vídeo, no lançamento da chapa com Lula

Já na abertura do discurso, Alckmin tratou não só da já comentada disputa histórica entre o ex-tucano e o petista —que durou mais de três décadas e chegou a um segundo turno presidencial, em 2006—, como apontou para possíveis divergências futuras, que, de acordo com ele, não farão com que a aliança se rompa.

Entre petistas e aliados então críticos à chapa, a principal preocupação era que Alckmin e seu grupo criassem impasses na elaboração do programa de governo —ainda em formação— em assuntos ligados à economia e à segurança pública, uma das áreas mais criticadas pelo PT nas suas gestões em São Paulo.

O posicionamento incisivo de Alckmin inflamou a militância em diversos momentos. O público, majoritariamente petista, ouvia o ex-governador com atenção e, aos poucos, foi aderindo às falas. Ao final do evento, seu posicionamento era mais comentado do que o do próprio Lula —inclusive entre os políticos presentes.

Em fala mais longa e mais ampla, Lula também comentou temas sensíveis e procurou desmentir boatos, como o de que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ou o ex-ministro José Dirceu (PT) estariam cotados para o possível governo.

Muita gente, na perspectiva de criar confusão entre nós dois, diz: 'você vai levar a Dilma para o ministério, você vai levar José Dirceu para o ministério?' . Nem eu vou levar e jamais a Dilma caberia em um ministério. Porque a Dilma tem a grandeza de ter sido a primeira mulher presidenta da história deste país. Dilma, você não vai ser ministra, mas vai ser minha companheira de todas as horas, como sempre foi."
Lula, no lançamento da chapa com Alckmin

Este trecho não estava previsto no discurso escrito, mas serviu para passar o recado. Ex-ministro da Casa Civil, Dirceu foi um dos principais articulares da campanha e do primeiro mandato de Lula, até se envolver no escândalo do Mensalão, em 2005.

Seu nome, assim como o da ex-presidente, que sofreu impeachment, têm sido vinculados a um possível futuro governo. De acordo com pessoas ligadas à campanha, a fala serviu para mostrar "a realidade": eles não estão no núcleo duro, mas também não são escondidos por Lula. Dilma foi, depois do ex-presidente, a pessoa mais aplaudida no sábado.

Timbre afinado

Para articuladores da campanha, o timbre afinado superou as expectativas e deverá seguir nos próximos meses. Lula evitará entrar em polêmicas desnecessárias, como tem feito, e tentará, também, antecipar possíveis "picuinhas".

Em viagem a Minas Gerais, o pré-candidato subiu o tom contra Bolsonaro, seu principal adversário —ainda que não tenha citado o nome do atual presidente. O petista também voltou a falar sobre o receio de empresários em relação à sua campanha —outro ponto que citou no sábado.

"No nosso governo, todos os empresários ganharam muito dinheiro", declarou, em evento em Contagem (MG) na tarde de ontem (10). Com discurso voltado ao agronegócio (do grande ao pequeno produtor), ele focou em crescimento e mais uma vez comparou sua gestão à de Bolsonaro.

"Eu sou amigo do [empresário] Blairo Maggi, ele é um dos grandes produtores de soja deste país, mas ele não cria uma galinha, porque se ele criar, vai arrancar as sementes da soja dele. Ou seja, ele é um homem rico, exporta soja, mas se quiser comer um quiabo, ele vai comprar do pequeno e médio produtor", disse Lula.

Acenos como esse deverão ser feitos durante toda a campanha, tendo Alckmin, até então popular entre os produtores paulistas, como fiador.