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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que a NFL e o futebol brasileiro têm em comum: racismo

Brian Flores processou a NFL  - REUTERS/Paul Childs
Brian Flores processou a NFL Imagem: REUTERS/Paul Childs

03/02/2022 13h22

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Enquanto estamos aqui debatendo a demissão de Sylvinho do Corinthians, há 39 outros comandantes de times das Série A e B do Brasileirão. Uns mais competentes do que outros, como sempre. Mas praticamente todos com uma característica em comum: são brancos.

Que é uma característica também compartilhada com a liga do outro futebol, o da bola oval. Na NFL, onde 70% dos atletas são negros, apenas um treinador é: Mike Tomlin, que carrega um dos maiores percentuais de vitória de qualquer técnico na ativa.

Nunca um negro teve a oportunidade de treinar três equipes diferentes na NFL. A maioria não chega a ter uma segunda chance. Brian Flores, por exemplo, foi demitido dos Dolphins depois de duas temporadas. Em ambas, ele venceu mais do que perdeu e chegou perto dos playoffs. Nos dez anos antes de sua chegada, Miami só tinha vivido uma temporada com mais vitórias que derrotas.

Agora, Flores está processando a liga por discriminação racial. O que não é difícil de enxergar, mesmo para pessoas brancas. Trinta e dois times, um negro no comando. Cento e dez donos em cem anos, cento e oito brancos.

Como no Brasil e no mundo - e como tão bem pontua Silvio Almeida nesse episódio do podcast Ubuntu Esporte Clube -, os negros seguem sendo a força motriz de uma indústria que não os respeita como líderes, dignos de confiança e poder. Que os percebe como corpos, e não mentes. Que acredita que seu limite acaba na capacidade física, na velocidade e na força. O que é absurdo e abjeto, óbvio. Produto de cabeças brancas ignorantes e, elas sim, limitadas.

Estatísticas não mentem, minha gente. Se a vasta maioria dos atletas são negros, no nosso futebol ou no americano, e isso não se reflete nas presidências, diretorias, no comando técnico ou mesmo na mídia (os ex-jogadores negros comentaristas ainda são minoria), algo está muito errado. Em algum lugar, ou em quase todos os lugares, só brancos podem passar. Ou os obstáculos são tantos, que poucos não brancos conseguem vencê-los.

"Brian Flores precisou praticamente acabar com suas chances de treinar na NFL para destacar aquilo que já sabíamos sobre discriminação no processo de contratação de técnicos na NFL", pontuou o ex-quarterback Robert Grifin III.

Questionado sobre a coragem de enfrentar a todo-poderosa liga, o próprio Flores comentou: "É difícil falar, mas isso é maior que o futebol americano. É maior do que os treinadores." Como sempre, o sacrifício para alcançar o progresso recaindo nas costas de quem já é historicamente prejudicado. Paga na entrada e paga na saída.

Enquanto isso, nós (brancos) ficamos aqui assistindo a tudo sem fazer nada. Muitos sem nem sequer perceber a ausência negra. Acostumados a estarem sozinhos na liderança, acostumados a ver sempre as mesmas caras no comando. Acostumados com uma situação que nos favorece. Acostumados porque é esse o privilégio de quem não precisa lutar contra o sistema apenas para ter o mínimo.

Que isso ainda seja o caso em 2022 (um treinador negro lá, um ou dois aqui) é de um atraso que me deprime. Eu só espero, porque uma otimista nata, que iniciativas corajosas como a de Brian Flores tragam frutos significativos, sem lhe custar a carreira.