Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vitor: As histórias de redenção que montaram o título do Los Angeles Rams
No começo de 2019, Kelly Stafford —esposa do quarterback dos Rams, Matthew Stafford, desde a faculdade— começou a sofrer com vertigem e tonturas. Depois de algumas visitas ao médico foi sugerido que Kelly fizesse uma tomografia, e o resultado foi assustador: descobriram um tumor no seu cérebro como causa, e embora benigno a princípio, ele precisaria de cirurgia.
Em maio de 2019, Kelly finalmente fez sua cirurgia. Para piorar, durante a operação, foi descoberta uma anomalia em uma artéria próxima ao tumor, o que elevou a dificuldade da operação exponencialmente. O procedimento acabou durando 12 horas e foi bem-sucedido, mas os próximos passos talvez fossem ainda mais difíceis. Kelly precisou recuperar os movimentos de todo o corpo, fazendo intensa fisioterapia para literalmente poder reaprender a andar e voltar a criar os três filhos pequenos.
Nessas horas, futebol americano fica em segundo —talvez terceiro, ou quarto— plano. Ainda assim, é a profissão de seu marido, e Matt Stafford vinha de mais uma temporada difícil com o Detroit Lions; apesar de Stafford ter seu melhor ano na NFL, a a franquia terminou com uma campanha fraca de 6-10. Depois de alguns bons times e bons momentos ao longo da sua carreira (em especial sua parceria com Calvin Johnson), os Lions de 2018 iniciaram uma reconstrução e entraram em uma trajetória de franca decadência, incapaz de manter as atuações dos anos anteriores apesar de contar ainda com um bom jogador na posição mais importante do esporte. Em adição a tudo que acontecia na sua vida pessoal, a carreira de Stafford parecia ter estagnado dentro das quatro linhas.
Em abril de 2021, Kelly compartilhou as boas notícias: além da recuperação plena depois da cirurgia, uma tomografia crítica no processo revelou que ela estava livre do tumor. Meses depois, outra boa notícia para os Stafford: Matt havia sido trocado do estagnado Detroit Lions para um dos melhores times da NFL, o Los Angeles Rams, que via o QB como peça final rumo a um Super Bowl. E hoje, quase um ano depois, Matthew Stafford levantou o troféu do Super Bowl em plena Los Angeles, ao lado de Kelly e das filhas, para coroar uma jornada profissional e pessoal que encontrou seu ponto final no melhor momento, e da melhor forma, possível.
Embora essa seja a melhor história de superação e redenção que marcaram o campeão Los Angeles Rams, está longe de ser a única. Na verdade, o Super Bowl não foi a coroação apenas do arco de Matthew e Kelly Stafford; foi a coroação de diversas carreiras, cada uma única e especial da sua maneira, que tiveram seu ápice durante a vitória por 23-20 sobre o Cincinatti Bengals no Super Bowl LVI. E todas essas histórias, se juntando, formaram o próprio tecido do qual esse time campeão é feito, um incrível quebra-cabeças onde todas as peças se encaixaram perfeitamente na hora certa para atingir a glória suprema do esporte.
Outro dos principais personagens dessa história foi o LT dos Rams, Andrew Whitworth. Um futuro Hall da Fama e um dos melhores tackles da sua geração, Whitworth foi draftado justamente pelos Bengals e passou 11 excelentes anos com a franquia antes de assinar como agente livre com os Rams em 2017, um dos pontos de virada que fizeram os Rams passarem da mediocridade para um dos melhores times da NFL. E domingo, no que provavelmente foi o último jogo da sua ilustre carreira, Whitworth finalmente conquistou o Super Bowl - e fez isso justamente contra o time pelo qual se consagrou como uma lenda.
