Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como Andrew Wiggins foi de decepção para peça fundamental do campeão da NBA
Talvez isso soe como maluquice para quem chegou na NBA recentemente, mas houve uma época onde Andrew Wiggins era conhecido como Maple Jordan - o Michael Jordan canadense. Então um adolescente jogando no basquete colegial, ele era considerado a próxima superestrela do basquete, um talento geracional que dominaria a NBA. Tirando LeBron James em 2003, nenhum outro jogador dessa idade se aproximou da NBA com mais antecipação e as expectativas do mundo sobre seus ombros no século XXI.
Apesar de um ano universitário apenas ok, o ala acabou sendo a escolha #1 do Draft em 2014; o dono da escolha, o Cleveland Cavaliers, tinha acabado de trazer LeBron James de volta e estava em busca de veteranos, então enviou Wiggins para o Minnesota Timberwolves em troca da sua estrela da época, Kevin Love. A troca foi unanimemente considerada um excelente negócio para os Wolves: Wiggins chegava para ser a peça central de uma reconstrução que contava com inúmeros talentos jovens promissores, como Zach LaVine, Ricky Rubio e (um ano depois) Karl-Anthony Towns. Minnesota imediatamente se tornava o time jovem mais promissor da liga, e Wiggins era grande parte do motivo.
Mas sua carreira em Minnesota não decolou. Calouro do Ano, Wiggins logo deixou claro que seria um jogador polarizador: seus apoiadores apontavam para seus 17 pontos por jogo e seus momentos defensivos impressionantes para mostrar que tinha muita coisa de boa ali, e que o resto do seu jogo viria com o tempo; já seus detratores apontavam para a péssima eficiência (45% em arremessos de 2, 31% em bolas de três), poucos rebotes, dificuldade de criação (mais turnovers que assistências) e desatenção defensiva para dizer que Wiggins era um jogador colocando números bons em um time ruim, mas sem nenhuma contribuição real.
Conforme os anos foram passando, a segunda narrativa foi ganhando força. Wiggins aumentou sua pontuação nos anos seguinte, mas todas as suas falhas continuavam iguais, sem dar sinal de evolução real; a apatia e falta de evolução logo fizeram dele odiado pela torcida. Para piorar, o promissor time dos Wolves nunca engrenou, ao ponto que a diretoria tentou um movimento ousado para trazer Jimmy Butler; a manobra gerou a primeira aparição nos playoffs em quinze anos para os Wolves, mas depois de uma eliminação rápida tudo foi por ladeira abaixo, com Butler - supostamente furioso com a falta de vontade e garra de Wiggins e Towns - forçando uma troca. Com mais uma reconstrução falhando e todas as altas expectativas frustradas em Minnesota, Andrew Wiggins - agora em um caríssimo contrato máximo - se tornou o símbolo desse fracasso.
O alívio veio apenas na temporada 2020. Com os Timberwolves cobiçando D'Angelo Russell, então no Golden State Warriors, Wiggins foi envolvido na troca que trouxe o armador para o norte. Golden State recebeu Wiggins e uma valiosíssima escolha de Draft, e na época o consenso era de que o interesse dos Warriors era na escolha e não no jogador; Wiggins era apenas o contrato que precisava ser envolvido para bater os salários na troca, e que Golden State tentaria envolver ele o mais rápido possível em outro negócio que trouxesse um bom veterano para a equipe da Califórnia.
Eu lembro que na época fui um dos pouquíssimos otimistas que achavam que Wiggins poderia oferecer mais aos Warriors do que se imaginava com uma mudança de cenário: com Curry e Thompson, Wiggins não precisaria carregar o fardo da pontuação, e poderia focar no que fazia com mais eficiência; com Curry, Draymond Green e um ataque de movimentação de bola, ele não precisaria passar muito tempo com a bola nas mãos ou ser obrigado a criar para si ou os outros. Dessa maneira, ele poderia focar no que fazia melhor - arremessar da zona morta, cortar para a cesta, usar sua velocidade e atleticismo para atacar linhas de passe. Sua falta de QI de basquete, de intensidade e dificuldade em rotações defensivas eram problemáticas, mas se tinha um time onde Wiggins poderia pegar essas qualidades era um Warriors que sempre fora definido por essas qualidades.
Por um ano e meio, Wiggins e as escolhas de Draft se viram envolvidas em todo tipo de rumor de troca. Era consenso ao redor da indústria que o plano dos Warriors era usar esses ativos (e o salário de Wiggins) para adquirir mais uma estrela. Nomes como de Pascal Siakam, Bradley Beal e até Ben Simmons foram cogitados como reforços dos Warriors no lugar do canadense. Uma troca parecia questão de tempo, e conviver com esses rumores constantes não pode ter sido fácil.
