Por que os astros da NBA estão depressivos e ansiosos?
O coração de Kevin Love bateu mais rápido durante um tempo técnico. Ele sentiu o ar pesado, problemas para respirar e a boca seca como giz. Tudo em volta girava e o cérebro parecia estar prestes a sair da cabeça. O jogador do Cleveland Cavaliers não conseguiu retornar ao jogo contra o Atlanta Hawks, que aconteceu em novembro de 2017. Horas depois, descobriu que teve um ataque de pânico.
Pouco tempo antes, DeMar DeRozan, então no Toronto Raptors e hoje no San Antonio Spurs, decidiu falar sobre a batalha que travou contra a depressão, até então desconhecida por imprensa, torcedores e até ele mesmo. Os relatos abriram uma discussão sobre a saúde mental de quem joga na NBA.
O tema voltou a ser discutido no início deste mês. O comissário da liga, Adam Silver, demonstrou preocupação com a saúde mental dos jogadores de basquete e falou sobre o aumento do número de astros que sofrem com problemas mentais. Para o dirigente, as redes sociais atuam como combustível para a angústia.
"Acredito que vivemos na 'Era da ansiedade'. Parte disso está diretamente ligada às redes sociais. Acho que esses jogadores que estamos falando, o que percebo quando me encontro com eles, é que são realmente infelizes. Não é um show o que eles estão fazendo... esses jovens são genuinamente infelizes", disse Silver durante participação em uma conferência esportiva em Boston, nos Estados Unidos. "Estão sempre com o fone na cabeça, isolados e com a cabeça baixa".
A atenção da liga com o tema aumentou em 2018. Após os relatos de Love e DeRozan, Silver disponibilizou programas de bem-estar mental em cada escritório da NBA para ajudar as estrelas a gerenciar estresse, ansiedade e outros desafios. "É um passo crítico que também pode encorajar companheiros de equipe e fãs a entender que é um sinal de força, não fraqueza, pedir ajuda", disse o dirigente em um comunicado oficial divulgado antes do início da atual temporada.
A situação gera questionamentos sobre como um astro supostamente realizado pode sofrer crises de ansiedade, pânico ou depressão. Quais são os caminhos que levam um atleta de alto rendimento a um forte desgaste mental?
Rotina, pressão e competição
No caso da liga norte-americana, cada time joga 82 jogos apenas na temporada regular. Quem avança aos playoffs ainda encara mais uma série de partidas decisivas. Tudo isso em aproximadamente um semestre. A rotina, na opinião de quem jogou a competição, é um grande convite para uma deterioração da mente.
"Acho que tem relação com rotina e número de jogos temporada após temporada. Nem todos os jogadores são iguais, mas a rotina pesa. São muitos jogos, concentração, acho que a cabeça de alguns pira. O jogador perde o foco, vai atrapalhando por ter essa rotina", afirma em entrevista ao UOL Esporte o armador Alex Garcia, que defendeu San Antonio Spurs e New Orleans Hornets na metade dos anos 2000 e hoje atua pelo Bauru Basket.
"Muitas vezes você joga, vai para o aeroporto, toma café da manhã, vai para o jogo. Viaja, volta para casa e já tem jogo. Já aconteceu em San Antonio de ficar sete dias fora, quatro jogos na semana. Acho que a rotina é forte", conta.
Alex também acredita que a competição entre os próprios atletas favorece para um ambiente ainda mais isolado. "A competição entre as estrelas existe. Os salários dos grandes jogadores são parecidos, o que manda é mostrar quem é melhor, independentemente da posição. O Anthony Davis recentemente disse que é um dos melhores da NBA, o LeBron não fala abertamente, mas demonstra ser. Todo mundo quer ser o melhor. A rivalidade entre as estrelas deixa esse um contra um mais difícil", aponta.
Além dos pontos destacados por Alex, especialistas acreditam que a pressão pode destruir a qualidade de vida de um atleta. De acordo com o doutor em psicossociologia do esporte da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Paulista de Psicologia do Esporte, João Ricardo Cozac, é normal encontrar esportistas com distúrbios relacionados às duras cobranças.
"Onde há pressão por resultados, e algumas equipes não contam com suporte psicológico adequado, encontramos casos de atletas com depressão, síndrome do pânico. Quando a base emocional do atleta está abalada e ele é exposto a eventos estressores, como pressão da mídia e torcida, o estado de ansiedade em uma base depressiva gera distúrbios de pânico", analisa.
Existe super-herói?
