Ex-leiteiro que bateu lenda sentiu peso da fama de campeão da São Silvestre
Ao ser coroado campeão da principal prova de rua do país, o paranaense Emerson Iser Bem repetia, maravilhado: “Eu não sabia que isso era possível” Hoje não se incomoda em ser chamado de a maior zebra da história da São Silvestre. Em 1997, contra todas as previsões, inclusive a dele mesmo, venceu um dos maiores nomes do atletismo de longa distância, o queniano Paul Tergat, lenda que seria pentacampeã da corrida.
Emerson, que na infância ajudava o pai a entregar leite perto da fronteira brasileira com a Argentina e costumava treinar correndo em canaviais, é até hoje uma das histórias mais incríveis da São Silvestre, cuja 92ª edição acontecerá no sábado.
Há 19 anos ele não era exatamente um novato, mas ninguém fora do mundo restrito do atletismo conhecia seu nome antes daquela tarde de 97. Quando o pelotão de elite entrava na reta final da prova, o narrador Cléber Machado, da TV Globo, só tinha olhos para Paul Tergat.
O queniano tinha duas medalhas olímpicas e era tricampeão mundial de cross country – corrida em terreno de grama ou terra. Tergat seria recordista mundial da maratona, já tinha vencido duas São Silvestres e seria campeão de outras três. Simpático, carismático, era tido pelo público, pela imprensa e pelos próprios adversários como o virtual campeão daquele ano.
Cléber Machado o elogiava enquanto ele subia majestosamente a avenida Brigadeiro Luís Antônio, os metros finais da prova, quando Emerson, louro e de olhos claros, apertou o passo e o ultrapassou.
“O que parecia impossível aconteceu”, anunciou o narrador. “Você não está sonhando não: o Emerson deixou o Paul Tergat para trás!” E Emerson correu. Como ninguém sabia seu nome, a torcida, pega desprevenida, gritava apenas “Vai, Brasil!”
“Esse fato foi determinante pra eu ter vencido a prova”, conta o ex-fundista, que vive hoje em Taubaté (SP). “Eu nunca consegui ir pra Olimpíada, mas tinha muita vontade de representar o Brasil. Ali no final é uma batalha épica dentro de você para convencer seu corpo a continuar. Na minha cabeça eu pensava: ‘Eu sou Brasil nessa prova e o Brasil tem que vencer’.”
Emerson já esperava uma recuperação agressiva do rival e pensou que seria ultrapassado rapidamente. “Pelo menos eu saio na foto da vitória dele”, ele pensou. Foi uma surpresa quando percebeu que Paul Tergat não respondia ao seu ataque. “Acho que ele sentiu o calor e ficou. Eu treinava em canavial e estava bem acostumado com aquela temperatura.”
O brasileiro cruzou a linha de chegada com vários metros de vantagem para o queniano. Essa era apenas sua terceira participação na corrida. Na primeira, tinha ficado na 50ª posição. Na segunda, havia abandonado na metade.
A vitória improvável lhe rendeu um carro 0 km, 11 mil dólares e um quilo de ouro, que ele usou para comprar uma casa em Campos do Jordão, no interior de São Paulo. Também lhe rendeu fama repentina, com a qual nunca se acostumou. “Eu virei o cara a ser batido”, lembra. “Tive muita dificuldade em lidar com isso, sempre gostei de ficar mais anônimo, quieto na minha, nunca gostei de badalação. Não estava preparado pra tudo que veio depois.”
Em seus treinos, era impossível correr alguns quilômetros seguidos sem ser parado por um fã pedindo fotos e autógrafos. Antes de uma corrida em São Caetano do Sul, deu umas palmadas na coxa e viu todos os outros competidores repetindo o gesto, como se aquele fosse o segredo do campeão. Jornalistas o entrevistavam até momentos antes da largada, atrapalhando seu aquecimento e concentração.
Na São Silvestre seguinte, em 1998, quando foi defender seu título, Emerson não conseguiu lidar com a pressão. Seu desempenho foi pior, embora tenha conseguido ser o melhor brasileiro, chegando em sexto. Paul Tergat venceu seu tricampeonato.
Desde então, apenas dois outros brasileiros (Marílson Gomes dos Santos e Franck Caldeira) conseguiram superar o domínio de quenianos e etíopes na prova. A última vitória de um atleta da casa foi a de Marilson em 2010.
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