Maior luta do boxe, Ali x Foreman teve saga brasileira na África há 40 anos
Quando dois dos maiores pugilistas da história deixaram os Estados Unidos e foram parar no centro da África, o boxe escreveu suas páginas mais grandiosas. Há 40 anos, Muhammad Ali e George Foreman fizeram o combate que é considerado o maior de todos os tempos, não só por seu lado esportivo e a rivalidade dos atletas, mas por tudo que ele representou culturalmente. Um brasileiro tem memórias especiais daquele 30 de outubro, em uma saga que o levou a registrar pessoalmente aquela data: o jornalista e dirigente Newton Campos.
Newton Campos, hoje aos 89 anos ainda ativo como presidente da Federação Paulista de Boxe (não ligada à Confederação) e vice-presidente honorário do Conselho Mundial de Boxe, era jornalista da Gazeta Esportiva e, de última hora, teve a chance de pegar um avião e adentrar na África, rumo ao país que hoje é a República Democrática do Congo.
Tudo o que envolvia o combate era grandioso e com detalhes que só acrescentariam à mística que cresceu junto à sua fama. A “Rumble in the Jungle” (Briga na Selva) confrontava o campeão dos pesos pesados, George Foreman, de 25 anos, contra o mais veterano Muhammad Ali, 32, tentando recuperar o título. Foreman era favorito nas casas de apostas, enquanto Ali ainda galgava espaço desde que voltará da suspensão por não cumprir o serviço militar nos EUA.
E a luta só pôde acontecer por conta da ousadia do então desconhecido Don King. O empresário – já polêmico e envolvido em prisões e outros causos – ofereceu aos lutadores a inédita cifra de US$ 5 milhões. A conta seria paga pelo ditador Mobutu Sésé Seko, sedento pelo visibilidade que daria ao país que governava com punhos de aço.
Apesar de um adiamento, por conta de um corte sofrido por Foreman em treino, no dia 30 de outubro, às 3h da madrugada do horário local – para favorecer o horário nobre da TV dos EUA –, Foreman e Ali subiram ao ringue, enquanto Newton Campos já tinha tomado seu posto na área da imprensa.
Chegar ao Zaire a tempo do combate já foi uma vitória para o jornalista. Suas passagens foram conseguidas quase no jeitinho, em uma permuta com a Varig. A Gazeta Esportiva organizava a São Silvestre e tinha uma reserva para um corredor do Zaire. Como ele cancelou sua participação, Newton herdou os tíquetes. “Foi uma viagem braba, a maior loucura da minha vida”, definiu ele, que saiu de São Paulo, fez escalas no Rio e na África do Sul, e chegou no dia da luta, já no começo da noite ao hotel.
Com sua máquina de escrever a tiracolo, ele ainda contatou um fotógrafo local e correu para o estádio 20 de Maio. Lá, ele viu Muhammad Ali trocar o show que vinha dando em seus discursos pré-luta, inteligentes e bem-humorados, por um espetáculo mais peculiar. Isso porque a tática do desafiante foi atrair Foreman a lhe golpear. Ali se manteve junto às cordas, absorveu os socos do campeão round após round, esgotou-o fisicamente e no oitavo assalto partiu para cima, para nocautear com precisão, recuperar o cinturão e ver o ringue ser invadido pela torcida.
Do lado de fora, Newton Campos tinha pressa. Aproximou-se do ringue a tempo de ouvir algumas palavras de Ali no meio da confusão – que teve até um rápido desmaio do norte-americano. “Ao término, eu fui para o corner do Foreman e o fotógrafo atrás, me acompanhando. Aí corri para o do Ali, que estava no meio daquele estardalhaço. E o cara tirou uma foto como se eu estivesse entrevistando ele, foi uma loucura. Eu não estava entrevistando nada, mas eu sabia o que ele estava falando”, relembrou o jornalista.
Muhammad Ali partiria ali para um fim de carreira com uma longa série de vitórias – até começar a encerrar sua vida no ringue com o revés para Leon Spinks -, enquanto a partida de Newton Campos era direto para o aeroporto. Seu voo sairia em menos de duas horas do fim da luta. No meio do tumulto das pessoas deixando o estádio, ele ainda conseguiu gritar para um táxi que passava: “Please... Press... Airport (Por favor... Imprensa... Aeroporto)”, e dividiu o carro com locais para pegar o avião. Foi no ar que ele escreveu suas laudas que iriam ser impressas na Gazeta, torcendo ainda para o filme entregue pelo fotógrafo estar intacto para a revelação das imagens.
“Ganhei quatro páginas. Graças a Deus, deu tudo certo. Vou adorar a vida inteira aquele fotógrafo, que eu nunca mais vi. Esperei até sair o jornal, a 1h30 da manhã, e levei um exemplar para casa”, completou seu relato o jornalista, que exaltou a tática de Ali, chamado de rei e elogiado por sua “uma inteligência felina” naquele ringue envolto por 60 mil pessoas.
Quem foi o melhor pugilista de todos os tempos?
Resultado parcial
Total de 1098 votosTudo o que envolveu a Rumble in the Jungle ajudou Ali a ser considerado um dos maiores lutadores da história, e certamente o mais carismático, o atleta que mudou a forma que os pugilistas eram vistos e que soube brigar não só dentro do ringue, mas fora dele por seu esporte, contra o preconceito racial e até contra a Guerra do Vietnã.
“Na história de boxe, ninguém propagou melhor a modalidade do que Ali. E justamente por ser inteligente, ter o dom da palavra e saber mexer com a sensibilidade do público”, define Newton Campos, sobre o campeão, em seu auge no Zaire.
Nas últimas semanas, o noticiário foi ocupado com novos rumores sobre a saúde de Muhammad Ali. A imprensa divulgou que seu mal de Parkinson piorou e ele mal consegue se comunicar. Mas, uma das filhas do lutador desmentiu as notícias e disse que o ex-pugilista passa bem. Se a tática de ser golpeado inúmeras vezes por Foreman foi um dos causadores de sua doença, devido aos impactos na cabeça, não se sabe, mas neste 30 de outubro mais uma vez o nome do peso pesado é celebrado.
* A história completa da saga de Newton Campos no Zaire é contada no livro “Em 12 Rounds”, que será lançado em dezembro pela Editora Via Escrita. A obra traz 12 histórias do boxe em solo brasileiro, com causos curiosos e pouco conhecidos de personalidades como Eder Jofre, Maguila, Popó, Muhammad Ali, Mike Tyson e Eduardo Suplicy. Mais informações: www.facebook.com/em12rounds
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