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Bolsonaro usa TV pública para mentir sobre urnas a 76 dias da eleição

Rafael Neves e Paulo Roberto Netto

Do UOL, em Brasília

18/07/2022 17h03Atualizada em 18/07/2022 20h06

O presidente Jair Bolsonaro (PL) reuniu hoje à tarde um grupo de embaixadores no Palácio da Alvorada, em Brasília, para levantar novamente suspeitas infundadas sobre a segurança do processo eleitoral de 2022. O encontro, que foi anunciado por Bolsonaro há mais de um mês, foi transmitido pela TV Brasil, uma emissora pública, a menos de 80 dias das eleições.

Em seu pronunciamento, que durou pouco mais de 30 minutos, Bolsonaro falou especialmente sobre um inquérito aberto pela PF (Polícia Federal), em 2018, que apurou uma invasão cibernética aos sistemas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Desde que o presidente vazou esse documento em suas redes sociais, no ano passado, o TSE sustenta que o ataque hacker não levou risco à integridade das eleições naquele ano.

Bolsonaro, que está cerca de 10 pontos percentuais atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais mais recentes, foi criticado por vários políticos, inclusive outros presidenciáveis, pela exposição no Alvorada. Lula, por exemplo, declarou no Twitter que "é uma pena que o Brasil não tenha um presidente que chame 50 embaixadores para falar sobre algo que interesse ao país".

No discurso, Bolsonaro atacou especialmente o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, e os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal). Barroso presidiu o TSE até fevereiro desse ano, quando deu lugar a Fachin, e Moraes estará à frente do tribunal durante as eleições, em outubro.

Aos embaixadores, Bolsonaro fez insinuações de que nenhum dos ministros seria imparcial o suficiente para conduzir o processo eleitoral. "O que nós queremos? Paz e tranquilidade. Agora: por que um grupo de apenas três pessoas apenas [Fachin, Barroso e Moraes], três pessoas, quer trazer estabilidade para o nosso país?", questionou.

Sobre Fachin, Bolsonaro relembrou que foi uma decisão do ministro, em 2020, que tornou novamente elegível o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje principal opositor do presidente na corrida ao Planalto, ao anular os processos que resultaram em condenações do petista no âmbito da operação Lava Jato.

A respeito de Barroso, o presidente disse que o ministro teria "ganhado a confiança do Partido dos Trabalhadores" por ter advogado para o italiano Cesare Battisti, que era alvo de um pedido de extradição para à Itália à época do governo Lula. Já sobre Moraes, Bolsonaro afirmou ver parcialidade do ministro nos inquéritos que ele conduz, no Supremo, contra o presidente e seus aliados.

Fachin e Barroso reagiram às declarações. O presidente do TSE, que esteve no lançamento de uma campanha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirmou que "há inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade pública importante dentro de um país democrático", sem citar Bolsonaro nominalmente.

Barroso, por sua vez, rebateu um trecho específico da fala de Bolsonaro, no qual o presidente acusa o ministro de ter participado de um evento chamado "Como se livrar de um presidente", nos Estados Unidos. Em nota, Barroso afirmou que sua palestra teve o tema "Populismo Autoritário, Resistência Democrática e Papel das Supremas Cortes", e que o conteúdo da apresentação é público.

Bolsonaro também reiterou mais de uma vez, durante o encontro, uma reclamação recente do Ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, de que o TSE não teria aceitado sugestões das Forças Armadas para aprimorar o sistema eleitoral.

Uso da TV Brasil

Logo após a reunião, parlamentares de oposição reclamaram do fato de que a TV Brasil, emissora mantida pela União, transmitiu o encontro de Bolsonaro com os embaixadores. A alegação é que ele estaria usando uma estrutura pública em benefício próprio, e próximo do início do período eleitoral.

