Isolado, Doria cresceu na política sem unir PSDB a seu favor, dizem tucanos
Anunciada hoje em pronunciamento em São Paulo, a desistência de João Doria de concorrer à Presidência foi a conclusão de um isolamento que, apesar de agravado nas últimas semanas, existe no PSDB desde a entrada do ex-governador para a política, há seis anos, segundo a avaliação de líderes tucanos ouvidos pelo UOL. Eles consideram que Doria fez boas administrações, mas nunca conseguiu unir o partido a seu favor.
Os atritos com líderes da legenda começaram ainda antes da primeira vitória eleitoral de Doria, em 2016. Para concorrer à prefeitura de São Paulo, em outubro daquele ano, o tucano derrotou Andrea Matarazzo, quadro histórico da sigla, que acabou desistindo das prévias e deixou o partido acusando Doria de comprar o apoio de correligionários. Desde então, o apoio a ele no PSDB nunca foi unânime.
No final de novembro do ano passado, ainda no governo de São Paulo, Doria venceu as prévias por uma margem apertada, com 53,99% dos votos dos cerca de 30 mil filiados que participaram da eleição interna da sigla. A vitória, porém, não convenceu parte das lideranças tucanas, que preferiam o nome de Eduardo Leite, ex-governador do Rio Grande do Sul.
"Eu já senti uma rejeição a ele muito forte, naquela ocasião", avalia o ex-senador José Aníbal, a respeito das prévias. Ele foi um dos que se manifestaram abertamente, nas últimas semanas, contra a candidatura de Doria. "Eu acho que o PSDB teria um resultado muito bom se o Eduardo Leite tivesse vencido aquelas prévias. Ele tinha ideias que estavam sendo muito bem acolhidas, e quase venceu", diz.
Doria saiu das prévias com o partido já dividido, e sua campanha jamais decolou. Segundo mostra o agregador de pesquisas do UOL, o tucano ficou estagnado entre 2% e 5% nas pesquisas e não foi além do quarto lugar nas sondagens. A falta de confiança na candidatura se tornou pública em abril, quando o partido começou a procurar outras opções para a terceira via.
As desconfianças do PSDB com Doria ficaram latentes em uma reunião da comissão executiva do partido em Brasília, na última terça-feira (17). Sem a presença de Doria, quase todos os líderes da sigla decidiram que era preciso dizer ao ex-governador que a campanha dele atrapalharia os palanques tucanos na maioria dos estados, especialmente em São Paulo.
"Na reunião, vários deram testemunho de que o Doria fez um excepcional governo. Basta olhar a vacina, [a despoluição do] Rio Pinheiros, e a economia. São Paulo cresceu cinco vezes mais que a média nacional. Agora: e aí? Como é que está o eleitor de São Paulo, que recebeu tudo isso?", questiona Izalci Lucas (PSDB-DF), líder do partido no Senado.
Em sua curta pré-campanha, Doria tentou explorar as conquistas citadas por Izalci em suas peças publicitárias, que desde abril têm sido veiculadas na TV e no rádio. O discurso, porém, não serviu para projetar o tucano como a escolha dos eleitores que não estão dispostos a votar em Lula ou Bolsonaro.
A falta de perspectiva de crescimento eleitoral tornou a presença de Doria nociva para seu antigo vice, Rodrigo Garcia, que em outubro tentará se eleger para permanecer no governo de São Paulo. A sigla ainda deve definir se, de fato, vai apoiar a senadora Simone Tebet (MDB-MS) para a Presidência, mas a prioridade dos tucanos é manter o governo paulista, que eles controlam desde 1995.
Histórico de atritos
Até o início de 2016, João Doria era um líder empresarial que ganhou notoriedade, entre outros motivos, por ter sido apresentador do reality show O Aprendiz. Na década de 1980 ele havia sido secretário de turismo de São Paulo e presidente da Embratur, mas nunca havia tido um cargo eletivo.
Com a operação Lava Jato em ascensão e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) prestes a sofrer um impeachment, Doria se lançou como postulante à candidatura tucana para a prefeitura de São Paulo, que estava nas mãos de Fernando Haddad (PT).
Surfando na onda antipetista e com apoio do então governador paulista Geraldo Alckmin, Doria venceu as prévias do PSDB em meio a críticas internas e acusações de que teria manipulado os militantes da sigla.
Em sua estreia eleitoral, em outubro daquele ano, Doria foi alçado à prefeitura de São Paulo com 53,29% dos votos. Pela primeira vez na história, a eleição para o comando da capital paulista foi decidida já no primeiro turno.
Ascensão e queda do "Bolsodoria"
Após cumprir metade do mandato de prefeito, Doria mirou voos mais altos e decidiu se candidatar ao governo de São Paulo, em 2018. Desta vez ele deixou para trás o empresário Paulo Skaf (MDB), então presidente da Fiesp, e no segundo turno venceu Márcio França (PSB) por uma margem apertada.
Doria fez a campanha de 2018 com fortes declarações de apoio a Jair Bolsonaro, que parecia cada vez mais próximo de vencer a corrida ao Planalto. Ao passar para o segundo turno com Márcio França, apelidou o adversário de "Márcio Cuba" e passou a equipará-lo à esquerda, para atrair a simpatia dos bolsonaristas.
Iniciado o governo, todavia, a relação começou a esfriar. Em julho daquele ano, depois de fazer críticas pontuais a falas de Bolsonaro e à sua gestão, o tucano já vinha afirmando que não tinha alinhamento com o presidente.
A ruptura, que cresceu ao longo de 2019, se consolidou com a chegada da pandemia. Enquanto Bolsonaro combatia as medidas de contenção do vírus, Doria adotou um tom moderado e agiu para que São Paulo começasse a fabricar vacinas antes das primeiras importações do governo federal.
Afastado do presidente, Doria passou a se projetar como presidenciável, mas ficou sem uma base eleitoral clara após se tornar alvo dos bolsonaristas. Apoiadores do presidente passaram a atacar Doria com base em sua condição de empresário rico, supostamente afastado dos anseios do eleitor médio.
Após renunciar hoje à candidatura, porém, o tucano foi abraçado pelo PSDB, que elogiou sua atitude de reconhecer a inviabilidade da candidatura. O presidente da legenda, Bruno Araújo, afirmou que as portas do partido seguem abertas para o ex-governador.
"O governador João Doria demonstrou que foi capaz de fazer um movimento de entrega, uma entrega pela possibilidade de oferecer a milhões de brasileiros que esperam uma alternativa que quebre essa polarização", afirmou.
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