Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Como o Milwaukee Bucks superou decepções para se tornar o campeão da NBA
Uma das coisas mais interessantes que eu observei nessas Finais teve a ver com a torcida. Não a presente no ginásio, nem dos torcedores de ambas as equipes, mas aqueles que não tinham nenhum interesse específico nem em Bucks, nem em Suns.
A maioria dos meus conhecidos nessa situação, a princípio, estava torcendo por um título dos Suns - principalmente por causa da narrativa envolvendo Chris Paul, e para que o grande armador finalmente conseguisse o anel de campeão que lhe escapava. No entanto, quando a bola subiu para o Jogo 6, esse eixo havia se invertido totalmente; grande parte dessas pessoas que começaram torcendo por Phoenix agora vibravam com a perspectiva de um título do Milwaukee Bucks e de Giannis Antetokounmpo. Mesmo que parte disso seja simplesmente uma série de Finais extremamente bem jogada entre dois times ótimos, empolgantes e carismáticos, esse simples fato diz muito sobre o tipo de força, resiliência e garra demonstrada por um time dos Bucks que fez ser quase impossível não ficar pelo menos um pouco feliz pelo seu sucesso.
Também ajuda que os Bucks, assim como Paul, também tinham sua própria narrativa de redenção envolvida. Esse é o mesmo Bucks que, três anos atrás, estava preso com um dos piores técnicos da NBA e era visto como um desperdício de talento, e que apenas um ano atrás tinha virado piada na NBA depois de ser humilhado pelo Miami Heat na segunda rodada dos playoffs. Naquele ponto, todo mundo parecia ter dado o ciclo dos Bucks como encerrado. Mas, com as cortinas descendo após uma das melhores e mais emocionantes Finais de NBA que eu já assisti na vida, o Milwaukee Bucks finalmente chega ao topo da montanha e conquista seu lugar como campeão da NBA - e não na sorte ou aos trancos e barrancos, mas com uma campanha impressionante e dominante que envolveu números espetaculares, performances e lances que entram para a história do esporte, e que se completou com uma dominação completa sobre o excelente time do Phoenix Suns nas Finais da NBA.
Mas as narrativas de superação no fantástico título do Milwaukee Bucks não se limitam apenas ao time como um todo. Para onde quer que você olhe, as peças que compuseram essa história são todas pequenas histórias de superação em seu próprio mérito, diversos underdogs que tiveram que superar as probabilidades e as expectativas para chegar aonde estão. A própria existência dessa equipe dos Bucks é uma história de superação, ainda mais sendo um time de uma cidade tão minúscula, e talvez por isso seja tão divertido torcer para eles: é como se fosse o roteiro de um filme clichê de esportes, onde todos os desacreditados se juntam em algo maior do que suas individualidades para conquistar o título contra os favoritos.
A grande estrela dos campeões é Giannis Antetokounmpo, um filho de imigrantes pobres que deixaram a Nigéria em busca de uma vida melhor na Grécia. Durante toda a sua infância, Giannis literalmente não tinha uma nacionalidade: não havia sido registrado na Nigéria, mas não podia se registrar também na Grécia por não ter a ascendência. Ele e seus irmãos vendiam produtos falsificados nas ruas da cidade para ajudar a família a botar comida na mesa pela dificuldade de encontrarem emprego; mesmo depois de começar a jogar basquete por conta do seu tamanho e atleticismo, Giannis era apenas um moleque grande e promissor jogando na segunda divisão da Grécia quando foi escolhido com a escolha #15 do Draft de 2013 pelo Milwaukee Bucks, que apostou no seu potencial. Oito anos depois, aquele garoto é uma das maiores estrelas do planeta, tendo se tornado apenas o segundo jogador da história da NBA depois de Michael Jordan a conseguir dois prêmios de MVP, um prêmio de Defensor do Ano (criado em 1983) e um título na NBA. Apenas Jordan, Larry Bird, Tim Duncan, Moses Malone, Steph Curry, LeBron James, Bill Russell, Kareem Abdul-Jabbar e Wilt Chamberlain possuem dois MVPs consecutivos E um título de NBA no processo — em ano de MVP. Giannis já estava entre os grandes do basquete, mas esse título coloca Giannis inequivocamente entre os maiores jogadores a jamais pisarem em uma quadra de NBA - basicamente uma história de superação ambulante.
Seu principal ajudante nessa conquista, Khris Middleton, tão decisivo na reta final dos playoffs, também percorreu um longo caminho para chegar até aqui - e se ele não tem a história de vida tão cinematográfica como Giannis, seu caminho dentro da NBA foi ainda mais incomum. Escolha de segunda rodada do Detroit Pistons em 2012, Middleton passou a maior parte de sua temporada de calouro na G-League antes de ser trocado para Milwaukee junto de Viacheslav Kravtsov como peças irrelevantes para completar uma troca muito maior entre Brandon Jennings e Brandon Knight. Ele chegou aos Bucks junto com Giannis em 2013, e - como foi redescoberto recentemente - os dois tinham as duas piores notas de todo o jogo de basquete NBA 2K14 naquele ano. Assim como o grego, Middleton foi crescendo aos poucos, primeiro para titular, bom arremessador, para jogador capaz de criar o próprio chute, até chegar a All Star e jogador que da os chutes decisivos no campeão da NBA. Não é à toa que ele e Giannis confiam tanto um no outro, como ambos afirmaram repetidas vezes nesses playoffs; os dois percorreram juntos todo esse caminho de zero a heróis que levou ao título da NBA.
