Noite de boxe em SP vai de estreia suntuosa a 'ressurreição' sob ponte
De um lado Michael Oliveira, um brasileiro criado em Miami e forjado por seletos profissionais em busca de um título mundial de boxe. Do outro, Fábio Garrido, que bate em pneus e demoliu casas para aprender a nobre arte, esporte que já o levou a um coma. Michael e Fábio não estarão nos corneres opostos de um mesmo ringue; eles apresentam duas realidades muito diferentes que lutarão atrás de um mesmo objetivo: os badalados cinturões e a glória em suas categorias.
MICHAEL: EU QUERO AJUDAR OS NOVOS TALENTOS
Sim, eu venho de um país de 1º mundo, treino com toda a tecnologia, mas acho que temos lutadores de qualidade aqui que só precisam de um empurrão para ter sucesso
Neste dia 20 de novembro, sábado – apenas dois dias após o 50º aniversário do 1º título mundial brasileiro, de Eder Jofre -, a zona Oeste recebe Michael em um evento suntuoso. A casa de shows e eventos Espaço das Américas será palco de sua estreia em território brasileiro, com uma estrutura que promete se aproximar dos espetáculos dos EUA. Já na zona Leste, num projeto social situado sob um viaduto, o veterano Fábio faz a terceira luta desde que voltou de uma aposentadoria forçada por um problema no ringue, num caso em que arriscou a vida (leia mais abaixo).
Os dois combates mostram que apesar da clara diferença de classes – a alta de Michael, e a humilde de Fábio – o boxe é democrático a ponto de poder transformar as duas realidades em uma só, a do lutador que tem como única missão ir em busca do nocaute.
No caso de Michael, a luta contra o dominicano Junior Ramos (10-5) tem como intenção ser uma apresentação luxuosa aos brasileiros. Hoje com 20 anos e invicto em 12 combates (dez nocautes), Michael se mudou apenas aos 15 dias de vida para os EUA. Com o avô, o “ex-gordinho” conheceu o boxe e além de perder o excesso de peso tomou gosto pela competição.
A particularidade é que os pais de Michael apoiaram a ideia e, mais do que isso, investiram nela. Foi dos bolsos deles que o garoto iniciou a carreira, com direito a técnico de ponta, nutricionista, fisioterapeuta e o que mais precisasse.
O empurrão final foi com a escolha de vir ao Brasil. “É importante, porque além de ser brasileiro e representar o Brasil, eu posso lutar em casa e mostrar às pessoas que não estou aqui só pelo boxe e para fazer um trabalho. Quero representá-los, estou aqui para isso”, diz ele, que deve contar com convidados famosos na plateia, como atletas e atores, entre outros.
Os ingressos vão de R$ 30 a R$ 200 para quem preferir a área VIP, que dá direito até a coquetel pós-combate. Espera-se contar com até 3 mil pessoas.
Filho de Nilson Garrido (f), que tem um projeto que ensina boxe sob viadutos, Fabio segue carreira nos ringues, aos 31 anos, com 22 vitórias e uma derrota
Mas o evento só foi possível pela parceria com a televisão. O canal SporTV – das empresas Globo -, não acostumado a transmitir brasileiros do boxe profissional nos últimos anos, anuncia a transmissão do evento e inclusive realizou diversas matérias para começar a promover a imagem do brasileiro, ainda pouco conhecido do grande público.
É um investimento parecido com o que a Rede Globo fez com Acelino Freitas, o Popó, e com o que Rede Bandeirantes fez com Maguila na década de 1980, criando ídolos de boxe e apresentando-os nas TVs, diretamente nas salas dos brasileiros.
Segundo Carlos Oliveira, pai e empresário do lutador, o contrato com o SporTV é para quatro combates no Brasil, sendo que a intenção é levar Michael para lutar no Rio de Janeiro no seu próximo compromisso fora dos Estados Unidos.
“O que acontece - e sem querer desmerecer ninguém – é que o Michael tem uma máquina, uma equipe que investe nele. Se o Popó tivesse a infraestrutura que o Michael tem, teria faturado cem vezes mais do que ganhou”, diz o empresário.
Do boxe ao coma. E de volta ao boxe
Fabio Garrido viveu uma das histórias mais impressionantes do boxe nacional. Na luta contra Mario Soares, o Marinho, em 2004, ele foi nocauteado e, depois de cair na lona e bater a cabeça com força no tablado, foi parar em coma.
Após coma e morte de amigo, Fabio Garrido assume risco: 'só morre quem está vivo'
Fabio Garrido já ouviu comentário de que é loucura retornar ao boxe. Mas assume o risco. Após entrar em coma e desafiar a morte na derrota para Marinho, em 2004, ele reassumiu a carreira. Mesmo com a morte recente do amigo Jefferson Gonçalo, em uma luta realizada em Salto, há pouco mais de um mês, ele segue com o objetivo de ser campeão.
"Eu não passo por isso não", confia Fabio. "Eu o conheci, tinha amizade e até levei lutador nosso para lugar com ele. Mas (Jefferson) fez lutas muito próximas e muito pesadas, recebeu muita pancada e é esse o perigo".
Ele afirma que passou por exames para poder voltar. "Eu fui no médico, diz todos os exames: ressonância, eletrocardiograma... O médico acompanhou por três meses até decidir liberar. Viu que não tinha jeito, que eu queria lutar (risos)", disse o lutador de 31 anos.
Considerada improvável, a recuperação do meio-pesado foi total, depois de passar inclusive por cirurgia no cérebro para se safar. O episódio também ficou famoso na televisão: Marinho quase agrediu o jornalista Jorge Kajuru, na época na TV Bandeirantes, em uma entrevista ao vivo com o pugilista sobre o ocorrido.
Apesar de ter subido ao ringue após isso, foi só em julho deste ano que ele realmente retomou a carreira, mais uma vez contando com o apoio de amigos e doadores dos projetos sociais comandados por seu pai. Nilson Garrido ficou famoso por levar o boxe para debaixo de viadutos, dando aulas de graça. O primeiro foi na Bela Vista, região central de São Paulo, célebre pelo material sucateado usado nos treinos, como os pneus de caminhão e uma geladeira como saco de pancada.
O duelo deste sábado é em mais um destes projetos, em um ringue montado na sede situada sob o viaduto Alcântara Machado, na zona Leste paulistana. Tudo, como sempre, no improviso.
"A gente tem que estender o chapéu. A federação já está pressionando, o dinheiro tem que 'tá' na mão... Mas estamos fazendo os acontecimentos e vai dar certo. Quem ajuda é Deus e alguns colaboradores, sempre o pessoal que conhecemos com o projeto. Eles colaboram porque sabem que é uma ação social bacana", explica Nilson Garrido, sobre "as correrias" que tem de fazer para conseguir montar sua programação e colocar os garotos dentro do ringue.
O objetivo de Fábio (22 vitórias e uma derrota), é claro, continua sendo ter um título mundial – especialmente se vencê-lo sob um dos viadutos de que cuida com o pai. Ele enfrenta o colombiano Brinatty Maquilon (15 vitórias, 27 derrotas, três empates).
"Hoje eu tenho ficado no projeto, mas cansei de tentar ser técnico. Eu fico muito nervoso no corner, estressado quando a molecada não obedece, gosto de subir no ringue, embaixo não é o meu lugar", diz o lutador. Quero chegar a um patamar mais alto, lutar fora, conseguir títulos mundiais...".
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