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No Brasil, guru das lutas de Pacquiao crê em duelo com Mayweather este ano

Maurício Dehò

Em São Paulo

22/04/2010 07h00

A profissão de matchmaker não é das mais glamorosas do boxe. Os lutadores estão no centro do ringue, os treinadores aparecem a cada intervalo e os empresários são vistos como os polêmicos magos do dinheiro. Mas os “gurus das lutas” atuam nas sombras, dirigindo a carreira de lutadores, escolhendo rivais e mostrando caminhos para um garoto virar campeão.

  • Maurício Dehò/UOL Esporte

    De férias no Brasil, Brad Goodman, matchmaker da Top Rank, assiste à luta do profissional Patrick Teixeira no ginásio Baby Barione, em São Paulo

Nesse cenário quase undergound, poucos são tão importantes "acertadores de lutas" quanto o norte-americano Brad Goodman. Entre seus pupilos, nomes como Oscar de la Hoya e, mais recentemente, Floyd Mayweather Jr. e Manny Pacquiao saltam aos olhos. Em passagem pelo Brasil, de férias - mas sem deixar o trabalho de lado: ele observou alguns pugilistas da terra do tetracampeão mundial Popó, de quem é fã -, o matchmaker explicou a profissão e falou sobre o aguardado duelo entre Mayweather e Pacquiao. Para ele, o encontro dos dois é iminente.

Goodman é empregado da Top Rank, empresa promotora de Pacquiao e uma das maiores do ramo. Seu trabalho é de cunho estratégico. Resumidamente, a função é cuidar de tudo o que acontecerá dentro do ringue. O empresário fica responsável pela parte monetária, como a divisão das bolsas. Mas é um profissional como Goodman que escolhe o rival certo para um lutador, considerando o momento da carreira de cada um. Ele também ajuda a encontrar novos talentos: atletas de potencial, com imagem atraente, futuros astros que garantam arquibancadas lotadas e audiência alta pela televisão, principalmente na venda de pay-per-views.

Hoje, ele é o número 2 da Top Rank. Seu chefe é Bruce Trampler, integrante do Hall da Fama do Boxe pelo trabalho de matchmaker, mas é o próprio Goodman quem coloca a mão na massa para definir as programações dos lutadores, como no caso do filipino, recordista do boxe com sete títulos em sete categorias diferentes. Em entrevista ao UOL Esporte, ele lembrou a construção do astro Oscar de la Hoya e discutiu o que o Golden Boy trouxe ao boxe. Criticou ainda o alto número de entidades com títulos mundiais e deu dicas para os brasileiros voltarem a ter um detentor de cinturão:

'NÍVEL DE HALL DA FAMA'

Brad Goodman é um dos melhores matchmakers da história do boxe e deve ir para o Hall da Fama do Boxe, sem dúvidas. Goodman teve um papel fundamental no desenvolvimento de nomes como Oscar De La Hoya, Eric Morales, Floyd Mayweather, e Kelly Pavlik, além de planejar algumas das lutas mais excitantes do boxe

Matt Goldstein, redator do site especializado Boxingtalk, dos EUA

UOL Esporte - Brad, explique, por favor, o que é ser um matchmaker.
Brad Goodman:
Matchmaking consiste em colocar dois caras para lutarem em um ringue, ou fazer uma programação com várias lutas, dependendo do que você tem. Se tem lutadores com contrato de promoção, você irá protegê-los e construí-los até o ponto em que eles possam disputar um cinturão mundial. Este é o objetivo, além de fazer o máximo possível de dinheiro com eles.

Parece um trabalho de estratégia. O que é importante para se ter sucesso?
Não basta ter um cara que luta bem. O lutador tem de ter uma boa imagem. Têm alguns que têm carisma, mas não têm habilidade. Pacquiao, por sorte, tem o pacote completo. Ele é um bom cara e vende muitos ingressos e pay-per-views, apesar de ser filipino. É como os Beatles foram nos Estados Unidos.

Mas como é a escolha de rivais? Por que muitas vezes os pugilistas começam com oponentes muito fracos, inexpressivos?
Quando temos revelações para construir desde o início, não podemos ser agressivos na escolha de rivais. Vamos lentamente fazendo o lutador amadurecer para que possamos ter confiança no sentido de que ele possa chegar ao nível que esperamos. Não podemos forçar desde o início, é um trabalho de proteção, que precisa ser feito de forma inteligente.

Pelo que acontece na Top Rank, você acha que Pacquiao enfrentará Mayweather?
Quando há dois caras tão grandes para o boxe, o acerto é realmente muito difícil. Mas, no fim, há tanto dinheiro envolvido e tantas pessoas querendo ver a luta que eventualmente ela vai acontecer, provavelmente no fim deste ano. Em casos assim os egos têm um papel importante, mas acho que é inevitável acontecer. Será enorme, acho que quebrará todos os recordes de pay-per-view e se tornará o maior combate de todos os tempos.

DE ALI A PACQUIAO

  • Fundada por Bob Arum, apelidado de O Poderoso Chefão, a Top Rank ficou conhecida por suas primeiras lutas com Muhammad Ali, em 1966, e trabalhou com inúmeras estrelas como George Foreman, Joe Frazier e Sugar Ray Leonard. Nos anos 1990, teve como trunfo investir em Oscar de la Hoya, campeão olímpico amador. O campeão, no entanto, virou concorrente ao fundar a Golden Boy Promotions e entrar no polêmico ramo das promoções.

