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New York Times: diplomatas 'ficaram abalados' após reunião com Bolsonaro

Do UOL, em São Paulo

19/07/2022 07h40Atualizada em 19/07/2022 11h58

Diplomatas ficaram abalados durante a reunião convocada ontem pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), em que o chefe do Executivo colocou em dúvida o sistema eleitoral brasileiro, informa o The New York Times hoje. Segundo um dos principais jornais dos Estados Unidos, embaixadores temem que Bolsonaro esteja preparando as bases para uma tentativa de golpe, se perder as eleições presidenciais deste ano.

Dois embaixadores que concordaram em falar com o NYT sob a condição de anonimato dizem que diplomatas ficaram incomodados após a sugestão de Bolsonaro de que militares devem participar do processo para "garantir eleições seguras".

De acordo com o NYT, o presidente brasileiro fez com que acusações de fraude no sistema eleitoral se tornassem uma questão de política externa, aumentando temores internacionais de que ele pretende contestar as próximas eleições.

O jornal também diz que Bolsonaro "parece estar aderindo ao plano de Donald Trump". Em 2021, o ex-presidente dos Estados Unidos afirmou, sem apresentar provas, que foram contabilizados oito milhões de votos irregulares nas eleições americanas.

Horas depois, apoiadores de Trump invadiram o Capitólio, onde seria oficializada a vitória de Joe Biden e Kamala Harris.

Assim como Trump antes das eleições de 2020 nos Estados Unidos, Bolsonaro está atrás nas pesquisas. E, como Trump, Bolsonaro parecia estar desacreditando a votação antes que ela acontecesse, em um suposto esforço para aumentar a confiabilidade e a transparência.
Trecho de reportagem do The New York Times

Washington Post

Outro importante veículo norte-americano, The Washington Post também repercutiu a reunião de Bolsonaro com diplomatas. O jornal publicou uma notícia da agência AP que ressalta que o presidente brasileiro não apresentou nenhuma evidência de que as urnas eletrônicas não são seguras.

A reportagem também diz que Bolsonaro reiterou críticas a ministros do STF, sugerindo que eles tentam sabotar sua reeleição para favorecer o ex-presidente e pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ao fim da apresentação de Bolsonaro, houve um breve silêncio enquanto ele estava diante dos embaixadores. Alguns membros do governo começaram a aplaudir e diversos diplomatas acompanharam o gesto.

Nas redes sociais, o embaixador da Suíça no Brasil, Pietro Lazzeri, escreveu: "Desejamos ao povo brasileiro que as próximas eleições sejam mais uma celebração da democracia e das instituições".

Nenhum outro embaixador comentou publicamente a apresentação de ontem no Palácio da Alvorada, em Brasília.

Antes da reunião, Bolsonaro prometeu que iria compartilhar provas sobre fraudes no sistema eleitoral brasileiro, porém o presidente apenas repetiu o discurso de um suposto ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas eleições de 2018, que foi vencida pelo próprio Bolsonaro.

Na apresentação, o presidente exibiu um vídeo editado que supostamente mostra uma urna eletrônica com defeito, mas as imagens foram desmentidas ontem pelo TSE (leia abaixo). Agências de verificações de fatos do Brasil também já classificaram o vídeo como falso.

O que disse Bolsonaro no encontro

Aos embaixadores, Bolsonaro repetiu criticas que tem feito desde o ano passado ao sistema de votação. No início de sua fala, o presidente afirmou que basearia a apresentação em um inquérito da PF (Polícia Federal) sobre o suposto ataque hacker ao TSE durante as eleições de 2018. Trata-se do inquérito divulgado pelo presidente em 4 agosto de 2021, quando Bolsonaro leu trechos da investigação da PF.

"Segundo o TSE, os hackers ficaram por oito meses dentro do computador do TSE, com código-fonte, senhas —muito à vontade dentro do TSE. E [a Polícia Federal] diz, ao longo do inquérito, que eles poderiam alterar nome de candidatos, tirar voto de um e mandar para o outro", disse Bolsonaro.

Outro inquérito foi aberto pelo STF para investigar o vazamento da apuração, com Bolsonaro e o deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR) entre os alvos. Hoje, o presidente ainda sugeriu que os ministros atuariam no TSE para barrar medidas de transparência. O objetivo, segundo Bolsonaro, seria eleger "o outro lado".

"Eu ando o Brasil todo, sou bem recebido em qualquer lugar. Ando no meio do povo. O outro lado, não. Sequer come no restaurante do hotel, porque não tem aceitação. Pessoas que devem favores a eles não querem um sistema eleitoral transparente. Pregam o tempo todo que, após anunciar o resultado das eleições, os chefes de Estado dos senhores devem reconhecer o resultado das eleições", disse.

Em nota, a Presidência da República disse que Bolsonaro manteve encontro hoje com chefes de missões diplomáticas no Brasil para intercâmbio de ideias sobre o processo eleitoral.

"O presidente sublinhou aos representantes do corpo diplomático que sua própria carreira política é um resultado do sistema democrático. Lembrou, nesse sentido, seu período de mais de 30 anos como representante eleito, em trajetória iniciada na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, passando pela Câmara dos Deputados e culminando com sua eleição à Presidência da República em 2018, com mais de 57 milhões de votos válidos, em campanha realizada com mínimo financiamento público", destacou.

Fachin reagiu

Após as declarações de Bolsonaro no Palácio da Alvorada, o presidente do TSE, Edson Fachin, afirmou que o chefe do Poder Executivo tenta, por meio de informações distorcidas, "diluir a República". Leia a nota:

"As entidades representativas como a OAB e a própria sociedade civil precisam fazer sua parte na garantia de que a democracia seja preservada. É importante a sociedade civil e o cidadão entenderem que esse tipo de desinformação, como a de hoje, pode continuar, uma vez que ao negacionismo não interessa as provas incontestes e os fatos. Portanto, precisamos nos unir e não aceitar sem questionarmos a razão de tanto ataque", disse o ministro.

Em nota, após os eventos, o TSE publicou um compilado de conteúdos sobre alguns dos pontos levantados por Jair Bolsonaro durante a reunião com os embaixadores."É falso que hacker teria atacado sistema de votação no 1º turno das Eleições Municipais de 2020", disse a corte eleitoral. "As investidas de hackers na época do pleito de 2020, com mais de 486 mil conexões por segundo, não obtiveram sucesso."

A corte também rebateu a afirmação do presidente de que as sugestões apresentadas pelas Forças Armadas no âmbito da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) tenham sido ignoradas ou rejeitadas.

"Mais de 70% das propostas da CTE foram acolhidas para as Eleições 2022. De 44 sugestões, 32 foram acolhidas, 11 ainda serão estudadas para o novo ciclo eleitoral (2023-2024) e apenas uma foi rejeitada", disse o TSE.

Sobre alegação repetida pelo presidente aos embaixadores de que urnas teriam completado automaticamente votos para presidente na eleição de 2018, o TSE disse que um vídeo que circula na internet com essa alegação é editado.

"Avaliação de peritos em edição comprova que o vídeo é falso. Verificam-se cortes no filme, que confirmam que houve montagem. Além disso, no momento em que o primeiro número é apertado, o teclado da urna não aparece por completo, o que sugere que outra pessoa teria digitado o restante do voto. É possível, ainda, constatar, no programa de edição, o ruído de dois cliques simultâneos, o que reforça essa tese", disse.