Topo

Ex-ministro vê TSE sob 'ataque planejado' e responsabilização de Bolsonaro

7.ago.2018 - O advogado e ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro durante evento no plenário da Corte Eleitoral - Roberto Jayme/ASCOM/TSE
7.ago.2018 - O advogado e ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro durante evento no plenário da Corte Eleitoral Imagem: Roberto Jayme/ASCOM/TSE

Paulo Roberto Netto

do UOL, em Brasília

21/07/2022 04h00Atualizada em 21/07/2022 09h06

O advogado e ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Marcelo Ribeiro avalia que a Corte está hoje sob um ataque "injusto e planejado", e que a reunião na qual o presidente Jair Bolsonaro (PL) reciclou mentiras sobre o processo eleitoral pode configurar crime eleitoral.

Na terça-feira (19), mais de 40 procuradores federais de todo o país encaminharam uma notícia-crime ao procurador-geral Augusto Aras cobrando uma investigação contra Bolsonaro. A conduta do presidente no encontro com embaixadores "afronta e avilta a liberdade democrática", segundo o grupo.

A oposição também apresentou representações contra o presidente. O PT pediu ao TSE que retirasse do ar o vídeo da transmissão feita por Bolsonaro na TV Brasil, apontando que o evento difundiu mentiras sobre o processo eleitoral.

Para Ribeiro, caberia ao TSE avaliar se o encontro de Bolsonaro, em tese um ato de governo, poderia ser enquadrado como abuso de poder político, conduta que pode levar à inelegibilidade. Outra hipótese seria o caso ser tratado como abuso dos meios de comunicação, uma vez que resolução do tribunal veda a divulgação de fatos sabidamente inverídicos contra o sistema eleitoral.

"O abuso do poder político em um caso como esse se configuraria pelo uso da máquina pública, das instalações e da estrutura da Presidência para gerar um efeito eleitoral. Aí o tribunal teria que pesquisar se, de fato, houve esse ato praticado com interesse eleitoral", disse Ribeiro ao UOL.

"Eu, pessoalmente, vejo que isso está mais para uma responsabilização política. Quando o presidente da República convoca embaixadores para falar da Justiça Eleitoral do próprio país, com acusações que são infundadas, isso certamente do ponto de vista do poder estatal não é um ato que se deva elogiar. O Congresso poderia se movimentar em uma questão dessas. Agora, em tese, também pode configurar ilícito eleitoral", acrescentou.

Ribeiro, porém, diz acreditar que o Congresso não deverá agir contra o presidente, uma vez que deputados e senadores disputam as eleições em outubro, aumentando o custo eleitoral da abertura de qualquer procedimento contra o presidente.

"Faltando poucos meses de eleições é politicamente impossível. Não vai acontecer. E você vê que o presidente da Câmara (Arthur Lira, do PP-AL), pelo o que vi, não falou nada. Isso é um silêncio eloquente, um silêncio que fala muito. Não se espere que ele vá tomar qualquer atitude", disse.

Ataque planejado

Na avaliação do ex-ministro, o TSE de hoje enfrenta dificuldades que, em sua época no TSE, eram inexistentes. O temor de eventuais ataques, por exemplo, era algo que Ribeiro diz nunca ter passado, enquanto hoje a segurança da Corte entrou no radar do tribunal.

"Eu estava na eleição do ministro Alexandre de Moraes (que assumirá a presidência do TSE em agosto) e falei pelos advogados: 'O tribunal está sob um ataque injusto e planejado'. O tribunal tem recebido inúmeras críticas e todo mundo está vendo que não há prova de nada", disse Ribeiro.

Os ministros, na minha época, tinham direito a segurança. Eu nunca usei. Nunca. Nunca quis. Nunca sofri nada, nunca tive medo de ser abordado, nunca deixei de ir a nenhum lugar ou entrar em um avião. Era uma vida normal. Hoje, os ministros não podem fazer isso. Eles têm de ter segurança. Todos devem. É um risco"
Marcelo Ribeiro, advogado e ex-ministro do TSE

Questionado pelo UOL sobre como encara a participação ativa das Forças Armadas em questionar o sistema eleitoral, Ribeiro diz que se trata de um tema "simples, mas complexo". O ex-ministro reconhece que os militares possuem bons técnicos na área de tecnologia que podem contribuir com o processo, mas que não são especializados no tema.

"A participação [dos militares] tem que ser mais discreta. Não tem que levar a público as coisas dessa forma, a não ser que se descobrisse algo relevante, o que não aconteceu. Nós sabemos muito bem, não aconteceu nada de relevante", disse o ex-ministro.

"Você vê que ninguém fala de outros membros da comissão [de transparência eleitoral]? Parece que a comissão é as Forças Armadas e parecem que elas estão se comportando de uma forma que querem impor um ponto de vista. Elas não têm competência. Não é área deles [militares]. Eles podem ajudar. Colaborar é uma coisa. Mandar é outra."

Indicado ao TSE em 2008 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ribeiro permaneceu no tribunal por quatro anos como integrante da classe dos advogados, atuando como ministro substituto e titular. Atualmente, preside o Ibrade (Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral).

Na terça, o instituto divulgou nota em que reafirma a total confiança na legitimidade do sistema eleitoral e sai em defesa do TSE. "Lamenta-se, portanto, qualquer forma de ataque ao sistema eleitoral nacional, inclusive o formulado na recente convocação de embaixadores de todo o mundo. O sistema é um orgulho para o país.", disse a entidade.