No entanto, os Warriors tinham outros planos, e apostaram no que tinham de mais valioso: sua cultura e continuidade, que por tantos anos tem tido sucesso em tirar o melhor dos jogadores que passam por lá. Eles também acreditaram que, ao fazer o mesmo com Wiggins, a equipe se beneficiaria enormemente da sua capacidade atlética, força física e agressão em direção à cesta, características que o time não tinham no elenco - e que poderia ajudar a compensar o declínio natural com a idade e lesões do seu Big Three. Eles viram em Wiggins parte do seu presente e futuro, e apostaram nessa visão.
O caminho foi gradual, atrapalhado pelas lesões de Curry e Klay, mas os sinais começaram a aparecer. Seu aproveitamento nos arremessos de fora melhorou enormemente, e Wiggins trocou seus chutes forçados de meia distância por bolas mais pacientes e mais cestas perto do aro. Ele foi ficando cada vez mais inteligente em como executar o ataque de rotação de bola dos Warriors, e encontrar os espaços para cortar sem a bola e receber passes. Ele se dedicou à defesa e conseguiu finalmente se tornar um ativo desse lado da quadra, aliando sua sempre boa defesa individual a uma defesa coletiva muito mais confiante e inteligente, usando seus dotes físicos para criar o caos nos ataques adversários. Não houve grandes mudanças práticas no jogo de Andrew Wiggins, mas ao abraçar com força o papel que lhe era atribuído - um muito mais adequado às suas habilidades, e em um time com jogadores capazes de permitir a ele se especializar no que fazia de melhor - o jogador dentro de quadra mudou da água para o vinho.
A temporada 2022, naturalmente, foi a coroação dessa evolução. Sua aparição como titular no All Star Game pode ter sido causada em grande parte por uma campanha envolvendo K-Pop, mas sua inclusão no jogo das estrelas foi merecida. Depois de cumprir seu papel no começo dos playoffs, nas vitórias contra Memphis e Denver, Wiggins atingiria o ápice dessa transformação nas duas séries decisivas contra Mavericks e Celtics. Foi Wiggins que ficou encarregado da tarefa hercúlea de defender Luka Doncic nas finais do Oeste, e ele ter sido tão bem sucedido foi parte importante de por que os Warriors dominaram tanto a série; Luka ainda teve grandes atuações porque ele é um monstro, mas sua eficiência despencou e Wiggins conseguiu sufocar o esloveno a ponto de não precisar de ajuda de defensiva que abrisse linhas de passe para Dallas, matando o jogo do perímetro dos texanos e desequilibrando a série. Wiggins até mesmo chegou a ter um jogo de 27 pontos e 11 rebotes na série, incluindo uma das enterradas mais espetaculares (e simbólicas) da temporada:
Nas Finais, novamente Wiggins recebeu a tarefa mais difícil na defesa, a de defender Jayson Tatum. E, assim como contra Luka, Wiggins foi absolutamente perfeito, engolindo Tatum por completo e tirando o ala dos Celtics da série: depois de ter médias de 27 pontos por jogo com 45% nos arremessos no Leste, Tatum despencou para horrendos 22 pontos e 37% nas Finais e estava totalmente perdido quando chegou o Jogo 6. E não foi apenas na defesa que Wiggins causou estrago: o ala também dominou os rebotes, tendo um jogo de 16 e outro de 13 rebotes além de média de 9 por jogo, irônico para um jogador tão avesso a esse tipo de jogada no começo da carreira. E Wiggins foi fundamental para a vitória de Golden State no Jogo 5 das Finais; com Curry tendo seu pior jogo e não conseguindo carregar o ataque do time, Wiggins assumiu a responsabilidade e explodiu para 26 pontos e 13 rebotes, sendo o melhor jogador em quadra. Com Klay Thompson mal nos arremessos e Draymond Green desaparecido nos quatro primeiro jogos, Wiggins foi confortavelmente o segundo melhor jogador do Golden State Warriors nas Finais e talvez nos playoffs como um todo - algo que parecia impensável dois anos atrás.
Wiggins não é e nunca vai ser a estrela que se esperava, mas ele se tornou uma peça de enorme valor para um time que foi campeão da NBA. De certa forma, ele virou uma estrela dentro do seu papel: defendendo os melhores jogadores adversários, usando sua capacidade atlética de forma construtiva, aproveitando os espaços criados por Curry, e até sendo capaz de assumir o rojão quando o time precisou em pequenas doses. Quando o time precisava que ele marcasse um superastro ofensivo, ele foi lá e fez. Quando, jogando baixo, precisavam de alguém para dominar os rebotes, Wiggins apareceu. Quando Curry teve seu único jogo ruim, Wiggins teve o seu melhor. E quando tudo funcionava e Golden State só precisava que Wiggins rodasse a bola, acertasse chutes livres e não atrapalhasse, ele fez isso também. Pode não ser o tipo de jogador que muda franquias e leva a títulos por conta própria, mas todo time campeão precisa de alguém assim - e os Warriors acharam essa peça crucial para o título onde todos achavam que ele era apenas um peso morto.
E agora, dois anos depois, Andrew Wiggins é campeão da NBA.
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