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Campeã mundial de boxe, brasileira deixa loja de sapatos e volta a treinar

Campeã mundial em 2010, Roseli Feitosa foi flagrada em exame antidoping no Brasileiro de boxe de 2013 - AFP PHOTO / Jack GUEZ
Campeã mundial em 2010, Roseli Feitosa foi flagrada em exame antidoping no Brasileiro de boxe de 2013 Imagem: AFP PHOTO / Jack GUEZ

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

15/01/2014 11h39

Um mês depois da admissão, uma loja de sapatos na rua Oscar Freire, tradicional reduto de marcas de luxo em São Paulo, perdeu uma vendedora. E Roseli Feitosa, 24, ganhou um novo sonho. Campeã mundial de boxe amador em 2010, a paulistana foi flagrada em exame antidoping no ano passado e recebeu pena de um ano longe dos ringues. Viveu um período de reclusão até decidir enviar currículos e trabalhar fora do esporte. Foi assim que ela trocou luvas e socos por calçados femininos e muita lábia. Depois de um curto período como funcionária da empresa Schutz, porém, a lutadora resolveu largar tudo e até fazer alguns sacrifícios. Tudo para voltar ao esporte e iniciar uma preparação voltada aos Jogos Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro.

“Esse período serviu para eu descobrir que o boxe é realmente a minha paixão. Não consigo fazer nada além disso”, relatou Roseli. “Eu acredito na chance de ir aos Jogos Olímpicos. Acredito muito. Sonho muito. Assim como eu fui desacreditada para o Mundial de 2010 e voltei com o título, acho que estar em 2016 é uma coisa possível. Claro que eu terei de superar muitas coisas, como adversárias muito boas, mas eu vou lutar”, completou a boxeadora.

A trajetória de Roseli é tão acidentada que é até difícil admitir que a lutadora tem apenas 24 anos. Ela foi campeã mundial em 2010, em Barbados. No ano seguinte, obteve uma medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara. E mesmo com o lugar no pódio, brigou publicamente com o técnico Claudio Aires.

O desentendimento reforçou uma ideia que Roseli já vinha alimentando. Em 2012, ano em que foi aos Jogos Olímpicos e perdeu na primeira luta, a boxeadora resolveu que era hora de deixar os ringues. Um sentimento que começou com a morte do irmão dela, Rodrigo, que tinha apenas 19 anos quando sofreu um acidente fatal de motocicleta. “Eu era muito apegada ao meu irmão. Isso está servindo para eu ter mais força. Este ano será meu último”, declarou a lutadora na época ao jornal “Lance!”.

Mas Roseli não parou. Apesar de ter sido barrada da seleção brasileira no início de 2013, a boxeadora continuou lutando até o Campeonato Brasileiro da modalidade, realizado em julho, em Campo Grande (MS).

O torneio nacional foi o primeiro em que a CBBoxe (Confederação Brasileira de Boxe) realizou exames antidoping. A entidade submeteu 20 atletas aos testes (dez do masculino e dez do feminino), e três mulheres foram flagradas: Rosilaine Volante, Sara Andrade e a própria Roseli.

“A questão do doping é responsabilidade do atleta ou de quem estiver envolvido. Nesse caso, foram elas. Em nenhum momento as meninas disseram que foram coagidas ou que alguém pediu para elas fazerem isso. A Roseli teve direito de defesa, recorreu, mas foi punida por um ano. Nós temos de cumprir com rigor”, disse Mauro José da Silva, presidente da CBBoxe.

O episódio do doping

Mais uma vez, a carreira de Roseli no boxe foi colocada em xeque. A boxeadora perdeu o direito de receber a Bolsa Atleta (ela ganhava R$ 3,1 mil, teto do benefício) e tinha patrocínio da prefeitura de São José dos Campos. O aporte foi retirado após a confirmação do doping.

“Quando um atleta recebe esse tipo de punição, a confederação não tem como ajudar. O atleta fica proibido de treinar em qualquer local. Ele fica proibido da prática esportiva. Ela é uma atleta de nível internacional, mas não tínhamos muito o que fazer”, ponderou Mauro José da Silva.

O doping foi confirmado em setembro de 2013. Roseli tinha usado sibutramina e um diurético, ambos com intenção de perder peso. Ela precisava reduzir 800 gramas para chegar ao limite da categoria (75 kg).

