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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Apesar do reconhecimento, Doc Rivers continua enfurecendo os fãs de NBA

Doc Rivers, técnico do Philadelphia 76ers, durante jogo contra o Atlanta Hawks nos playoffs da NBA - Tim Nwachukwu/Getty Images/AFP
Doc Rivers, técnico do Philadelphia 76ers, durante jogo contra o Atlanta Hawks nos playoffs da NBA Imagem: Tim Nwachukwu/Getty Images/AFP

04/05/2022 04h00

Uma famosa frase do escritor Maquiavel diz que não basta a mulher de César ser honesta, ela precisa parecer honesta.

Outra frase, comum em meios estatísticos, nos ensina que correlação não implica causalidade.

Embora diferentes à primeira vista, essas duas citações falam sobre algo importante: percepção. O que importa, por vezes, não são os fatos e sim como esses fatos são percebidos e interpretados, o que frequentemente acontecer a partir de uma relação superficial e fictícia que nós confundimos com a realidade - independente se uma análise mais profunda corrobora ou não essa percepção.

Nos esportes, isso é particularmente importante porque, de um jeito ou de outro, o que nós consumimos a respeito dele são narrativas. Alguns mais fanáticos (como eu!) tem vontade de entrar em minúcias, táticas, entender jogadas e os Xs e Os do jogo, mas a maioria do público quer uma trajetória cinematográfica para acompanhar, saber quem são os heróis e vilões, os protagonistas e os obstáculos - o que a mídia em geral se especializou em vender (e eu não digo isso como crítica). Mas, como em toda história, isso significa que ficamos vítimas de velhos e conhecidos clichês, que ajudam a forjar (para um lado ou outro) essas percepções que frequentemente não tem raízes na realidade.

Por que todo esse preâmbulo? Para falar de Doc Rivers, o técnico dos Philadelphia 76ers que é basicamente uma contradição ambulante: eleito recentemente um dos 15 maiores técnicos da história da NBA pela própria liga, campeão da NBA em 2008, eleito Técnico do Ano em 2000, nono técnico com mais vitórias na liga... mas também alguém que virou piada pelas inúmeras viradas sofridas em playoffs, que por três vezes viu seus times entregarem vantagens de 3-1 (recorde da NBA), que continua enfurecendo e confundindo torcedores e analistas com decisões inexplicáveis e teimosia em insistir com o que não funciona sem nunca admitir seus erros. Por um lado, ele parece um dos mais reconhecidos e aclamados técnicos da NBA; por outro, uma piada ambulante.

A verdade, como de costume, está em algum lugar no meio, e ambos são frutos de diferentes percepções: seja a de que Rivers é diretamente responsável pelas vitórias dos seus times (incrementado pelo fato de que os jogadores gostam dele como um ex-jogador, motivador e técnico à moda antiga), seja pelo fato de que ele é a causa das eliminações vergonhosas de alguns dos seus times. Determinar exatamente onde no meio do caminho a verdade está não é o propósito aqui, mas eu não posso deixar de dizer... depois de jogos como o Jogo 1 entre Heat e Sixers, é difícil não acreditar que Rivers está mais próximo do segundo.

Os Sixers já entraram no jogo em enorme desvantagem, sem seu candidato a MVP em Joel Embiid - de fora de pelo menos os dois primeiros jogos da série. Então que os Sixers sofressem contra Miami sem seu astro já era esperado; a questão era o que Rivers e os 76ers podiam fazer para mitigar essa desvantagem e tentar aguentar o Heat até que Embiid voltasse. E a primeira pergunta a ser respondida era: quem substituiria Embiid em quadra? A escolha de Rivers foi DeAndre Jordan, alguém que foi absolutamente terrível o ano todo, mas que - assim como Rivers - é um jogador bem quisto pelos seus companheiros e outras estrelas da NBA, independente dos seus méritos dentro de quadra (colocar Jordan no banco em prol do mais jovem e muito melhor Jarrett Allen foi o que supostamente causou a demissão de Kenny Atkinson dos Nets em 2020, pressionado pelas estrelas do time).

