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Marcel vê crise de identidade no basquete do país: "não sabemos quem somos"

Marcel, medalha de bronze com a seleção em Mundial e ex-técnico - Jefferson Coppola /Folha Imagem
Marcel, medalha de bronze com a seleção em Mundial e ex-técnico Imagem: Jefferson Coppola /Folha Imagem

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

03/09/2013 13h21

Um dos maiores ídolos da história do basquete brasileiro, o ex-ala Marcel vê os maus resultados da seleção na Copa América como consequência de uma crise de identidade que já dura há algum tempo e evitou apontar o técnico técnico Ruben Magnano ou jogadores como culpados. O time vem de três derrotas seguidas, para Porto Rico, Canadá e Uruguai, e precisa ganhar da Jamaica, nesta terça, 21h, para manter chances de participar do Mundial-2014.

Marcel de Souza foi campeão dos Jogos Pan-Americanos de 87 e bronze no Mundial das Filipinas-1978 com a seleção, além de campeão mundial de clubes com o Sírio, em 79, entre outros títulos. Também trabalhou como técnico de clubes nacionais entre 1994 e 2010.

O ex-jogador disse que antes mesmo da era Magnano a seleção tinha problemas no jogo coletivo que impediam que os jogadores de diferentes ligas ao redor do mundo se adequassem ao sistema. E que isso continua a ocorrer.

“Eu sempre falei, na questão da seleção, que o que faltava para o Brasil era uma identidade. Ou queremos dançar aquarela no ritmo de tango ou colocamos tango na Sapucaí. Isso fica difícil para o jogador brasileiro. O brasileiro fica sem referência de como atuar. Não sabe se joga como na NBA, se como atleta argentino ou brasileiro. Estamos nessa crise de identidade; e isso reflete no que o brasileiro tem de melhor, que é a criatividade, o desafio”, falou Marcel ao UOL Esporte.

“Temos que discutir nossa identidade. Não sabemos mais quem somos. Nos campeonatos dos últimos anos, o Brasil sempre vai bem até que perde três, quatro seguidas.  É uma crise total de identidade. Faz muito tempo que não jogamos como brasileiro uma competição. Temos que levar pra esse cenário de Copa América, Mundial e Olimpíada o jeito brasileiro de jogar. Historicamente sempre foi isso que nos levou pra frente. Minha geração era criticada porque pegava quarto lugar em Mundial.”


Antes da classificação para os Jogos Olímpicos de Londres, o Brasil não ia para uma Olimpíada desde a edição de 1996, em Atlanta. De lá pra cá, amargou também más participações em Mundiais, como a queda na primeira fase em 2006. Teve no período, além de Magnano e do espanhol Moncho Monsalve, vários treinadores brasileiros, como Hélio Rubens e Lula Ferreira. Para Marcel, todos tiveram participação nesta crise de identidade.

“Isso tudo aconteceu porque os treinadores brasileiros queriam fazer o que faziam nos clubes dentro da seleção. Achavam que porque foram vitoriosos nos clubes seriam na seleção com o mesmo esquema. E eu sempre os critiquei porque ter sucesso no Brasil não significava ter sucesso internacional. Os melhores técnicos na seleção não eram os melhores nos clubes, como o Ary Vidal, que ganhou título brasileiro depois do Pan. Miguel Angelo da Luz foi campeão pan-americano e mundial sem ter ganhado título”, falou.

“Os estrangeiros também (erraram) porque chegaram falando “tem que mudar, isso não dá certo”, mas na hora do vamos ver não conhecem o jogador brasileiro. Hoje queremos transformar o basquete brasileiro numa coisa que não é nossa. Nós queremos desconstruir uma cultura. E nossa cultura? Temos que fazer só o que é nosso”, falou. “O que eu vejo é que o jogador joga X e quando vai na seleção joga Y.”

Ausentes não podem ser vilões

Na contramão de muitos, Marcel evitou colocar os jogadores que pediram dispensa da seleção como culpados pela maus resultados na Copa América. Disse que os tempos mudaram e que hoje é preciso compreender os compromissos e burocracias que envolvem atletas que atuam fora do país.

E afirma que se o Brasil tivesse um jeito uniforme de jogar, um grupo de 30 jogadores com potencial de seleção brasileira poderia dar conta do recado em competições de nível internacional.

“Não dá pra falar de quem não foi. Quando se começa a falar de quem não foi, se fala de hipóteses. Já tivemos bons e mal resultados com qualquer time. Na minha época  o objetivo maior do jogador era atuar na seleção. Mas hoje, para o cara jogar na Europa ou NBA, requer um esforço de nove meses. E depois treinar mais dois meses na seleção. Hoje todos os jogadores da NBA, desde o Lebron James até o reserva, têm atividades de publicidade e marketing muito grande. Eles estão fazendo clínica na China, atividades sociais e ganhando dinheiro. E isso acontece com todos eles”, falou.

“Hoje nós temos uns 30 jogadores selecionáveis; sempre foi assim. E alguns hoje estão na NBA. São o que...uns sete jogadores. Não sei quanto custa o seguro, mas não deve ser só US$ 10 mil por jogador. Imagino que seja uma soma considerável para a federação, um puta dinheiro. E se um deles se arrebenta aqui, como é que faz? Não pode se tratar o jogador como mercenário. As coisas mudam. Na minha época era bem diferente, o cara queria servir a seleção. Mas hoje é diferente. Não podemos tratar as coisas desse jeito e falar quem perderam porque os caras não foram. Se tiver basquete com identidade, os que estão lá dão conta do recado. Não pode queimar”, finalizou.