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Em 'biografia de auto-ajuda', Marion Jones relembra momentos na prisão e foge de doping

Marion Jones, aos 35 anos, concede entrevista para falar de sua biografia - AP Photo/Eric Gay
Marion Jones, aos 35 anos, concede entrevista para falar de sua biografia Imagem: AP Photo/Eric Gay

Do UOL Esporte

Em São Paulo

27/10/2010 12h01

A norte-americana Marion Jones foi um dos principais nomes do atletismo mundial nos últimos anos. Foi do céu ao inferno, quase que literalmente, conquistando cinco medalhas olímpicas em Sydney-2000 e perdendo todas sete anos depois ao confessar ter feito uso de doping na Olimpíada. E como se não bastasse perder as insígnias, ainda foi presa por seis meses. Deixou a penitenciária em 2009 e neste ano ainda se arriscou na WNBA, a liga feminina de basquete dos Estados Unidos. Tudo isso, com detalhes, está na biografia “On The Right Track” (“Na Pista Certa”, em tradução literal), lançada mundialmente na última terça-feira.

A VIDA DE MARION JONES

  • AP Photo/Adam Butler

    Em Sydney-2000, dias antes de completar 25 anos, Marion Jones se tornou a primeira mulher a conquistar 5 medalhas (3 ouros e 2 bronzes) em uma Olimpíada

  • Chris Hondros/Getty Images

    Em 2008, menos de um ano após admitir o doping e reconhecer ter mentido em juízo na investigação do caso Balco, é condenada a seis meses de prisão nos EUA

  • AP Photo/Eric Gay

    Dez anos após alcançar o apogeu como esportista, Marion Jones revê sua carreira na biografia (em tradução literal): "Na pista certa: da queda olímpica ao encontro do perdão e a força para se superar e chegar ao sucesso"

Embora passe por toda a vida de Jones, o livro, escrito em parceria com Maggie Greenwood-Robinson, uma autora de obras sobre dietas e exercícios muito famosa na América do Norte, tem como base os seis meses em que a ex-campeã olímpica passou na penitenciária federal de Fort Worth, no Texas. Boa parte do texto vem das cartas que a ex-velocista escrevia para o atual marido, o também atleta Obadele Thompson.

A biografia tem forte caráter de auto-ajuda, até mesmo com uma filosofia traçada, a do “Take a Break”, algo como “Dê um tempo”. Segundo esse ‘pensamento’, toda pessoa deve pensar e avaliar o que realmente é certo antes de tomar uma decisão ou atitude da qual possa se arrepender mais tarde.

E é o arrependimento o fundamento principal da obra. Após negar durante sete anos qualquer tipo de envolvimento com doping, Marion Jones admitiu em 2007 ter feito uso de substâncias proibidas e revelou ter mentido em uma investigação federal sobre o tema em 2003, motivo pelo qual foi condenada.

“Certamente eu gostaria de voltar no tempo e mudar algumas coisas, mas assim eu também não conseguiria ser a pessoa que eu sou hoje, alguém de quem eu realmente me orgulho muito”, afirmou Jones em entrevista à Associated Press para falar do novo livro. “Minha história é única. Na primeira parte da minha vida, da minha trajetória, eu atingi o ápice da minha carreira, uma carreira pública, e então eu tomei decisões que me custaram tudo aquilo. Aí eu estava no ponto mais baixo. Mas não desisti. Eu meio que criei uma maneira de sair daquilo, e eu estou de volta”.

Recheado de passagens bíblicas, o relato procura intensificar a imagem de uma nova Marion Jones. Para se tornar a pessoa melhor que propaga ser, Jones viveu seis meses de horror dentro de uma das mais perigosas penitenciárias dos Estados Unidos. Na biografia, a ex-atleta descreve o ambiente em que viveu, lembra de hábitos das outras presas como o uso de rolos vazios de papel higiênico como uma espécie de telefone e ainda revela fatos vivenciados na cadeia.

Em especial, Jones cita uma briga da qual teve medo de não sair viva. Mas saiu. E enquanto estava ilesa, sua rival tinha um rosto totalmente machucado e ensanguentado.

A americana menciona ainda aquele que teria sido o “pior momento” de sua vida: sua permanência na cela solitária. “Houve momentos, enquanto eu estive lá, em que eu não sabia como continuar. Eu perguntava ‘Como eu vou conseguir sobreviver até amanhã?’”.

De volta às ruas, Marion Jones passou a dar palestras para crianças em escolas, hábito que começou como parte das 800 horas de serviços comunitários a que foi condenada e que hoje faz por vontade própria. Sua missão é levar aos jovens a parte boa do esporte. “Ajudar as pessoas é uma maneira de eu me curar, porque eu machuquei muita gente, eu sei disso. Eu ainda tenho de lidar com o fato de que deixei muitas pessoas chateadas. Eu desapontei muita gente que me amava e se importava comigo, mundialmente, e quando eu penso nisso é uma motivação para eu seguir em frente”, afirmou em entrevista à AP.

TRECHOS DO LIVRO

É necessário deixar claro por que eu estou escrevendo este livro. Se você o pegou para conhecer detalhes mais picantes sobre doping e escândalos de drogas, acho que você deve colocá-lo de volta na estante

Eu não quero ser lembrada pelos recordes que eu quebrei, pelas corridas que venci ou pelas medalhas que perdi. Quero ser lembrada pelo terrível erro que eu cometi e pela pessoa de pensamento positivo que me tornei

Embora os momentos na prisão deem ao livro o caráter ficcional que os leitores procuram, Marion Jones passa muito superficialmente sobre outro ponto de grande curiosidade para o público: o doping. A ex-atleta evita dar detalhes sobre as substâncias que utilizou e sobre o famoso caso Balco, dentro do qual foi investigada assim que surgiram as primeiras acusações de doping.

“É necessário deixar claro por que eu estou escrevendo este livro. Se você o pegou para conhecer detalhes mais picantes sobre doping e escândalos de drogas, acho que você deve colocá-lo de volta na estante”, escreveu Jones no capítulo dois, já avisando o leitor sobre o que ele não encontrará nas 213 páginas da biografia (em sua versão original).

No entanto, apesar de não detalhar o uso de drogas, Marion Jones mais uma vez afirma que se dopou de maneira inocente, no princípio. "Sim, eu usei substâncias para melhorar a performance e não posso voltar atrás nem desfazer isso. O que aconteceu, aconteceu", escreve. Embora assuma a responsabilidade, ela sugere, mais de uma vez, que seu erro não foi se dopar, mas sim acreditar em quem lhe repassou as substâncias.

“É claro que foi minha escolha usar aquilo sem fazer perguntas, mas não era a minha intenção”, repetiu em entrevista. “Eu fui para a prisão porque eu menti. Foi um crime. Eu olho para trás e penso ‘Deus, como eu queria não ter confiado tanto’. Mas o que eu realmente queria era não ter mentido. Esse é o meu arrependimento”.

Para encerrar o livro de maneira triunfal, a mulher que fez história no atletismo mundial novamente recorre ao arrependimento. “Eu não quero ser lembrada pelos recordes que eu quebrei, pelas corridas que venci ou pelas medalhas que perdi. Quero ser lembrada pelo terrível erro que eu cometi e pela pessoa de pensamento positivo que me tornei”, diz no último capítulo, intitulado “Blessed” (“Abençoada”).