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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O pódio do salto triplo feminino e a (des)colonização dos povos

Ana Peleteiro, da Espanha, Yulimar Rojas, da Venezuela, e Patricia Mamona, de Portugal, celebram o pódio na final do salto triplo feminino nas olimpíadas de Tóquio - DeFodi Images/DeFodi Images via Getty Images
Ana Peleteiro, da Espanha, Yulimar Rojas, da Venezuela, e Patricia Mamona, de Portugal, celebram o pódio na final do salto triplo feminino nas olimpíadas de Tóquio Imagem: DeFodi Images/DeFodi Images via Getty Images

02/08/2021 14h28

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Tenho uma amiga cuja regra olímpica para torcida em disputas sem brasileiros é escolher o país que foi colonizado. "Se são dois colonizados, aí conta a simpatia."

Os Jogos Olímpicos são cheios de colonizadores e colonizados, além de imigrantes competindo por países notadamente xenófobos. Porque o esporte favorito da geral é vencer, né?

Como pessoa nascida na América Latina, me marcou muito o pódio do salto triplo feminino: Venezuela, Portugal e Espanha.

Não contente em levar o ouro batendo o recorde olímpico já no primeiro salto e se tornando a primeira mulher venezuelana a conquistar um ouro, Yulimar Rojas estraçalhou também o recorde mundial, estabelecido em 1995 e mais velho que ela por alguns meses: 15,67 metros.

(Veja aí a distância que você consegue saltar na sala, se não arrebentar o joelho pulando três vezes antes de se lançar no ar. Quinze metros é muita coisa. Sério.)

Mas o meu ponto aqui é outro: olhe para a foto que ilustra esta coluna. As três melhores do mundo na modalidade: Yulimar Rojas, Patrícia Mamona e Ana Peleteiro.

Rojas cresceu em uma família pobre, num barraco nos arredores de Puerto La Cruz. A menina do país devastado pela crise econômica, que tinha medo que a chuva levasse o teto de sua casa, é hoje a grande estrela do esporte e, com orgulho, declara-se parte da comunidade LGBTQIA+.

Mamona, filha de angolanos, levou a prata batendo o recorde português (dela mesma) em 36 centímetros! Ela conquistou apenas a segunda medalha do país, em Tóquio. Seu sobrenome tem origem angolana e, na região em que seu pai cresceu, significa visionário, alguém com uma visão para futuro.

Peleteiro (que também bateu o próprio recorde nacional, em 14 centímetros) nasceu na Galícia e foi adotada por um casal local. "Meus pais não me adotaram na Etiópia ou no Quênia. Minhas raízes são galegas, mas metade das minhas raízes — como se vê sou negra - têm de vir da África. O berço de todos os negros está na África, de todos: dos do Peru, de Cuba, da Galícia, da Suécia. Todos os negros do mundo, tenham passado cem ou 500 anos, vêm de lá. E é por tudo que aconteceu na época das colonizações, da escravidão, de quando os africanos mais fortes e mais pobres foram levados para trabalhar, uns de um lado e outros de outro."

Ah, lá vem você querer misturar história e política com esporte. Vamos louvar os atletas pelo que são, individualmente, independentemente de raça, gênero, orientação sexual, blábláblá. Vamos, sim. Mas vamos também lembrar de onde as pessoas vieram, pelo que passaram e contra o que elas (e seus antepassados) lutaram para chegar até ali.

Vamos lembrar que representatividade importa. Sabe quem são as referências da Ana Peleteiro? Sua mãe, Oprah Winfrey e Serena Williams. As duas últimas são duas das mulheres negras mais bem-sucedidas do mundo. Não é por acaso.

Vamos lembrar que a beleza dos povos que compõem o tal congraçamento das Olimpíadas advém de sua diversidade. De que os países, na sua vasta maioria, têm uma história rica, complexa, dolorida, que influi no dia a dia de todos nós.

Saber de onde viemos é parte importantíssima da jornada. Para não cometermos os mesmos erros e chegarmos a um lugar muito melhor, mais justo e livre.