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Traído, Doria tem judicialização de prévias na manga contra boicote do PSDB

João Doria renuncia ao governo de SP, ao lado de Rodrigo Garcia - Amanda Perobelli/Reuters
João Doria renuncia ao governo de SP, ao lado de Rodrigo Garcia Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

22/05/2022 04h00

O ex-governador paulista João Doria (PSDB) tem uma carta na manga para tentar reverter o processo de boicote que parte da cúpula do partido tem preparado para tirá-lo da disputa eleitoral. Caso a executiva partidária bata o martelo em torno da candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) em reunião na próxima terça-feira (24), o tucano não descarta judicializar a questão com base no resultado da vitória das prévias, em novembro.

Embora o assunto não seja tratado diretamente pela equipe de campanha ou pelo pré-candidato, que prefere falar em "legitimidade das prévias" e mostrar os apoios que vem angariando, pessoas do entorno veem a legitimação judicial do pleito interno como uma saída para garantir a candidatura. Entre os opositores, a expectativa é que a ameaça não vá para frente e, se for, não dê em nada.

Na terça passada (17), em reunião tensa em Brasília, a cúpula do PSDB praticamente chegou a um consenso sobre o apoio à candidatura de Tebet. A base da escolha, justificam, seria uma pesquisa interna em que o ex-governador paulista aparece com rejeição acima de 50% ao passo que a senadora não passa dos 20% e é mais desconhecida, o que dá maior margem para crescimento.

Doria já se sente traído, dizem apoiadores. Antevendo a estratégia, no sábado passado (14), ele enviou ao presidente tucano, Bruno Araújo, uma carta em que dizia que "as prévias precisam ser respeitadas" e que "não concorda com qualquer pesquisa de opinião".

A pesquisa interna, direta, já foi feita aos filiados, cabendo a você [Araújo] apenas respeitar seu posicionamento anterior, expresso em carta assinada, bem como a vontade dessa esmagadora maioria de filiados do PSDB."
João Doria (PSDB-SP), em carta a Bruno Araújo, presidente nacional do partido

O ex-governador paulista venceu as prévias contra o gaúcho Eduardo Leite e o amazonense Arthur Virgílio no início de novembro. Desde então, acusam apoiadores de Doria, uma parte do partido que já se colocava contra ele nas prévias tem "feito de tudo" para derrubá-lo.

Assinada por Doria em conjunto com o advogado eleitoral Arthur Rollo, a carta tem o tom jurídico e, embora não cite judicialização com todas as letras, foi lida por tucanos como um flerte com a possibilidade. O argumento final, dizem apoiadores, é que a Justiça não desprezaria o gasto milionário do pleito, realizado com fundo partidário.

As prévias não podem ser descartadas. Foram R$ 12 milhões do fundo partidário, dinheiro público. Você vai simplesmente ignorar? Não pode, cabe judicializar. Doria é o pré-candidato do PSDB por direito, foi eleito."
Fernando Alfredo, presidente municipal do PSDB de São Paulo, e um dos articulares da pré-campanha de Doria

A cúpula tucana vê a aposta mais como um truco do que como uma jogada de xadrez real. Para eles, o argumento é simples: Doria é o pré-candidato do PSDB e será o candidato, caso o partido lance candidatura própria. Mas, se o partido integrar uma aliança e, em comum acordo, decidir lançar um nome de outra sigla como cabeça de chapa, o cenário muda e o paulista pode ser, sim, escanteado.

Não é um enredo novo —já foi usado, inclusive, por Leite ao deixar o governo, que citou que as prévias podiam ser esquecidas no momento de formar alianças. Por isso, a explicação com base em pesquisas enfurece Doria. Para apoiadores, é "surreal" considerar que ele largue a disputa em prol de alguém que esteja atrás dele nas intenções de voto. Segundo a última pesquisa Ipespe, divulgada na sexta (20), Doria tem 4%, o dobro de Tebet, com 2%.

No mesmo dia, a campanha divulgou uma leitura da pesquisa do Ipespe que indica que Doria tem "mais que o dobro" da possibilidade de voto de Tebet.

Com aceno das cúpulas do PSDB e do Cidadania, os apoiadores de Tebet se dizem tranquilos. A senadora tem evitado falar do embate e segue referendando que é pré-candidata. Para os emedebistas, quem tem de se decidir são os tucanos —e, claro, indicarem um vice. Hoje, o nome do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) é um dos que está na mesa.

As várias faces de uma disputa interna

A disputa interna evidencia uma ruptura aparentemente sem solução do PSDB. Reservadamente, tucanos dizem que todo esse debate pouco importa. Embora evitem falar em público, já admitem que nem Doria nem Tebet vão ganhar a eleição —ou mesmo chegar ao segundo turno —, por isso, seria melhor ir de MDB.

Neste quadro, o tucanato heterogêneo se divide em duas frentes principais: os que estão preocupados com mais um fiasco do partido em eleições nacionais, logo após o ex-governador Geraldo Alckmin (hoje no PSB) não ter atingido 5% dos votos em 2018; e os que priorizam majoritariamente a questão estadual.

Este segundo grupo, encabeçado pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG), considera Doria um candidato "caro", sob o argumento de que o PSDB teria de gastar mais dinheiro do fundo partidário para reverter a alta rejeição —o que, consequentemente, diminuiria a fatia para o resto dos postulantes a outros cargos. Sem candidato próprio, sobraria mais dinheiro para as campanhas locais.

Aécio é o principal opositor de Doria dentro do partido. Oficialmente, ele alega que o naufrágio da campanha do paulista é o único motivo para deslegitimá-lo. Para o grupo de São Paulo, o ex-candidato à Presidência em 2014 busca voltar a ganhar notoriedade no partido e precisa que Doria saia do jogo.

No meio, Bruno Araújo tenta fazer com que a sua gestão não seja vista como um fracasso. Antes defensor das prévias, das quais foi fiador, o pernambucano rompeu com Doria e tem defendido internamente o nome de Tebet em prol da aliança.

O foco atual de Araújo é garantir que o partido seja vitorioso em estados-chave, como São Paulo e Rio Grande do Sul, e no Distrito Federal.

Quem olha as redes sociais do PSDB nacional, acha que é o sucessor de Doria, Rodrigo Garcia (PSDB-SP), o candidato a presidente, dado o número de postagens sobre o atual governador. No Twitter, a última publicação com referência a Doria foi em 13 de maio — em um momento de pré-campanha— enquanto o governador tem menções quase diárias.

Araújo tem repetido desde o ano passado que a eleição de São Paulo, onde o partido ocupa o governo desde 1995, "é tão importante quanto a nacional". Para isso, no entanto, Garcia, que assumiu em abril, precisa ficar conhecido — e, acredita o grupo nacional, se distanciar de Doria.

Segundo interlocutores, prefeitos já deram o recado ao atual governador: ele pode contar com seus apoios, mas não sobem no palanque com Doria. Isso explicaria um suposto afastamento de Garcia do antigo padrinho —tal qual Doria fez com Alckmin em 2018.

Lideranças do PSDB paulista, por sua vez, garantem união e dizem que os dois estão em momentos diferentes: Garcia está assumindo as engrenagens da máquina enquanto Doria tenta se viabilizar nacionalmente. Não se fala, no entanto, se ou quando passarão a marchar juntos. Há quem diga que Garcia espera que nunca.

Tudo deverá ser decidido na próxima terça, em Brasília. Enquanto isso, Doria segue rodando o país como pré-candidato, angariando apoios, como o do ex-governador Marconi Perillo (PSDB), em Goiás, com quem esteve na semana passada. Ele deverá participar do encontro na capital federal.