Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A melhor campanha olímpica do Brasil é preta, é baiana, é nordestina
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O ouro conquistado há pouco no futebol garantiu ao Brasil sua melhor campanha em Jogos Olímpicos. Não que nosso desempenho seja magnífico considerando o tamanho do país, mas é notável à luz da (não) importância dada ao esporte historicamente. O país rico que é pobre, que sobrevive de talento natural lapidado na base de suor e sufoco.
Ostentamos cinco ouros em esportes individuais até agora: Italo Ferreira (Baía Formosa, RN), Rebeca Andrade (Guarulhos, SP), Ana Marcela Cunha (Salvador, BA), Isaquias Queiroz (Ubaitaba, BA), Hebert Conceição (Salvador, BA). O vôlei feminino entrará em quadra para fechar nossa conta geral, mas a última chance no individual reside nos punhos da campeã mundial Bia Ferreira, favorita na luta contra a irlandesa Kellie Anne Harrington, às 2h deste domingo. Um palpite para adivinhar onde ela nasceu. Isso mesmo: Salvador, BA.
(A internet foi tomada pelo maravilhoso fato de que o país Bahia tem mais ouros do que Grécia, Dinamarca, Suécia e até Portugal. Reparação histórica que chama?)
Hebert Conceição entrou no ringue ao som de Olodum: "Nobre guerreiro negro de alma leve / nobre guerreiro negro lutador / que os bons ventos calmos assim te levem aonde você for." Ao nocautear o ucraniano, nosso negro lutador soltou gritos de alegria, dor, força. Muito emocionado, olhou para as câmeras e mandou: "É a medalha para o nobre guerreiro, tenho muito orgulho em ser brasileiro". Negro, nobre, forte, guerreiro de ouro.
Seu conterrâneo, Isaquias Queiroz, único brasileiro a conquistar três medalhas em uma única edição dos Jogos, em 2016, botou no peito a que faltava: o ouro. Deixou claro em todas as eliminatórias que era o homem a ser batido, que era o mais forte, o mais determinado, com mais sangue nos olhos. Afinal, ele remava por Jesús. Jesús Morlan, o técnico espanhol que revolucionou sua vida e nossa canoagem, levado em 2018 por um câncer no cérebro. Em um esporte sem tradição no Brasil, Isaquias se tornou o melhor de todos. Um ícone.
Ambos os baianos dourados da madrugada fizeram questão de lembrar os mortos pela pandemia. Não deixaram de tomar vacina. Não ignoraram nosso luto, nem em seu maior momento de glória. "Dedico muito a cada uma das famílias que perderam um ente querido para a Covid-19", disse Isaquias. Hebert lembrou que há "muitas pessoas muito tristes, que perderam seus empregos e seus entes queridos. Espero ter proporcionado um pouco de felicidade e um breve sorriso, que tenha feito a diferença na vida de todos vocês."
Fez, sim, cara. Fez mais, na verdade. Cada atleta, cada medalhista, cada ouro trouxe não só a fugaz euforia da vitória, a volta da lágrima ao som do hino, a emoção de carregar com orgulho nossa bandeira, de retomar nossas cores. Todos trouxeram à tona, também, o óbvio que tantas vezes se esquece nesse país: durante séculos, os negros carregaram o Brasil nas costas. Literalmente.
Agora, quem leva o ouro para casa é quem realmente merece. Quem brilha, quem impressiona, quem é melhor. Fica a minha esperança de que isso não se encerre nos Jogos Olímpicos. Que nos lembremos de que não somos um país branco, sustentado pelo sudeste. Que, finalmente, nossas riquezas parem nas mãos de Heberts, Rebecas, Isaquias e tantas outras e outros que talvez nunca conquistem uma medalha, mas lutam, tomam porrada e se levantam todos os dias, bravamente.
Oxum, padroeira da Bahia, é a deusa do ouro. Que ela siga olhando por seus filhos e derrame suas bênçãos sobre todos nós.
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