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Campeã olímpica escondeu gravidez para competir; recém-nascido está na UTI

Com seis ouros olímpicos no atletismo, Allyson Felix descobriu gravidez em maio, mas correu até julho - 	OLIVIER MORIN/AFP
Com seis ouros olímpicos no atletismo, Allyson Felix descobriu gravidez em maio, mas correu até julho Imagem: OLIVIER MORIN/AFP

Do UOL, em São Paulo

21/12/2018 15h43

Aos 33 anos, Allyson Felix é uma das mais laureadas esportistas do atletismo dos EUA. Em quatros edições de Jogos Olímpicos (2004, 2008, 2012 e 2016), foram nove medalhas, sendo seis de ouro e três de prata. Nas últimas três Olimpíadas, ela integrou a equipe campeã do revezamento 4 x 400 m.

No entanto, para uma atleta de alto rendimento que pretende estar na Olimpíada de 2020, em Tóquio, os tempos de Allyson em 2018 estavam bem mais lentos do que o esperado. Em junho, as marcas da norte-americana nos 400 m oscilavam entre os 51s e os 52s. Para efeito de comparação, ela conquistou a medalha de prata na prova na Olimpíada de 2016, no Rio, com 49s51. Shaunae Miller (Bahamas) foi ouro com 49s44.

"Meu técnico, Bobby Kersee, conversou comigo a respeito de encerrar a temporada. Meu irmão e empresário, Wes Felix, queria ter a certeza de que eu não estava machucada", contou Alysson, em depoimento publicado pelo site da ESPN. "Tinha chegado a hora de contar a eles o que estava acontecendo: eu estava grávida", completou.

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A reação do estafe da velocista foi positiva. No começo de junho, Allyson estava com uma gravidez de oito semanas. Para ela, no entanto, não havia motivos para revelar a informação antes.

"Eu pensei que poderia manter a notícia para mim e para meu marido, Kenneth, por um pouco mais de tempo. Que eu continuaria vencendo corridas, desde que treinasse duro. Quero dizer, Serena Williams venceu o Aberto da Austrália (de 2017) no começo de sua gravidez. Se eu tivesse bastante força de vontade, eu poderia fazer a mesma coisa", calculou.

A meta era encerrar a programação de atividades no segundo semestre de 2019, sem disputar uma Olimpíada ou um Mundial. Então, afastada, poderia dar à luz e voltar sem ser notada.

Mas não foi só isso. "Eu estava colocando as necessidades e as expectativas das pessoas à frente das minhas. Estava fazendo as coisas porque sentia que deveria, e não porque eu queria. Eu sentia que marcava itens em uma lista de afazeres, ao invés de viver minha vida."

O disfarce foi levado até onde o calendário permitiu. Em 18 de novembro, Allyson completou 33 anos e publicou uma foto no Instagram. Com a imagem, trazia um breve texto para, enfim, tornar pública a gravidez.

"Chegando aos 33 anos mais corajosa, mais forte e mais empoderada. Aprendendo que está tudo bem você se permitir ser vulnerável. Criando espaço para ser eu, amando a jornada na qual estou e a mulher que estou me tornando. Apaixonada pela minha construção. Sem desculpas para os grandes objetivos que eu ainda tenho que cumprir - independente de quem ainda acredita em mim. Compreendendo de onde vêm meus valores, mesmo que este mundo me force a precisar de um lembrete. Experimentando o amor de Deus como nunca antes. Abraçando o próximo capítulo e acreditando de verdade que será meu melhor."

Livre da obrigação de manter secreta sua gravidez, Allyson poderia pensar no que queria fazer, como comprar roupas para um ensaio fotográfico do fim da gestação. E talvez por não carregar mais o peso do segredo, a velocista tenha buscado um porquê para sua decisão.

"Eu esperava que minhas experiências pudessem ajudar outras mulheres que estivessem preocupadas - como eu mesma estive por muitos anos - sobre o que o começo de uma família poderia significar para suas carreiras. Que elas soubessem que eu também tenho aquelas sensações de ansiedade por dividir a notícia com meu empregador, e as repercussões que eu poderia encarar."

"Então, eu comecei a documentar tudo. A fazer vídeos de quando meu marido e eu descobrimos a gravidez em maio, de como eu me senti em minha última corrida em julho, quando já estava com quatro meses de gestação, as maneiras que encontrei para continuar treinando, de forma que meu corpo se recuperasse rapidamente após o incrível parto natural que eu planejava ter em janeiro."

Susto: hospital às pressas

A partir daí, Allyson diz que tudo mudou.

Primeiro, vieram alguns incômodos nos tornozelos. "Tudo normal para o terceiro trimestre", ela pensou, "nada com que se preocupar."

Depois, um ultrassom no qual a médica afirmou que a menina que ela estava esperando estava "um pouco pequena". De novo, ainda nada de preocupações.

Com 32 semanas, Allysson fez um exame de rotina que monitoraria, entre outras coisas, os batimentos cardíacos da bebê. Aí veio o susto: a médica então encaminhou a atleta imediatamente a um hospital.

"Na mesma hora, eu liguei para meu marido, para que ele soubesse que era sério. Ele precisava deixar o trabalho para correr para o hospital", conta. Wes, o irmão e agente, também foi avisado para cancelar a sessão de fotos marcada para aquela mesma tarde.

"Quando eu cheguei ao hospital, eu percebi rapidamente que algo estava muito errado. Minha pressão sanguínea estava muito alta. Os batimentos cardíacos do bebê estavam desacelerando. Era perigoso para nós dois e, se a situação não melhorasse logo, eu teria que dar à luz em uma cesariana de emergência dentro de 48 horas."

A partir dali, a única preocupação da campeã olímpica era a respeito da menina. De fato, Camryn nasceu em 28 de novembro, menos de uma semana após o susto no exame. O bebê veio ao mundo com 1,55 kg e 40,6 cm. Foi levada pouco depois para uma UTI neonatal.

Na primeira noite, Allyson viu a filha por apenas 10 minutos. Ainda com a pressão alta, a atleta não podia caminhar. Em seu quarto, ela tampouco podia dormir, preocupada com Camryn.

"Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Honestamente, ainda não consigo. Provavelmente, vou precisar de anos para processar tudo que aconteceu e o que isso significa", relatou a mãe de primeira viagem. "Mas neste momento, estou feliz que minha filha esteja OK. Ela ainda vai ficar na UTI neonatal por algum tempo, mas ela está bem e eu sou muito grata por isso."

Apesar da aparente tranquilidade, Allyson diz que os dias em que visita a filha são "assustadores". "Os monitores estão sempre bipando. Os pais estão no limite. Às vezes, bebês muito novos simplesmente param de respirar e precisam descobrir sozinhos como começar de novo. Aqueles bebês estão lutando pela vida a cada segundo do dia. Mas eles estão buscando um caminho adiante, e isso é muito inspirador", relata.

Hoje, a medalhista olímpica agradece por dias bons, ou até simplesmente por horas de tranquilidade. Em sua experiência, ela conheceu outras mães, cujos filhos às vezes estão em situações piores. E não se esquece disso.

"Ainda há uma parte de mim que tenta buscar um porquê para o que tem acontecido. Mas, honestamente, acho que Deus tem um propósito, mesmo que eu não possa vê-lo ou compreendê-lo no momento. Sou muito grata porque minha filha parece OK. Não quero perder tempo sendo negativa."