Ex-técnico de Joaquim Cruz critica atletas brasileiros e pede mais esporte nas escolas
Nos Jogos Olímpicos de Londres, o Brasil não conquistou nenhuma medalha no atletismo. Nas provas de pista da modalidade, o país já soma 24 anos de jejum, desde a prata de Joaquim Cruz nos 800 m nos Jogos de Seul.
O treinador de Cruz na ocasião era Luiz Alberto de Oliveira. Hoje o técnico é o atual coordenador do Centro Nacional de Atletismo de Uberlândia. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte ele critica a falta de comprometimento dos atletas e lamenta o desperdício de talentos brasileiros na formação de uma equipe altamente competitiva.
Diante do resultado do atletismo nos Jogos de Londres e do pouco tempo para a Olimpíada do Rio, quais as sugestões para termos uma equipe mais competitiva em 2016?
Luiz Alberto – Não se faz um trabalho tão rápido assim. Temos alguns bons atletas em condições de melhorar os resultados e competir para chegarem a uma final. Temos também alguns bons treinadores com jovens talentos, como o Duda (Mauro Vinicius, do salto em distância), treinado pelo Aritides (Junqueira). Precisamos trazer gente boa de fora para trabalhar, como fez a Inglaterra. O trabalho tem que ser muito concentrado e com muita determinação. O Joaquim e o Zequinha Barbosa, de 1981 a 1984, foram muito bem nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984). Mas o que funcionou e muito foi o comprometimento desses atletas, desde que chegaram nos Estados Unidos, onde treinaram. Tudo tinha um objetivo. Estávamos morando em outro país e tinha gente nos ajudando. Tínhamos mais do que obrigação de sermos sério no trabalho que fazíamos.
Que apoio vocês tiveram para ir treinar nos Estados Unidos?
Luiz Alberto - Fomos graças ao apoio de Victor Malzoni, um empresário dedicado ao atletismo. Ele patrocinava o Zequinha e o Agberto (Guimarães) e, logo depois, o Juca (Joaquim Cruz). Depois tivemos o Sérgio Coutinho, empresário também apaixonado pelo atletismo, que trouxe o Sanderlei (Parrela), o Hudson Souza e outros. Tivemos condições de trabalhar com seriedade. Eles treinavam e estudavam, diferentemente do Brasil, onde não é fácil fazer campeões devido à falta de comprometimento da maioria dos nossos atletas.
O que significa “comprometimento de atletas”?
Luiz Alberto – Precisamos mais da dedicação dos atletas, dos treinadores. Precisamos de garra, perseverança, motivação. E, o mais importante, comprometimento. Isto é: abdicar de prazeres da vida em prol de uma conquista. Temos que fazer os nossos jovens talentos acreditarem que são capazes. Quando se aposentarem, os atletas terão todo o tempo para curtir a vida com coisas que não se pode misturar agora, na época em que estamos preparando para uma grande conquista.
Atualmente como se realiza o seu trabalho?
Luiz Alberto – Trabalho com alguns atletas no Centro de Treinamento de Uberlândia. Temos bons treinadores, o que é muito importante. Nas áreas de arremessos e lançamentos já temos atletas que poderiam brilhar em 2016. No meio fundo também temos nomes que terão condições de ir à final nos Jogos do Rio. Com dificuldades e persistência conseguimos um diferencial no nosso trabalho. Se não temos condições de treinar no exterior, procuramos compensar com uma programação aqui mesmo. Mas temos que ter mais campings lá fora. Temos que concentrar mais os atletas para que eles entendam que o trabalho é em prol de um resultado que se busca em curto prazo.
Pela sua experiência de técnico no Brasil e no exterior, qual o caminho que deveremos seguir para que a modalidade se desenvolva a longo prazo? A escola é importante nesse processo?
Luiz Alberto – Não se tem dúvidas que se não desenvolvermos o atletismo nas escolas não iremos a lugar algum. Atualmente, as escolas particulares e algumas do Estado oferecem condições para a prática de alguns esportes, mas ainda se observam precaridades. Isso tem que acabar. Educação física e esporte têm que ser atividade obrigatória.
Mas são muitas as dificuldades para os professores de educação física, não?