“Eu nunca tinha precisado tomar nada. Sempre treinei duro e sempre me dediquei bastante, mas os resultados estavam muito ruins. Eu estava com um problema no joelho, e aquela era uma das semanas mais frias do ano. O diurético era a forma mais rápida de perder peso. Cheguei a fazer três lutas na competição, estava desgastada, e perder peso é muito cansativo. Procurei uma forma mais fácil”, admitiu Roseli.

Segundo a boxeadora, as duas substâncias que apareceram no exame antidoping foram tomadas por motivos diferentes: “Eu tomei a sibutramina porque não sabia que isso seria pego. Pelo que eu pesquisei, era algo liberado pela Anvisa no Brasil. Tomei algum tempo antes e não imaginei que haveria problema. Já o diurético foi desespero”.

Dos ringues à loja de calçados

Roseli foi notificada sobre o doping em setembro do ano passado. Recebeu punição de um ano da CBBoxe, mas recorreu ao STJD da entidade. Em dezembro, porém, ela buscou outro caminho e encontrou um emprego como vendedora na Schutz, loja especializada em bolsas e calçados.

“Eu fiquei sem receber desde a metade do ano passado. Consegui me manter com o que eu tinha, mas as coisas foram ficando apertadas. Em dezembro eu precisei encontrar esse emprego”, disse Roseli. Ela já havia recebido parcelas adiantadas da Bolsa Atleta e precisou devolver o dinheiro.

No início de janeiro, a história de Roseli foi relatada pelo blog “Olimpílulas”, do jornal “O Estado de S. Paulo”. Só então a situação da boxeadora chegou a pessoas conhecidas, como o técnico dela, Tony Gomes.

“Eu já sabia que a matéria ia sair e comecei a avisar para algumas pessoas. Muita gente perguntava por que eu tinha saído do boxe e com o que eu estava trabalhando. Meu técnico ficou sabendo e resolveu me ajudar. Ele correu atrás de academias, e eu devo começar a dar aulas no próximo mês”, explicou a boxeadora.

O distanciamento entre Roseli e o técnico reflete traços importantes da personalidade da atleta. Ela teve episódios de depressão em outros momentos da vida, e o caso do doping fez com que a boxeadora adotasse um período de reclusão: “Ninguém sabia de mim. Foram saber quando eu comecei a trabalhar”.

De volta aos ringues

A Roseli vendedora, contudo, durou pouco mais de um mês. Depois da reportagem e da reação de Tony Gomes, a boxeadora resolveu abandonar o trabalho com calçados e bolsas. Desde a semana passada, ela retomou os treinos em duas sessões diárias. E mais importante: retomou os sonhos.

“Olha, eu acho que em dois meses eu consigo estar bem. Lá para março, mais ou menos. Tenho um problema de peso, também. Engordei bastante e cheguei a 85 kg, dez quilos a mais do que o peso em que eu luto. Mas eu já estou treinando com muita força, e quando a punição acabar eu espero voltar com tudo”, afirmou a atleta.

Até o momento, Roseli não encontrou fonte de receita que substitua o que ela ganhava como vendedora. Isso exigiu um sacrifício de Antonio, marido dela, com quem a boxeadora está há oito anos.

“Ele é mestre de muay thai e antes só dava aulas à noite. Nesse período, ele arrumou outro emprego como motorista particular de manhã e à tarde. Ele tem me ajudado muito, como foi no meu começo no boxe, quando eu fiquei quase dois anos sem ganhar dinheiro”, relatou Roseli. Ela e o marido vivem numa casa alugada em Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo.

A expectativa de Roseli é começar a dar aulas de boxe no início de fevereiro. Ela busca academias para trabalhar e complementar a receita da casa. Até para viabilizar outro sonho da boxeadora: cursar faculdade de jornalismo.

“Eu comecei a fazer educação física, mas vi que não era para mim e parei. Depois, passei meses pensando em comunicação social. Na metade do ano passado eu cheguei a me inscrever e ia começar no segundo semestre, mas saiu o resultado do exame e eu não pude. A faculdade é cara para caramba”, explicou a lutadora, que pretende trabalhar com jornalismo esportivo.

Doping e arrependimento

A boxeadora também quer contar a outras pessoas a história de vida dela. Sobretudo para evitar que mais gente cometa erros similares.

“Eu estava pensando exatamente sobre isso hoje, enquanto limpava a casa: eu estou muito arrependida! Por causa de uma besteira e por querer as coisas do jeito mais fácil, joguei um ano fora. Não apenas na parte financeira, mas nas competições. Nunca mais eu vou querer tomar nenhum tipo de porcaria. Nada”, finalizou a boxeadora.