Odell Beckham Jr um dia foi considerado um dos melhores e mais divertidos jogadores da NFL, e uma personalidade fora dos gramados durante seus três primeiros anos com o New York Giants. Mas, depois de um quarto ano marcado por lesões e uma queda de produção, a narrativa se virou por completo contra ele: taxado como egoísta, superestimado e tóxico no vestiário - uma acusação que DIVERSOS companheiros de time vieram a público para negar - Beckham passou a ser o bode expiatório dos fracassos da franquia. OBJ acabou trocado para os Browns em uma troca extremamente controversa e chegou para ser peça fundamental da ascensão dos Browns, mas depois de dois anos decepcionantes e marcados por lesões, novamente surgiram as acusações de problemas de vestiário (novamente negadas por companheiros, mas para as quais seu pai e suas críticas públicas não contribuíram) e que Beckham era um dos responsáveis pela performance fraca do ataque dos Browns. Odell acabou dispensado e assinou com os Rams, onde foi peça importante da arrancada final da equipe - inclusive pegando um touchdown no Super Bowl - antes de sair machucado com o que infelizmente parece ser uma séria lesão no joelho. Ver Odell torcendo pelos companheiros, e comemorando aos prantos o título, foi uma das cenas mais bonitas da noite.
Não é exagero nenhum dizer que Aaron Donald tem um argumento para ser considerado o maior defensor da história da NFL. Certamente é o maior na sua posição, e não por uma margem pequena. Os seus feitos - quatro vezes jogador defensivo do ano (deveria ser pelo menos seis), 8 Pro Bowls, 7 All Pros - ajudam, claro, mas você só precisa assistir a um jogo de Donald pra ficar claro o quanto ele existe em um plano diferente de existência.
Sempre é triste quando um jogador desse calibre histórico se aposenta sem um título, e circulavam boatos antes do jogo (que ganharam mais força depois) de que esse seria o último jogo desse gigante da NFL. Sua última chance vir em um Super Bowl não poderia ser mais poético, e o que ele fez dentro de quadra é digno de lendas: dois sacks, viveu no backfield em um jogo vencido pela linha defensiva dos Rams, e teria sido provavelmente o MVP da partida se os votos para o prêmio não fossem feitos antes dele arrancar o coração dos Bengals ao destruir Joe Burrow na jogada final da partida. Donald aposentar sem um anel seria criminoso; Donald aposentar depois de um jogo brilhante como esse e um título de Super Bowl é simplesmente perfeito.
E também tem Eric Weddle, outro futuro Hall da Fama que jogou o último jogo da sua carreira domingo... embora, na verdade, seja o segundo "último jogo da sua carreira". Weddle na verdade se aposentou em 2019, depois de passar sua carreira inteira jogando por excelentes times dos Chargers e dos Ravens, mas nunca conseguindo chegar a um Super Bowl. Weddle desaposentou inesperadamente e se juntou aos Rams - o último time pelo qual jogou em 2019 - sem atuar em uma única partida da temporada regular, mas voltando para os playoffs e sendo fundamental para a conquista, incluindo talvez a jogada mais importante dessa sequência: sufocando uma conversão crucial dos 49ers na final de conferência. No Super Bowl, Weddle - que literalmente não estava no time até os playoffs - foi o responsável por chamar as jogadas da defesa, jogou três quartos da partida com um músculo peitoral rompido, e fez a sua parte rumo ao tão sonhado anel.
Também é impossível falar desse título sem falar de Cooper Kupp, o MVP do Super Bowl. O Cooper Kupp que, quando saiu do colegial para a universidade, era cotado como um prospecto "zero estrelas" e que acabou indo parar na Universidade de Eastern Washington, das divisões inferiores da NCAA. Apesar de quebrar uma infinidade de recordes no seu tempo de faculdade, Kupp foi escolhido apenas na terceira rodada do Draft pelos Rams. E, em 2022, ele apenas liderou a NFL em recepções, jardas, touchdowns recebidos. Na campanha final dos Rams, perdendo o jogo e precisando desesperadamente de um touchdown, foi para Kupp que Stafford olhou, e o WR correspondeu com 4 recepções, 38 jardas, o TD do título, uma corrida para 7 jardas (que converteu uma 4th and 1 crítica) e até mesmo sendo alvo de duas faltas (bastante polêmicas) nos lances finais - ano esse coroado com o troféu de MVP da final.
São diversas pessoas completamente diferentes, com trajetórias e histórias totalmente únicas, arcos de redenção ou superação próprios, mas de alguma forma todas elas convergiram de forma perfeita, no momento certo, para que todas fossem coroadas da forma mais espetacular possível. Hoje, todos esses personagens podem bater no peito e gritar: Eu sou campeão do Super Bowl!
Parafraseando a famosa frase de Moneyball: Como é possível não ser romântico sobre futebol americano?
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