Luiz Alberto - Sim, a começar pela falta de espaço físico nas escolas. Não se tem material necessário para a prática de atletismo e também para outros esportes. As aulas de educação física são somente para cumprir currículo. Temos professores dedicados que, mesmo com a má estrutura que dispõem, ainda fazem alguma coisa. Os salários dos nossos professores é uma vergonha. Em decorrência vem a enrolação de muitos professores que estão insatisfeitos com esta situação. Também observo que a indisciplina dos nossos alunos são toleradas ao extremo. O aluno manda na escola, nos diretores, nos professores e nada acontece. Foi-se o tempo em que o aluno usava uniforme. Tudo isso faz parte de uma educação integral eficiente.
Você parece desanimado com esta situação...
Luiz Alberto - Na verdade, deixaram de lado o esporte na escola, já há algum tempo. Os Jogos Escolares são mais para atletas que já fazem atletismo, Isto é, os que já participam de campeonatos de uma federação de atletismo, atletas de clubes. Não temos competições sistemáticas nos estados. O Brasil precisa de pistas nas escolas, nas universidades. Temos programação de competição escolar ainda em novembro e dezembro, pleno período de provas finais dos alunos. E em termos de esporte os atletas deveriam estar fazendo uma boa base. Mas ainda estão competindo! E o atletismo tem prioridades que precisam ser observadas.
Na sua avaliação, o Brasil deve escolher uma escola de atletismo - Estados Unidos, Cuba, Inglaterra ou Jamaica, por exemplo - ou ter a sua própria escola, de acordo com as características e diversidade regional deste imenso país?
Luiz Alberto – Temos que ter a nossa própria escola. Criar um sistema de competição escolar em cada estado da federação. Dividir em regiões, caso o estado for grande demais. Precisamos fazer competições todos os finais de semana e exigir que os professores – desde que tenham condições, claro - participem com suas escolas nesses eventos. Esse calendário deve prever um campeonato estadual no final da temporada e um campeonato nacional com as escolas campeãs nos estados, ou com os melhores atletas selecionados por índices pré-fixados.
Algo como já ocorre nos Estados Unidos?
Luiz Alberto – Sim, mas com adaptações à realidade brasileira, para termos gente suficiente participando e, assim, descobrirmos talentos na quantidade. Só assim poderemos nos tornar um país esportivo e altamente competitivo, com crianças que irão entender a necessidade de se envolverem com o esporte. Temos que usar nossos ídolos de forma que os jovens possam neles se espelhar. Temos que ter atletas sérios e dedicados, responsáveis com suas carreiras.
Quer dizer que o ponto de partida é mesmo a escola?
Luiz Alberto - Claro, a escola tem que estar envolvida. O governo quem que gastar dinheiro em programas que comecem na escola e não ficar dando dinheiro para programas que não têm o mínimo de controle e que não mostram evolução. Conheço os casos de dois atletas: um que parou de competir e outro que morreu. Mas ambos continuaram recebendo dinheiro. Isso precisa de um melhor controle no geral, não só no desempenho técnico, mas escolar também.
Outros países são exemplares nessa proposta...
Luiz Alberto – Sim, a Jamaica aplica esse sistema que é o sistema norte-americano. Eles fazem com o atletismo o que nós, brasileiros, fazemos com o futebol: massificação. Quênia, Etiópia e outros países africanos fazem a mesma coisa no atletismo.
O sacrifício é grande para se formar um atleta olímpico?
Luiz Alberto - O atletismo é um dos esportes mais sacrificantes que existe. Treinar para competir em alto nível é sofrer para transpor barreiras. É aprender a sentir a dor. Mas é assim que se chega a uma medalha olímpica. A Jamaica faz este trabalho há muitos anos. Não foi ontem que começaram. Antes, quase todos os jamaicanos iam para os Estados Unidos com bolsas de estudos e lá faziam todo o trabalho de atleta. Agora, eles já têm um programa melhor para manter seus atletas no próprio país. Têm treinadores que já foram atletas e que estudaram e competiram nos Estados Unidos com bons treinadores. Criaram a própria escola. Mas não foi em quatro anos que conseguiram isso.
Depois da medalha de ouro (1984) e de prata (1988) de Joaquim Cruz, não tivemos mais pódio no atletismo de pista individual. Por quê?