Continue olhando com atenção, e você vai encontrar essas histórias ao redor de todo o elenco dos Bucks. Brook Lopez era um All Star que não conseguia ficar saudável e achavam que viraria obsoleto na NBA moderna pela defesa ruim e jogo de costas para a cesta; ao invés disso, ele se reinventou em Milwaukee como ótimo defensor e especialista nas bolas longas que complementa Giannis tão bem. PJ Tucker, cuja defesa em Durant foi tão crucial para Milwaukee chegar até aqui, estava fora da NBA em 2007 e jogou em Israel, Ucrânia, Grécia, Italia, Porto Rico e Alemanha antes de finalmente voltar à NBA em 2013. Nós chegamos ao ponto onde Pat Connaughton e Bobby Portis (!!) foram dois dos principais jogadores das Finais da NBA em pleno 2021. Entre os principais jogadores da conquista, apenas Holiday não chegou desacreditado nos Bucks - pelo contrário, foi adquirido a peso de ouro para ser a peça final que acabou sendo na busca pelo anel - mas mesmo ele precisou encarar críticas ferozes e injustas em 2016, quando se ausentou da sua equipe para acompanhar a esposa, Lauren, que tinha sido diagnosticada com um tumor no cérebro durante a gravidez.
Até mesmo o técnico do time, Mike Budenholzer, foi muito criticado ao longo dos últimos anos e muitos (incluindo eu mesmo) queriam sua demissão após a derrota do ano passado, e não sem razão - seus erros e teimosias repetitivos atrapalharam demais a equipe mesmo em algumas séries dessa pós-temporada - mas ele merece muitos créditos por ser quase perfeito nas Finais, dando aos Bucks uma importantíssima vantagem tática com seus ajustes e adaptações, e por manter o navio no seu curso mesmo nas dificuldades. Por todos os percalços, a virada desse time começa com sua chegada em 2018.
Oscar Robertson, lenda da NBA e peça chave do primeiro título dos Bucks em 1971, uma vez escreveu que, para se escrever uma boa canção de amor, você primeiro precisa ter seu coração partido - e isso também é verdade na NBA. Para você ser grande, você precisa passar por adversidades; precisa ter algumas derrotas duras, aprender com os erros, criar casca com os fracassos para poder crescer enquanto time e indivíduo rumo à melhor versão de si mesmo. E os Bucks passaram por tudo isso com louvor ao longo desses oito anos, e muito mais: técnicos ruins, eliminações traumatizantes, vexames e problemas extra-quadra. Nos anos com Jason Kidd de técnico, parecia que o time nunca realizaria seu considerável potencial. Com Budenholzer, os Bucks pareciam destinados a serem o grande time da temporada regular que fracassa nos playoffs. Um ano atrás, com a derrota para o Heat e Giannis prestes a se tornar agente livre, parecia que era o limite para um time de mercado pequeno. E ao invés disso as suas peças time perseveraram, cresceram, confiaram umas nas outras e atingiram a um novo patamar.
E tem também o seguinte: nem todos os times sobrevivem a esse processo. A história da NBA está lotada de exemplos de times talentosos que não conseguiram superar as adversidades, e acabaram derrotados e desmontados por não conseguirem ultrapassar as barreiras inevitáveis pelo caminho. A derrota para o Heat sozinha teria quebrado muitos outros times, e os Bucks merecem uma tonelada de crédito por não terem deixado isso acontecer.
Ao mesmo tempo, pense em tudo que eu escrevi acima sobre esse time, e sobre as dezenas de histórias individuais e coletivas de superação em cima das quais esse time foi montado, que formam o próprio tecido dessa equipe campeã... é realmente uma grande surpresa que essas pessoas e essa equipe tenham a força mental e resiliência necessárias para não só se levantar depois de tomar um golpe, mas fazer isso ainda mais fortes? Isso não diminui os méritos, é óbvio, mas para quem passou a carreira e até a vida inteira desafiando as probabilidades, essa talvez fosse a conclusão lógica o tempo todo.
E isso talvez seja o maior legado desse time, o aspecto que eu vou para sempre lembrar quando pensar no Milwaukee Bucks de 2021: essa garra, essa resiliência, a capacidade de ultrapassar os desafios rumo ao topo que acabou sendo um final feliz para uma dezena de pequenas histórias de superação e redenção, cada uma especial da sua própria maneira e que fez juntos esse time de underdogs se tornar o melhor time da maior liga de basquete do mundo.
O Milwaukee Bucks é campeão da NBA!
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