  • 9.000

    LUTAS

    Já fez a empresa de Bob Arum, em mais de 1.500 programações

  • 12

    CAMPEÕES MUNDIAIS

    Tem contrato com a Top Rank, segundo estatística de seu site

  • 183

    LUTAS POR TÍTULO

    Ao menos, fez a empresa desde 1986, só no estado de Nevada, onde fica a tradicional Las Vegas

Mas e o fato de Pacquiao concorrer às eleições nas Filipinas?
Seria sensacional se ele fosse um congressista nas Filipinas, não duvido nada disso. Ele é um astro por lá. Mas pelo que foi conversado, ele luta no fim do ano, perca ou vença a eleição. As possibilidades de enfrentar Mayweather são muito grandes. Sei da parte de Pacquiao: ele quer o combate.

Como você começou como matchmaker?
Eu comecei no boxe quando tinha 15 anos, por pessoas em comum que conheciam Bob Arum, dono da Top Rank, que já tinha trabalhado com nomes como Muhammad Ali. Comecei como qualquer um, era como um office-boy, fazia o que eles pediam, qualquer coisa que fosse preciso. Mas meu sonho sempre foi ser um matchmaker. Nunca quis ser empresário ou qualquer coisa assim, lembro que desde novo eu sempre ficava no escritório do matchmaker para saber quem ia lutar, com quem e quando.

A maior cria da Top Rank, já com você trabalhando na empresa, foi Oscar de la Hoya. Como foi isso?
Oscar é o maior cara com quem lidamos. Ele começou como amador e nós passamos a promovê-lo desde o primeiro dia em que se tornou profissional (após o ouro em Los Angeles-1982). Nós fizemos umas 30 lutas e então ele chegou a um momento em que seu contrato expirou e ele resolveu ir por seu próprio caminho, fazendo sua própria promoção.

O que ele representou para o boxe nos EUA? Foi ele que abriu caminho para categorias mais leves e lutadores como Mayweather e Pacquiao?
Com certeza. Ele foi um superstar, lutou com os melhores e venceu. Nos anos 70 e 80 os pesados realmente dominaram, tinham grandes lutadores. Mas depois, com o Tyson tendo seus problemas e começando a se afastar, Oscar surgiu como estrela. Ele era como ar fresco e conseguiu mudar o boxe. Foi um fenômeno, um grande lutador e é um grande homem de negócios com a Golden Boy Promotions.

Além de escolher rivais para os lutadores, na Top Rank vocês revelam talentos...
Eu acho que a Top Rank, como um todo, é a melhor promotora do mundo, porque somos conhecidos por formar lutadores do início, desde suas primeiras lutas até eles poderem lutar por títulos. Foi o que fizemos com Oscar e Floyd Mayweather. É preciso ter um olho bom para ver o potencial, e não demora para perceber quem pode ser um grande lutador. Um caso diferente é o de Pacquiao, que já era uma atração quando o contratamos.

A CRIA: DE LA HOYA, O GAROTO DE OURO

  • Reuters

    Oscar de la Hoya, norte-americano de origem mexicana, foi uma das grandes estrelas da década de 1990, criado pela Top Rank, abrindo caminho para as categorias mais leves, como a dos meio-médios, hoje de Mayweather e Pacquiao

Quantas lutas você assiste por semana?
Não sei precisar. Antes eu era um viciado. Podia trabalhar das 9h às 17, ir para casa e assistir a mais vídeos. Hoje não tenho mais esse tempo. Mas não significa que não viaje, como nesta passagem pelo Brasil, em que vim ver lutadores como Patrick Teixeira (da International Boxing Group, do empresário Eduardo Mello), que tem muita habilidade. Esperamos poder fazer algo com eles.

O que o Brasil precisa fazer para voltar a ter um campeão?
Precisa ter programações como esta no Baby Barione (N.R.: a entrevista foi numa terça-feira de combates no ginásio de São Paulo, sede de torneios como a Forja de Campeões). Fazendo programações locais com novos talentos o Brasil pode ter um grande futuro. Fiquei impressionado com quem vi, como Patrick, Carmelito de Jesus, William Silva e Josenílson dos Santos.

Você conhece o boxe brasileiro?
Eu era um grande fã de Popó e de Maguila, e trabalhei com o Xuxa (Edson Nascimento) no começo dos anos 2.000. Popó conseguiu realmente ser um grande do boxe, ele era um superstar.

Como você avalia o boxe atual, que sofre a concorrência de eventos como o UFC?
Como um todo, o boxe pode ser muito maior. Acho que há certas coisas que prejudicam, como a luta entre Pacquiao e Mayweather ainda não ter acontecido. Se tivermos mais grandes lutas, isso vai ajudar o boxe, mas as coisas dependem do dinheiro e os promotores precisam achar um ponto em comum.

O grande número de entidades com campeões mundiais é um problema sério?
Hoje qualquer um pode chegar ao título do mundo. É como Mayweather diz, “cinturões não significam nada, eles só acumulam poeira”. É ridículo, se tivéssemos um órgão e um campeão mundial para cada divisão, isso ajudaria o boxe.

Você crê que isso pode ocorrer?
Não vejo isso acontecendo num futuro próximo...