Luiz Alberto – Tivemos alguns atletas que conseguiram pódios mundiais. Claudinei Quirino, por exemplo. Tivemos o revezamento 4x100 m, prova que nos dá um pouco de chance devido os poucos países que participam desta prova.
Por que isso ocorre?
Luiz Alberto – Não é fácil ter muitos velocistas. O Brasil tem muitos atletas que fazem velocidade, mas não temos grande número de gente que possa subir no pódio individualmente. Estamos nos preocupando com revezamentos e nos esquecendo de dedicar o necessário treinamento para termos finalistas individualmente nos 100 m e nos 200 m.
Mas isso ocorre também nos 400 m...
Luiz Alberto - Temos atletas que poderiam ser grandes competidores. Não é possível entender como outros países conseguem fazer campeãs e campeões nos 100 m e nos 200 m, ao contrário de nós. Precisamos de auxílio nestas provas. O nosso 400 m anda bem pior. Temos atletas em condições, mas o nosso programa de treinamento tem que ser melhor monitorizado, melhor assessorado. O último bom corredor de 400 m no país chama-se Sanderlei Parrela. Pelas entrevistas de nossos atletas em Olimpíadas e Campeonatos Mundiais sabe-se bem sobre esta realidade. Depois de ficarmos fora das semifinais e finais, falamos que “ainda tem o revezamento...”
O não aproveitamento de ex-atletas contribui para que não se repita um Zequinha ou um Joaquim Cruz?
Luiz Alberto – O intercâmbio com os Estados Unidos foi interrompido porque houve um complô que não permitiam que eu levasse mais atletas para lá. Fiquei fora do Brasil por muito tempo. Até agora, ninguém conseguiu ter finalistas nos 800 metros ou bons competidores nos 1.500 metros. Quase todos os nossos possíveis talentos na pista, no meio fundo e fundo vão para as corridas de rua, atraídos pela facilidade de ganhar algum dinheiro.
Ao contrário dos anos 80, quando você era treinador no Brasil, o atletismo da última década teve mais recursos financeiros. Isso é importante, é decisivo para evolução da modalidade?
Luiz Alberto – O apoio é necessário. Principalmente em um país caro como o nosso. Estes atletas pobres que temos no nosso esporte têm que ajudar as suas famílias. Muitos pais querem saber o que os filhos estão ganhando fazendo esporte em vez de estarem trabalhando.
Mas este apoio que o governo federal oferece existe em outros países?
Luiz Alberto – Nos Estados Unidos, Quênia, Jamaica, Etiópia e muitos outros não há o apoio que temos aqui. E os grandes atletas continuam aparecendo nesses países ou até outros menores, na África e Ásia. Pude ver o sacrifício que fazem, mas tudo com a maior felicidade e esperança de que um dia serão grandes, serão destaques internacionais. Fazem treinos descalços. Fui a uma competição no Quênia, em Eldoret, onde presenciei o enorme número de participantes competindo sem calçado. As sapatilhas ou tênis que ganham ou são usados, de outros atletas bem sucedidos, ou presentes de irmãos ou familiares que já estão no atletismo internacional.
No Brasil é o contrário, pois o apoio surgiu nos últimos 10 anos e se mantém até hoje.
Luiz Alberto – No Brasil, nossos atletas estão tendo muita ajuda. Só que sem estrutura esportiva. E qual o comprometimento desses atletas? Temos um Ministério do Esporte dando Bolsa incontrolavelmente, sem verdadeiras verificações para onde este dinheiro está indo. Algumas federações dão ajuda, às vezes de acordo com um critério fraco, e a CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo) tem feito o que o seu conselho acorda. O dinheiro do esporte no Brasil é decisivo para o desenvolvimento da modalidade. Nas construções de praças esportivas, criação de programas idôneos, trazendo grandes treinadores e oferecendo condições para que trabalhem com a colaboração dos nossos treinadores também. Sem ciúmes ou inveja e sem querer ser o “dono” do atleta. Por não termos outra estrutura, ficamos dependentes dos clubes. Clubes que têm a força do dinheiro e que podem recrutar jovens talentos, que já trabalham com outros treinadores, mas sem muitas condições de segurar tal atleta. Aí, estes atletas acabam indo pra os clubes que pagam melhor salário. Clubes que não permitem que esses talentos treinem com outros técnicos, a não ser do próprio clube. Essa falta de intercâmbio é prejudicial para todos.
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