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OPINIÃO

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Vitor: Tentando entender a decepcionante temporada do Atlanta Hawks

John Collins, jogador do Atlanta Hawks - Reprodução/Twitter
John Collins, jogador do Atlanta Hawks Imagem: Reprodução/Twitter

17/03/2022 04h00

Essa tem sido a temporada 2021/22 do Atlanta Hawks, dividida por sequências:

- Começou o ano com 3 vitórias e 1 derrota;
- Ganhou 1 e perdeu 8 nos 9 jogos seguintes;
- Venceu sete jogos consecutivos;
- Venceu 6 e perdeu 16 dos 22 jogos seguintes;
- Venceu sete jogos consecutivos.

Irregularidade e flutuação são normais na NBA, é claro, mas isso é um nível extremo de bizarrice. Os Hawks desde então têm sido um pouco mais consistentes, mas suas 11 vitórias e 10 derrotas no período não são exatamente de impressionar.

Isso é ainda mais chocante considerando as expectativas. Vindo de uma aparição nas finais do Leste em 2021, onde perdeu para o eventual campeão Milwaukee Bucks, alguns chegaram até a colocar os Hawks como possível seed #2 na temporada regular; ainda que reconhecendo que sua arrancada em 2021 envolveu muitos fatores insustentáveis, esse era um time ainda jovem e com espaço para crescer, que tinha acabado de ganhar valiosa experiência em playoffs e encontrado seu melhor basquete após a chegada do técnico Nate McMillan, contando com uma legítima estrela em Trae Young.

Mas, na prática, tudo foi por terra em 2022. Atlanta hoje está com campanha de 34 vitórias e 34 derrotas, na nona colocação do Leste, e olhando de fora para uma volta aos playoffs. A não ser que Atlanta consiga superar o Brooklyn Nets (agora com Durant) na classificação, a equipe precisará vencer o Charlotte Hornets E o perdedor entre Nets e Cavs/Raptors no play-in só para conseguir a oitava vaga da conferência. Modelos estatísticos colocam as chances de Atlanta de alcançar a pós-temporada entre 40% e 45%. Mas o que levou a essa queda, e o que isso indica para o futuro?

Antes de mais nada, vamos adereçar dois pontos a favor de Atlanta. Atlanta lidou com algumas lesões importantes esse ano, com Hunter, Collins e Bogdanovic de fora por um bom tempo, e outros jogadores vítimas de lesões menores ou COVID - o que sem dúvida atrapalhou. Ao mesmo tempo, todos os times passam por isso, e está longe de explicar os maus resultados: o melhor jogador do time, Trae Young, ficou saudável o ano quase todo, e o site especializado Man Games Lost na verdade coloca Atlanta abaixo da média da NBA em jogos E produtividade perdida por lesões em 2022. Os números também indicam que Atlanta tem jogado acima do que sua campanha sugere, o que é bom, mas a diferença é pequena; eles sugerem que, ao invés de 34-34, Atlanta está jogando no nível de um time 36-32. Ainda que isso - e o fato de a equipe ter ter o segundo melhor ataque da NBA - mostre que existe a base de um bom time em Atlanta, essas explicações são insuficientes para explicar o ano desastroso da equipe, e portanto precisamos deixar os fatores externos para procurar os dentro da equipe.

E é extremamente fácil identificar o problema: os Hawks têm a quarta pior defesa da NBA inteira. Essa é uma posição familiar demais para Atlanta: essa seria a terceira vez em quatro anos, desde que draftaram Trae Young, que os Hawks têm uma das quatro piores defesas da temporada. A única exceção foi 2021, quando não coincidentemente os Hawks chegaram nas finais do Leste; e mesmo assim, com um elenco de apoio redondo e seu pivô Clint Capela tendo um ano de nível All-Defense, a defesa foi apenas a 18th da NBA. Em algum momento, os problemas defensivos deixam de ser uma fase e passam a ser um problema inato.

E, se estamos falando da defesa horrenda dos Hawks, precisamos falar do elefante na sala. Trae Young é um dos melhores jogadores ofensivos da NBA, um passador genial e excelente pontuador que tem médias de 28 pontos e 9 assistências por jogo, e é parte grande dos Hawks serem o segundo melhor ataque da NBA. Mas, no basquete, você tem duas tarefas: fazer pontos, e impedir o adversário de fazer pontos. E, nesse segundo quesito, Trae Young não é só um péssimo defensor, mas talvez seja o pior defensor de todo o esporte.

E não é só ser ruim no quesito; várias outras estrelas ofensivas são defensores fracos. O problema maior é a total e absoluta falta de vontade ou dedicação desse lado da quadra. A melhor forma de compensar uma defesa ruim é com energia e intensidade, e depois de quatro anos de NBA e uma campanha longa nos playoffs você esperaria que um jogador como Trae estivesse disposto a fazer essas coisas para ajudar seu time. Mas o que vemos é exatamente o contrário.

Para um jogador muitas vezes caracterizado por alguém mais preocupado com seus números e seus highlights do que com a vitória essa falta de vontade chama a atenção, e seu impacto negativo sobre a defesa dos Hawks (especialmente vindo da sua maior estrela e o jogador que deveria dar o exemplo) é inegável.

Outro problema defensivo nesse sentido para Trae é a questão física, o que torna muito mais difícil escondê-lo defensivamente. Um jogador como Harden, por exemplo, também era um problema defensivo para seus times, mas seu físico, força e tamanho fazia com que ele pelo menos fosse capaz de se "esconder" em diversos jogadores adversários ou trocar a marcação; Trae não tem essa versatilidade, então além de precisar se preocupar em impedir que Young seja batido individualmente, eles também precisam impedir que ele seja colocado em uma situação desfavorável fora da bola - colocando enorme pressão no resto da defesa. Nós vimos isso nos playoffs do ano passado, quando os Hawks tentaram esconder Trae Young na série contra os Bucks em cima de PJ Tucker, e Tucker destruiu os Hawks com rebotes ofensivos.