Jordan ficou em quadra apenas quatro minutos no primeiro tempo, e nesses minutos os Sixers foram -12 na partida. Ele não pegou um único rebote, foi atacado na defesa, e ainda cometeu dois turnovers. Era evidente - assim como todo mundo exceto Doc já sabia antes da série começar - que Jordan não tinha nenhuma condição de ficar em quadra em 2022 contra um adversário forte de playoffs. Tanto é que, depois que Jordan saiu, os Sixers se recuperaram na partida e terminaram o primeiro tempo vencendo por um ponto. Em outras palavras, os Sixers venceram os minutos SEM DeAndre Jordan em quadra por 13 pontos.

Os Sixers foram bem melhores nos 9 minutos que Paul Reed (+7) foi o pivô em quadra no lugar de Jordan, mas os melhores momentos de Philadelphia vieram quando o time optou por jogar baixo (sem pivô). Nos últimos quase 5 minutos do primeiro tempo, Philly colocou em quadra um quinteto com seus quatro outros titulares (Maxey, Harden, Danny Green e Tobias Harris), mas com George Nieng espaçando a quadra na posição cinco. Nesses cinco minutos, o Miami Heat fez UMA cesta, e os Sixers anotaram 10 pontos, +8 no período. Rivers parecia ter encontrado uma fórmula para perserverar sem Embiid.

Mas, de alguma forma, Doc Rivers conseguiu olhar para tudo isso e chegar à conclusão de que o que os Sixers precisavam no segundo tempo era de MAIS DeAndre Jordan em quadra. Jordan não só voltou de titular no segundo tempo, como jogou mais TREZE MINUTOS, nove a mais que no primeiro tempo. Philadelphia, naturalmente, foi -10 nesses minutos, totalizando -22 com DeAndre Jordan em quadra e +8 com ele no banco. Em contrapartida, Reed - que foi tão bem no primeiro tempo - jogou apenas quatro minutos na segunda etapa. Para piorar, aquele quinteto baixo, com Nieng de pivô que foi o principal favor de virada para os Sixers no primeiro tempo e parecia ser a resposta da equipe sem Embiid, jogou apenas mais DOIS minutos na segunda etapa. No total, Rivers usou ONZE jogadores diferentes (e outros dois quando o jogo já estava definido) em um jogo de semifinal de conferência desfalcado do seu melhor jogador.

Isso simplesmente não tem explicação lógica: no segundo tempo, vencendo um jogo crucial sem seu melhor jogador por um ponto, Rivers simplesmente abandonou tudo que tinha dado certo para seu time no primeiro tempo, e dobrou a aposta em tudo que tinha dado errado. Os Sixers, é claro, foram massacrados no segundo tempo e saíram com uma derrota humilhante de quadra, com Rivers abandonando o jogo e colocando os reservas com quase cinco minutos restantes.

Técnicos tomarem más decisões ou serem superados pela contraparte adversária são fatores relativamente comuns, mas não consigo lembrar de um técnico intencionalmente sabotando seu time dessa maneira. E se você acha que Rivers aprende com seus erros e vá se adaptar, pense de novo.

Essa é a teimosia característica de Doc Rivers que esteve por trás de muitos dos problemas que seus times sofreram, e novamente custou caro aos Sixers no Jogo 1. Eu não sei se isso significa que Doc Rivers chegou a custar o jogo para os Sixers - afinal, eles ESTAVAM sem Embiid e eram grandes azarões desde o começo - mas suas decisões no segundo tempo sepultaram qualquer chance que a equipe ainda pudesse ter.

Claro, o cenário está longe de ser de terra arrasada caso Embiid realmente possa voltar para o Jogo 3, mas roubar um jogo em Miami seria um grande passo para a equipe rumo às finais de conferência. E, se quiser ter chance disso no Jogo 2, Doc Rivers vai precisar começar a fazer juz à sua fama positiva - e parar de repetir os mesmos erros de novo e de novo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL