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Protestos em Ferguson refletem no esporte e criam tensão racial no beisebol

Torcedores do Cardinals e manifestantes discutem perto do estádio em St. Louis - SCOTT OLSON/AFP
Torcedores do Cardinals e manifestantes discutem perto do estádio em St. Louis Imagem: SCOTT OLSON/AFP

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

16/10/2014 06h00

Os dois meses de manifestações por igualdade racial em Ferguson, uma cidade de 20 mil habitantes do estado americano do Missouri, estão amplamente documentados em imagens. Entre elas, há a foto de um boné sobre o caixão de Michael Brown, o boné que ele, um adolescente negro e desarmado, usava no momento em que foi morto a tiros por um policial branco, no dia 9 de agosto. Trata-se de um boné do St. Louis Cardinals, o time de beisebol da região.

Os protestos que começaram depois da morte do garoto expuseram a latente tensão racial em uma cidade onde a maioria negra vive em casas piores que as dos brancos, têm os piores empregos (quando têm empregos) e as piores condições de vida. E na semana passada, os protestos chegaram ao esporte local.

Um grupo de manifestantes, a maioria negros, resolveu se reunir na frente do estádio de St. Louis antes de um jogo do Cardinals – Ferguson fica na região metropolitana de St. Louis, a maior cidade do Missouri. Eles gritavam as palavras de ordem que vêm gritando há dois meses, palavras que lembram a morte de Brown e a opressão que dizem sofrer por parte da polícia e do Estado. Os torcedores do Cardinals, a maioria brancos, se enfureceram.

Uma gravação do encontro entre os dois grupos mostra um torcedor branco dizendo que os manifestantes deveriam “ir procurar emprego”. Outros começaram a gritar provocativamente o nome de Darren Wilson, o policial que atirou em Michael Brown – a condenação de Wilson é uma das pautas dos manifestantes.

Uma garota branca diz em determinado momento, evocando o passado escravocrata dos Estados Unidos: “Fomos nós que demos a vocês a liberdade que vocês têm hoje.”

Durante longos minutos, negros e branco são vistos trocando insultos e ameaças abertamente, como se um ódio há muito tempo represado fosse de repente dado à luz.

“Raça define muitas coisas em St. Louis”, escreveu o ativista branco Ted Lewis, que nasceu na cidade, para o “Huffington Post”. Ele explica que durante muito tempo a cidade esteve dividida por uma cerca simbólica que a cruzava de leste a oeste, separando os espaços onde negros e brancos deveriam estar.

O esporte ajudou a diminuir essa cerca invisível, embora não a tenha derrubado completamente. Quando Lou Brock, um jogador negro que viraria um herói do Cardinals, se mudou para a St. Louis, em 1964, a cidade começaria a viver uma experiência nova de integração racial graças ao beisebol.

O sucesso de Brock em campo se refletiria fora dele. Nessa época, o clube patrocinava uma festa anual muito popular para reunir em torno de Brock todos os seus fãs, negros e brancos. O atleta e seus colegas fariam questão de matricular seus filhos em escolas integradas e levar suas famílias a eventos sociais que uniam negros e brancos. Isso hoje parece banal, mas não era em 1964 – naquele mesmo ano, a organização racista Ku Klux Klan assassinaria três jovens negros no estado do Mississippi.

Os habitantes da cidade olhavam para o time e viam ali um exemplo do que poderia ser a sociedade americana no futuro.

Boné do St. Louis Cardinals sobre o caixão de Michael Brown, o boné que ele usava no dia de sua morte - Richard Perry/AFP - Richard Perry/AFP
Imagem: Richard Perry/AFP

Os anos de 1960 viram dezenas de cidades grandes e bastante segregadas explodirem em manifestações por igualdade racial, algumas muito violentas. Muitos acadêmicos americanos se perguntam por que St. Louis nunca teve protestos desse tipo. “Alguns acreditam que o beisebol estreitou os laços na cidade, e que o papel daqueles jogadores afro-americanos no sucesso do Cardinals ajudou a trazer paz a St. Louis”, escreveu Ted Lewis.

É por causa desse passado de tolerância da equipe que alguns analistas veem no beisebol um agente que pode ajudar a cidade a se pacificar. “O Cardinals pode unir a cidade como nenhuma outra instituição é capaz”, escreveu o jornalista Larry Borowsky, no “Guardian”.

Por enquanto a reação da diretoria ao que acontece ao redor tem sido tímida. Logo depois da morte de Brown, uma nota oficial foi lida nos alto-falantes do estádio lamentando a situação turbulenta em Ferguson.

Outubro vermelho

Outubro, que tradicionalmente é o mês em que os habitantes de St. Louis se vestem de vermelho e festejam a participação da equipe nos playoffs do campeonato, está sendo o período do acirramento dos protestos. Os manifestantes têm assumido a tática da desobediência civil para forçar as próprias prisões e pressionar o poder público pela condenação do policial que matou Brown.

Na última segunda-feira, alguns manifestantes conseguiram entrar no estádio do Rams, a franquia de futebol americano da cidade. Eles estenderam uma faixa em se que lia “A torcida do Rams sabe que os negros são importantes dentro e fora do campo”, uma referência à frase que virou o grande mote dos protestos: “A vida dos negros é importante”.

Dizem ter ouvido de torcedores brancos, como resposta, a imitação de macacos, o insulto racista preferido nas arenas esportivas ao redor do mundo. Tory Russel, um ativista que esteve nos protestos desde o início, disse o seguinte sobre o objetivo da ação no estádio: “O que nós estávamos dizendo era: 'Sem justiça, sem paz!' Você não pode continuar sua vida normalmente enquanto a justiça não é feita. Estamos lutando em toda a cidade, isso não é um jogo para nós.”

***

Desde a morte de Michael Brown, uma série de incidentes com armas de fogo vêm opondo policiais e manifestantes. Eles são consequências e catalisadores dos protestos em Ferguson e St. Louis desde então.

Linha do tempo dos incidentes:

9 de agosto. Atendendo a um chamado de roubo a uma loja de conveniência, o policial Darren Wilson encontra perto do local Michael Brown e um amigo. Ele atira pelo menos seis vezes e o mata na hora. Mais tarde, a polícia revelaria que Brown estava desarmado.

10 de agosto. Uma vigília noturna pela morte do estudante se torna violenta. Lojas são saqueadas, e manifestações tomam conta da cidade. Mais de 30 pessoas são presas. Os protestos se tornarão ainda maiores nos próximos dias.

13 de agosto. Outro policial atira em um manifestante armado durante um protesto. Ele fica gravemente ferido, mas não morre.

19 de agosto. Dois manifestantes são feridos a tiros por policiais durante mais uma manifestação em que foram usados coquetéis molotovs, bombas de efeito moral e gás de pimenta. Mais de 30 pessoas são presas.

8 de outubro. Um policial que estava de folga atira e mata Vonderrit D. Myers, outor jovem negro de 18 anos, em St. Louis. De acordo com a polícia, a vítima estava armada e atirou contra o policial. Os protestos se acirrariam ainda mais depois dessa morte.