"Eu e os demais líderes dos partidos da Oposição vamos denunciar Bolsonaro pelo crime que cometeu ao chamar embaixadores de outras nações para atacar e desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, que o elegeu, aliás, por 30 anos. E ainda cometeu esse crime usando uma TV pública!", afirmou no Twitter o deputado Alencar Santana (PT-SP), líder da minoria na Câmara.

Segundo advogados consultados pelo UOL, o caso é uma espécie de zona cinzenta em relação à lei eleitoral. Por um lado, o presidente convidou outras emissoras a transmitir o evento, que é considerado uma agenda do presidente da República, e por isso não violaria, em tese, as restrições legais. O teor do discurso contra as urnas, porém, pode ser usado para questionar o ato de Bolsonaro.

Para o secretário-geral da Abradep (Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Volgane Carvalho, o julgamento do TSE sobre o deputado estadual Francisco Francischini, em 2021, pode abrir caminho para a transmissão de Bolsonaro ser questionada.

"Tanto poderia comunicar abuso de poder político, pelo uso da transmissão [para divulgar desinformação], como também o abuso dos meios de comunicação social, por usar uma TV pública para fazer esse tipo de medida. Isso a gente falando em tese", disse o especialista.

Francischini foi o primeiro deputado cassado por fake news e seu julgamento se tornou emblemático para o TSE sobre como lidar com situações semelhantes. Isso porque os ministros entenderam, na ocasião, que a transmissão feita pelo parlamentar, que acusou "fraude" nas urnas no primeiro turno das eleições, configurava uso indevido dos meios de comunicação e abuso do poder político.

Suspeitas recicladas e mentiras

O principal item usado por Bolsonaro para tentar convencer os embaixadores sobre risco de segurança nas eleições foi um inquérito aberto pela PF, em 2018, para apurar uma invasão cibernética ao sistema do TSE. O inquérito até hoje não foi concluído, mas a Corte eleitoral sustenta, desde o ano passado, que o ataque hacker não ameaçou a segurança do pleito daquele ano.

O presidente é investigado no STF por ter vazado este inquérito em suas próprias redes sociais, em agosto do ano passado, para demonstrar que o sistema eleitoral é violável. Em resposta a esse vazamento, o TSE informou que o código-fonte dos programas usados na votação passaram por testes sucessivos e não foram identificados problemas.

"O acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu", informou o TSE.

Bolsonaro voltou a citar, também, outras suspeitas de fraude nas eleições 2018, já desmentidas pela Justiça Eleitoral. Ele afirmou aos embaixadores que existem "quase cem vídeos" de eleitores que tentavam apertar na urna o número 17 (que Bolsonaro usou naquele pleito) e não conseguiam.

A alegação é falsa. Checagem feita pelo Projeto Comprova, na ocasião, aponta que eleitores de vários estados tentaram digitar o número ao votarem para governador, e não para a Presidência. Isso também foi esclarecido pelo TRE-MT.

Bolsonaro também citou que parte dos vídeos mostrariam que o nome de Fernando Haddad (PT), adversário de Bolsonaro no segundo turno em 2018, aparecia na urna assim que o eleitor digitava a tecla 1. Conforme publicado pelo UOL à época, tais vídeos são montagens.

Convites rejeitados

O Planalto convidou os presidentes dos principais tribunais superiores de Brasília, mas nenhum deles compareceu. Os presidentes do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Edson Fachin, recusaram o convite.

Fachin enviou um ofício ao Planalto informando que não poderia comparecer a eventos organizados por pré-candidatos às eleições, uma vez que cabe a ele o papel de julgar as candidaturas no futuro. No STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, que é próximo de Bolsonaro, entrou de férias nesta semana.

Inicialmente favorável ao convite, o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministro Emmanoel Pereira, deixou de ir por razão médica. Pereira precisou passar por uma intervenção clínica de urgência que, embora não seja grave, exigiu que a agenda do ministro fosse desmarcada. No TCU (Tribunal de Contas da União), a ministra Ana Arraes está no exterior e só retorna ao Brasil hoje.