O tratamento dado aos atletas pela mídia e torcida também pode fazer com que haja uma espécie de descolamento da realidade. Para o doutor em psicologia do esporte pela Universidade McGill (CAN), William Falcão, os jogadores da NBA são vistos como super-heróis, que não sentem as mesmas coisas que as demais pessoas, e isso é prejudicial. O ideal é que todos sejam vistos como iguais para só assim serem compreendidos.
"É difícil discutir depressão separadamente. Como atleta de alto nível, vemos eles como super-heróis, pessoas que têm tudo vivendo o sonho de todo mundo. Isso não dá a eles o direito de sentirem as dificuldades que os outros têm. Temos que desmistificar, os profissionais são as mesmas pessoas do dia a dia, têm os mesmos problemas emocionais, de família, no trabalho. Acho que o primeiro exercício é desmistificar o atleta como herói", destaca.
Autoestima abalada
Outro ponto que pode explicar o aumento dos casos envolvendo saúde mental na NBA tem relação com o tempo dedicado a apenas uma atividade. Antes de atuar na principal liga de basquete do mundo, um jogador se dedica anos ao mesmo esporte, o que aumenta a identificação dele com a profissão. Assim, a pressão por performance se intensifica.
"Gosto de avaliar o processo que levou o atleta até lá para entender a perspectiva dele. Qual foi o custo para ele chegar lá, as horas que ele dedicou. Isso coloca pressão sobre a pessoa porque ela só sabe fazer isso. Eu tenho trabalho e jogo no fim de semana. Se eu tiver problemas no trabalho, tenho outras áreas para equilibrar. Com elas, como existe só uma atividade, é mais fácil atingir a autoestima. Não é só pressão dos fãs, mas deles também", aponta Falcão.
Técnicos também são responsáveis?
O método de treinamento adotado ao longo da carreira e o ambiente de trabalho podem ter influência direta no quadro clínico de um jogador da NBA. Hoje pós-doutorando na Universidade de Laval (CAN), William Falcão é treinador de treinadores e busca implantar uma mentalidade de compreensão entre técnicos e atletas para um desenvolvimento mútuo. Assim, abordagens mais duras e baseadas no medo e cobrança podem atrapalhar o crescimento profissional e trazer consequências psicológicas.
"O ideal é que o técnico saiba lidar com cada indivíduo. Muitos treinadores usam o medo para treinar. O que vemos é que essa relação não existe. Se fizer uma avaliação dos técnicos mais bem-sucedidos, são técnicos que usam estratégias mais colaborativas. Ao invés de ter um atleta que obedeça, ele tem um que entenda. O treinamento de treinadores tem seguido a linha de focar na compreensão e colaboração", conta.
O exemplo dado por Falcão vai ao encontro da metodologia adotada por Phil Jackson, ex-treinador e dono de 11 títulos da NBA. O ex-comandante, que marcou época no Chicago Bulls e Los Angeles Lakers, dificilmente pedia tempos técnicos nos primeiros minutos de uma partida. A ideia era deixar que os jogadores descobrissem sozinhos a melhor forma de responder às adversidades e aprendessem com cada situação.
"Quando falamos em objetivo, qual é a meta? Quando você fala de técnicos como Gregg Popovich (técnico do San Antonio Spurts), Dwane Casey (melhor treinador da última temporada da NBA), o que eles querem? A vitória ou o ganho que o atleta vai ter com aquela experiência?", questiona Falcão.
Sofrimento em silêncio
A falta de espaço para falar sobre distúrbios mentais no esporte também pode ter influência. Os casos só vieram à tona recentemente e os jogadores que decidiram dividir as experiências com ansiedade e depressão, como Kevin Love e DeRozan, destacaram a dificuldade em conversar sobre o tema.
"Eu nunca me senti confortável para falar sobre mim. Eu achava que saúde mental era problema das outras pessoas. Eu descobri que precisava mudar isso", comentou Love na época em que decidiu falar sobre o ataque de pânico que sofreu.
Tanto especialistas quanto jogadores acreditam que todo e qualquer desconforto deve ser comunicado de imediato e sem medo do que as pessoas podem achar.
"Procurar um profissional no início é fundamental para não chegar ao ponto de o rendimento cair e para o cara não fazer besteira por isso. Às vezes a depressão vem, as pessoas fazem coisas estranhas. Se procurar alguém no começo é fundamental para matar o mal pela raiz", diz Alex Garcia.
Já William Falcão questiona se as pessoas estão mais depressivas ou se estão mais conscientes do que sentem diariamente, o que aumenta a necessidade de uma comunicação direta.
"Talvez, as pessoas já sentiam essas mesmas coisas, mas não falavam sobre o problema. É interessante uma liga como a NBA, com impacto que tem, falar sobre esse problema de forma aberta".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.