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Entenda como um campeão de boxe tomou a liderança dos protestos na Ucrânia

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

19/02/2014 09h18

A Ucrânia vive um momento delicado em sua política interna, com uma disputa entre governo e oposição que foi parar nas ruas, sob a forma de protestos violentos e já contabilizando dezenas de mortes. No meio do caos, uma figura aparece na liderança da linha de frente, trocando batalhas no ringue pela guerra nas ruas: Vitali Klitschko. Isso mesmo, o famoso peso pesado campeão mundial de boxe tomou as rédeas da oposição, num combate sangrento que vem acontecendo nas ruas de Kiev.

Mas como o “Dr. Punhos de Aço”, um pugilista de renome, foi parar no meio desta disputa? A resposta, na verdade, tem diversos fatores, que vão desde a criação de Vitali voltada tanto aos estudos quanto ao esporte  - ele é PhD em ciências do esporte - à sua entrada na política em 2006, depois da Revolução Laranja, em seu país natal. Uma jornada que o transformou no favorito para concorrer às próximas eleições na Ucrânia pela oposição e no homem forte deste momento de tensão.

Diferentemente da maioria dos esportistas, e ainda mais no boxe, que tem muitos praticantes de origem humilde, Vitali e seu irmão Wladimir, também campeão mundial de boxe, não deixaram os estudos de lado e foram além da formação básica. Ambos são PhD em ciências do esporte. Cultos, bem articulados e com uma boa imagem, tornaram-se personalidades importantes na sociedade da Ucrânia.

Nascido no Quirguistão e naturalizado ucraniano, Vitali ganhou notoriedade por seus interesses políticos, lado a lado com sua carreira dominante no boxe, com dois títulos mundiais e um total, hoje, de 45 vitórias e apenas duas derrotas. Ele passou a conciliar este gosto com o esporte depois que a Ucrânia viveu em 2004 a Revolução Laranja, em que a oposição protestou contra acusações maciças de fraude na eleição presidencial. O pugilista virou conselheiro de Viktor Yushchenko, candidato presidencial que havia sido prejudicado no pleito, mas que acabou tomando posse em 2005.

Esta época coincidiu com uma aposentadoria momentânea do boxe que ele viveu entre 2005 e 2007. Em 2006, ele concorreu para prefeito de Kiev e perdeu, mas passou a trabalhar no conselho municipal e depois tornou-se deputado.

Mais do que isso, Vitali fundou seu próprio partido político, cuja sigla UDAR significa “soco” na língua local e em russo. Com ele, passou a fazer uma forte oposição ao atual governo, presidido por Viktor Yanukovych.

A situação de momento na Ucrânia tem Yanukovych e a oposição em conflito pelo poder. A frente liderada por Klitschko acusa o presidente de tentar implantar um regime autoritário, que teria o presidente russo Vladimir Putin ajudando nas orquestrações. Os protestos começaram em novembro, depois que Yanukovych cedeu à pressão russa e desistiu de um tratado comercial com a União Europeia, preferindo ajuda financeira do Kremlin. O presidente, por sua vez, está acusando seus críticos de incitarem o povo a sair armado às ruas, o que seria uma tentativa de golpe de estado.

No meio disso tudo, Vitali Klitschko é considerado um político de posições moderadas. Alinhado com o ocidente, ele não é tido como um dos mais carismáticos líderes, mas conseguiu um papel importante para mediar conflitos. Inclusive indo para as ruas e falando grosso.

Após a morte de manifestantes, que já soma pelo menos 25, o ex-pugilista afirmou que não deixaria o confronto, defendendo o que chama de “uma ilha de liberdade” em Kiev. Ele acusa o governo de declarar guerra contra seu próprio povo. “Nós não vamos a lugar nenhum. Se for tomar uma bala na testa, tomarei uma bala na testa. Mas será de forma honesta, justa e corajosa”, afirmou Vitali, que já se viu obrigado a pedir para mulheres e crianças deixarem a concentração dos manifestantes, já prevendo a violência do confronto – apesar de pedir por uma solução pacífica.

O atual presidente chegou a convidar Vitali para ser o vice-primeiro ministro da Ucrânia, mas ele negou a oferta e ainda exigiu que as eleições sejam transferidas de 2015 para este ano. E, claro, ele quer estar no pleito.

“Para dar um soco, você precisa trazer seus dedos e os juntá-los para formar um punho. Nós precisamos juntar as forças. Esta é a única forma de sairmos vitoriosos”. Klitschko venceu 87% das suas lutas por nocaute e nunca perdeu desta forma - em suas duas únicas derrotas foram lesões que não o deixaram seguir no combate. A batalha que ele luta fora dos ringues, no entanto, promete ser ainda mais dura, sangrenta e decisiva para Vitali e, principalmente, para milhões de ucranianos.