Os números avançados confirmam esse impacto negativo gigantesco: com Trae Young em quadra, os Hawks cedem de 115 pontos por 100 posses de bola, segunda pior marca de toda a NBA. Com o armador fora, no entanto, os Hawks cedem 107,6 pontos por 100 posses - equivalente a uma defesa Top5 (ele também tem o quarto pior DBPM entre 182 jogadores qualificados). Não é, claro, como se Trae fosse a âncora afundando os Hawks - o ataque do time despenca sem ele em quadra, e o saldo com Trae em quadra vs fora é positivo - mas é uma evidência forte do quanto ele atrapalha defensivamente.

Olhando esses números a fundo e tentando eliminar o efeito das rotações, o cenário é ainda pior. Esse é o comparativo de como os Hawks performam com Trae em quadra sem alguns dos outros jogadores-chave dos Hawks (que tem amostra de minutos suficiente para ambos os cenários), e vice-versa.

Hawks com e sem Trae Young - NBA Stats/Formulação própria - NBA Stats/Formulação própria
Imagem: NBA Stats/Formulação própria

Esses números mostram algo extremamente preocupante: quando você controla os números pela presença dos outros jogadores-chave dos Hawks, os números com os coadjuvantes sem Trae são melhores que o contrário - por vezes até melhores sem Trae do que com ele! - e o motivo é visivelmente a questão defensiva sendo mais significativa do que a queda ofensiva. Independente de quem está em quadra, a presença de Trae nela basicamente é suficiente para bombardear qualquer semelhança de uma defesa nível NBA da equipe.

Isso não é para dizer que Trae é um jogador ruim, que ele está atrapalhando o time, que os Hawks não podem vencer com ele e que deveriam trocá-lo. Nós vimos nos playoffs do ano passado o potencial que Trae oferece, e o quão bom um time pode ser com ele no comando. A questão é que ter um jogador com fraquezas tão evidentes torna muito mais difícil montar um time ao seu redor que faça sentido. Toda estrela na NBA oferece um desafio para o time ser montado ao seu redor, para minimizar suas deficiências e otimizar suas forças, mas a natureza extrema desses pontos com Trae torna a tarefa dos Hawks muito mais difícil.

É evidente que os Hawks focaram em maximizar os talentos de Trae do lado ofensivo, com bons arremessadores e finalizadores, o que contribui para esse excelente ataque mas torna mais difícil ocultar suas falhas na defesa. Só que não é como se fosse um elenco com zero defesa: Capela e Hunter são muito bons defensivamente, Okongwu e Wright são promissores, e vários outros jogadores do elenco são pelo menos sólidos. A questão é que o buraco a tapar é grande demais, e esse elenco não tem condições de cobrir. Isso não é uma crítica aos Hawks e à sua montagem de elenco; montar um time ao redor de uma estrela é sempre uma questão de encontrar um equilíbrio, mas as características de Trae tornam isso muito mais difícil.

Se existe uma possível crítica a ser feita nesse sentido é que os Hawks se prenderam em excesso a esse elenco após a arrancada do ano passado rumo às finais do Leste com as renovações feitas. Manter junto um elenco jovem que tinha acabado de chegar tão longe fazia sentido, mas com 2021 parecendo cada vez mais o outlier e as limitações da montagem doelenco cada vez mais evidentes, Atlanta se colocou em uma situação salarial onde vai ser difícil remodelar esse elenco. Atlanta já está MUITO acima do salary cap na temporada que vem, e perigosamente próximo da luxury tax; mesmo que consigam abrir algum espaço com trocas e dispensas, ainda não conseguirão trazer bons agentes livres e ainda teriam que substituir as perdas com limitada margem de manobra salarial. Mudanças no tecido desse time que alterem significativamente o panorama da equipe precisarão ser por trocas que envolvam os principais talentos, e seu valor no momento está em baixa depois de um ano onde o crescimento dessas peças pareceu estagnar. É possível, mas a dificuldade é muito maior, e as margens para erros, menores.

Lógico, isso não quer dizer que Atlanta será um time medíocre de 50% de campanha para sempre. Alguma regressão positiva deve atingir a equipe, e o elenco tem talentos jovens demais - alguns deles devem ainda evoluir de forma significativa. Trae é uma legítima estrela, o ataque deve continuar sendo excelente, e Atlanta certamente fará alguns movimentos nas margens que levarão a equipe a uma direção mais coerente. Com esse ataque, se a defesa conseguir ser pelo menos "abaixo da média" (como aconteceu em 2019), já é o suficiente para ser um time razoavelmente competitivo e com potencial para incomodar o Leste. A aposta mais segura é que, se 2021 foi o ponto fora da curva para cima, 2022 foi um ponto fora da curva para baixo, e Atlanta deve melhorar nos próximos anos.

Mas os problemas que estão afundando a equipe em 2021 - e que já tinham afundado em 2019 - são bastante reais, e indicam um problema estrutural que não vai ser fácil de resolver. E eles levantam perguntas que ainda não são fatais, mas são críticas, sobre o quão bom esse time realmente pode ser com a configuração atual, e quais os caminhos que a equipe pode trilhar para continuar uma ascensão que parecia uma certeza depois do ano passado e caiu abruptamente por terra em 2022.