Ingresso para ver novo LeBron custa R$ 10 mil, mas ele ainda joga de graça
Zion Williamson é a maior atração do basquete universitário nos últimos anos. Cotado para ser a primeira escolha no próximo draft da NBA, o jovem de 18 anos é a principal estrela da universidade de Duke e já comparado a LeBron James. O talento é tanto que o ala se tornou um fenômeno econômico para a instituição de ensino e patrocinadores envolvidos. O valor cobrado para ver o garoto em quadra disparou - em um jogo, os ingressos foram vendidos a mais de R$ 10 mil. Só que, até o momento, o jogador é o único que não lucra tanto com o próprio sucesso.
A NCAA não é considerada uma liga profissional e, de acordo com as regras, os atletas não podem receber salários enquanto atuam no esporte universitário. Assim, Williamson tem como recompensa uma bolsa de estudos em Duke. A universidade é uma das mais caras dos EUA e o valor mínimo para estudar por lá gira em torno de US$ 80 mil - incluindo alojamento, alimentação e material didático. Estudantes-atletas ainda têm acesso a equipamentos esportivos dos patrocinadores dos times e infraestrutura profissional para se tornar um jogador da NBA.
Não é uma contra-partida ruim, mas é pouco se você pensar em outras alternativas: atletas do nível de Zion Williamson que decidiram jogar na Europa ao invés do apostar no basquete universitário assinaram contratos superiores a US$ 1 milhão por temporada. O sucesso do garoto em Duke reabriu a discussão sobre pagamento para os jovens durante a graduação, especialmente depois do esperado embate entre a universidade e os rivais históricos de North Carolina, quando até o ex-presidente Barack Obama compareceu ao ginásio para ver o "novo LeBron".
"Zion Williamson parece um jovem excepcional e excelente jogador de basquete. Desejo a ele uma rápida recuperação"
O ingresso mais barato para assistir ao duelo ocorrido no último dia 21 custava 2,9 mil dólares - pouco mais de R$ 10 mil. O valor é tal alto que era possível encontrar entradas para o Super Bowl pelo mesmo valor. Na mesma noite, Williamson se machucou após rasgar o tênis com pouco mais de 1min de jogo, o que derrubou as ações da Nike de maneira espantosa nos EUA.
"Pague os jogadores"
O sistema tradicional, no entanto, tem seus defensores - muitos deles, os próprios atletas. Ex-jogador de basquete e atualmente comentarista dos canais ESPN, Eduardo Agra defendeu a universidade de Kansas State entre 1979 e 1983, se formou em educação física e atuou "de graça", apenas recebendo em troca a bolsa de estudos e toda a estrutura da faculdade.
"Não ganhei nada no basquete universitário, mas me eduquei, consegui um diploma e voltei trabalhando no Brasil com educação física. Eduquei meu filho com a educação que tive lá, inclusive ensinando inglês como segunda língua desde cedo. Isso mudou minha vida e muda a vida de muitos. A porcentagem que vai para a NBA é pequena", ressalta, em conversa com a reportagem do UOL Esporte.
"Sou contra este simplismo de que as universidades ganham muito e os caras nada. As regras são muito claras. Você é um baita talento, pode ir para Duke, se formar e ganhar um dos melhores diplomas dos Estados Unidos. Você não vai passar fome", assegura o comentarista, que viveu sob o sistema predominante nos esportes universitários americanos.
Apesar de apontar a questão acadêmica como prioridade na relação com o esporte, que movimenta quantias milionárias nas grandes universidades, Agra até enxerga com bons olhos uma mudança, desde que surja uma alternativa democrática que não coloque em risco o equilíbrio, tanto entre atletas dos próprios times quanto entre as equipes que disputam o torneio.
"É um sistema que funciona. Como seria o cara reserva de Duke não recebendo nada e o Williamson e o RJ Barrett [estrelas de Duke] ganhando milhões? Aos olhos da NCAA, seria dar um atestado de que o sistema não funciona. Se pagar, quebra o sistema. Talvez eles não ganhem o quanto deveriam por lucrar muito em cima deles. Precisa fazer algo? Talvez sim. Vai pagar todo mundo? Se sim, ok. Tem que ser justo para todos", reforça o ex-atleta da seleção brasileira.
"Lesão de Zion mostra o motivo para a NCAA pagar os jogadores"
Agra trabalhou nas férias
Embora elogie a estrutura da NCAA, Agra precisou se movimentar para ganhar dinheiro nos Estados Unidos. O período de férias era de trabalho para o atual comentarista da ESPN Brasil. Empregos temporários surgem como alternativa para os atletas que até hoje não podem receber dinheiro das universidades e de patrocinadores - caso sejam pegos são passíveis de punição e até exclusão da liga.
"No primeiro verão, para ganhar um dinheiro extra, trabalhei no desmonte de uns galpões do exército. Era das 5h às 14h, durante os três meses; depois, ia treinar. No segundo ano, estive em um campo de golfe, ainda ganhava uma gorjeta dos milionários", relembra.
"Era normal trabalhar nas férias. No terceiro ano e no quarto, conheci uma moça e ia para Nova York. Trabalhei de garçom num restaurante italiano no bairro do Soho, depois ia treinar para manter a forma. Aí ganhei um pouco mais dinheiro. Tive que trabalhar para ter um dinheiro a mais", conta.
Rebelião nos 90'
Não é de hoje que casos assim levantam polêmica no basquete. No início dos anos 90, o time da universidade de Michigan mudou a história do esporte universitário ao demonstrar um talento acima de qualquer expectativa. Formada por Chris Webber, Jalen Rose, Juwan Howard, Jimmy King e Ray Jackson, a equipe ganhou o apelido de Fab Five e mudou o estilo dos jogadores de basquete ao usar cabeças raspadas, calções largos e linguagem das ruas durante as partidas.
O sucesso foi absoluto, assim como as vendas de qualquer produto relacionado aos atletas. O lucro da universidade foi de 1,5 milhões de dólares por ano para mais de 10 milhões. A Nike até mesmo lançou um tênis com o apelido do grupo.
Só que os jogadores, todos nascidos em regiões pobres dos Estados Unidos, não lucraram um centavo sequer devido à regra que impede universitários de receberem salário ou dinheiro de merchandising. O caso é explicado com detalhes no documentário 'Fab Five', da ESPN.
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