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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Entendendo o valor defensivo de um pivô contra o de um armador na NBA

Bam Adebayo, do Miami Heat, é marcado por Marcus Smart, do Boston Celtics -  Mike Ehrmann/Getty Images
Bam Adebayo, do Miami Heat, é marcado por Marcus Smart, do Boston Celtics Imagem: Mike Ehrmann/Getty Images

20/04/2022 04h00

Na noite de segunda-feira, dia 18, Marcus Smart do Boston Celtics foi anunciado oficialmente como o vencedor do prêmio de Defensor do Ano para 2021-22 - fazendo dele o primeiro armador desde Gary Payton em 1996 a vencer esse prêmio. A honra não veio de modo algum como uma surpresa; Smart era o favorito nas casas de apostas para ficar com o prêmio, e foi inclusive a escolha de muitos analistas do esporte (incluindo a minha). O que foi surpreendente, pelo menos para mim, é que o anúncio foi recebido por certos "tradicionalistas" como se fosse um absurdo: como um armador pode ser mais valioso que um jogador de garrafão que protege o aro?

Talvez isso não deveria ser tão chocante; afinal, fazem 26 anos desde que um armador ganhou o prêmio, e tudo que foge ao esperado e ao tradicional costuma enfrentar questionamentos. Mas eu não pensei muito sobre o assunto até que meu amigo Gabriel Martins - que é um excelente produtor de conteúdo sobre NFL e NBA, aliás - me mandou uma mensagem com um questionamento interessante: o prêmio não faz necessariamente distinção entre "Melhor Defensor" e "Defensor Mais Valioso" - o que naturalmente abre espaço para interpretações distintas por parte dos votantes - mas se fizesse, não seria semelhante ao caso dos quarterbacks na NFL com o prêmio de MVP, uma posição inerentemente muito mais valiosa que as demais e que portanto tem uma vantagem enorme no prêmio?

Era uma comparação interessante, e que me fez pensar. E ela parte de algo que é indiscutível: por virtude das suas posições e de circunstâncias próprias ao jogo, um jogador de garrafão que protege o aro VAI ter na média um impacto maior que um defensor de perímetro. A região próxima à cesta é e sempre foi o espaço mais valioso em uma quadra de basquete, o foco ofensivo de todas as equipes da liga, e um pivô capaz não só de dar tocos mas impedir que o adversário se aproxime do aro vai ter um impacto intangível consistente sobre uma área inteira da quadra em praticamente todas as posses de bola, algo que um defensor de perímetro - marcando um jogador que vai arremessar em apenas uma parcela pequena das posses do seu time - não é capaz de igualar. Então nesse sentido a comparação faz sentido.

Mas existe uma diferença crucial entre os QBs na NFL (em termos de MVP) e os pivôs na NBA (em termos de Defensor do Ano): a direção que o esporte caminha. No começo do século, na NFL era comum (ainda que minoria) não-QBs ganharem o prêmio de MVP; desde então, no entanto, mudanças de regras foram cada vez mais empurrando o esporte na direção do jogo aéreo, tornando muito mais difícil marcar passes e, portanto, levando a uma explosão desse tipo de jogada - aumentando exponencialmente o valor dos quarterbacks no processo, ao ponto de que essa vantagem inata da posição atingiu um nível extremo, a ponto de sozinho garantir a parte do "mais valioso". Na NBA, no entanto, acontece o oposto: cada vez mais o jogo está voltado para o perímetro e as bolas de três pontos. Isso não faz com que a importância de proteger o aro desapareça - parte fundamental do aumento nas bolas de três pontos é espaçar a defesa e abrir espaço para chegar até o aro - mas certamente tem o efeito oposto, o de diminuir a vantagem natural da posição que protege o aro, e aumentar o valor dos defensores de perímetro.

E também tem o seguinte: com esse movimento do esporte na direção do perímetro, cada vez mais times estão ficando inteligentes em como atacar grandes protetores de aro, tirando-os do garrafão e não só minimizando seu impacto na partida, mas por vezes até explorando isso a seu favor. Pense em Rudy Gobert, três vezes Defensor do Ano e um dos melhores protetores de aro da história da NBA. Gobert é um esquema defensivo de um homem só, engolindo arremessos perto do aro e destruindo pick-and-rolls como poucos - motivo pelo qual venceu tantas vezes o prêmio. Mas cada vez mais estamos vendo times usando isso contra Utah, abrindo cinco jogadores para puxar Gobert para longe do garrafão e forçar ele a uma decisão difícil: se Gobert defender perto da linha dos três pontos, isso neutraliza sua proteção de aro e deixa o garrafão livre para o adversário, fazendo de Gobert um não-fator na defesa. Mas, se Gobert se mantém perto do aro, o adversário aproveita para chutar um monte de bolas de três pontos (veja o Jogo 2 contra Dallas nesses playoffs para mais detalhes).

Dessa forma, equipes podem tirar do jogo um bom protetor de aro, o que é impossível com um jogador como Smart ou Mikal Bridges (segundo colocado na votação), defensores de perímetro versáteis que defendem múltiplas posições e estão sempre trocando a marcação, impactando as jogadas e quebrando a criação de jogadas no ponto de ataque. E isso não é uma crítica a Gobert, ou necessariamente culpa dele - é uma mudança que vem acontecendo ao longo do tempo e acompanha a posição, e que aos poucos vai mudando o equilíbrio defensivo da liga.

Nesse sentido, os defensores mais valiosos da NBA na atualidade são jogadores como Giannis ou Bam Adebayo, que são capazes de proteger o aro com maestria mas também podem trocar a marcação a vontade e causar impacto no perímetro em igual medida - misturando o melhor dos dois mundos e impactando defensivamente em qualquer situação. Se estamos falando de jogadores que são inerentemente mais valiosos em seu impacto defensivo, esses são os que tem a vantagem.

E, afinal, contexto importa - como já estabelecemos, essa vantagem "natural" de certos tipos de defensores, embora real, não é grande o suficiente hoje em dia para sozinha fazer valer a ideia de "Defensor Mais Valioso", e quando você olha para a disputa de 2022 em especial fica claro que as circunstâncias são singulares. Adebayo, talvez o melhor defensor do ano (tirando Draymond Green) em um nível "por jogo", perdeu 26 jogos - partidas nas quais ele não impactou defensivamente. Gobert cada vez mais tem sido alvo de ataques que são pensados para neutralizar e até explorar suas características, e não foi tão impactante como no passado. Giannis foi uns 15% menos eficiente desse lado da quadra por motivos compreensíveis de poupar energia para os playoffs. Jaren Jackson sofreu com problemas de falta e rebotes defensivos. Todos os jogadores que poderiam se aproveitar dessa vantagem natural da posição tiveram outros problemas ao longo do ano que diminuíram seu impacto e, portanto, sua candidatura ao prêmio.

Então sim, é verdade que em situações normais um defensor de perímetro como Marcus Smart não tende a impactar o jogo tanto desse lado da quadra como um Adebayo ou Gobert. Mas o prêmio não é sobre quem é o melhor defensor em um vácuo, ou em Condições Normais de Temperatura e Pressão; é sobre quem foi melhor em um conjunto real de circunstâncias, e é preciso levar em consideração todos os poréns citados acima. E, considerando o contexto, levando em conta as variáveis, todas as mudanças estilísticas pelas quais a liga está passando, é realmente difícil dizer que Smart e Bridges - defensores de perímetro ou não - não impactaram o jogo tanto quanto ou mais todos os protetores de aro da liga.

Os tempos mudaram; e precisamos, também, mudar nossa forma de pensar o esporte para não ficarmos para trás.