Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Alicia Klein: Não adianta dar espaço às mulheres só no dia 8 de março
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Quem acompanha o meu trabalho sabe que me irrito profundamente com a normalização da falta de diversidade nos programas esportivos. Nas equipes de cobertura, mesas redondas e bancadas invariavelmente compostas por homens brancos. E só. E está tudo bem.
Não está. E não adianta só convidar mulheres às vésperas do Dia Internacional da Luta pelos Direitos das Mulheres. Fazer homenagem. Matéria gigante sobre o futebol feminino. Finalmente trazer convidadas. E dar parabéns e flores e bombons.
Eu gosto de parabéns e de flores (embora não saiba cuidar) e de bombons. Mas nada disso muda a minha vida e a vida das minhas companheiras. Nada disso muda a violência e as disparidades que sofremos diariamente apenas na luta por existir.
Direitos mudam a nossa vida. Ações afirmativas, que acelerem a entrada e inclusão de mulheres nos diversos ambientes em que não fomos, historicamente, bem-vindas. Movimentos reais e efetivos para trazer segurança aos espaços que ocupamos. Iniciativas de educação para ajudar os bem-intencionados e punitivas para eliminar os que não são. Dá para fazer muita coisa, de verdade.
Dá para reconhecer a interseccionalidade que atravessa a nossa luta, sem deixar de lado as camadas de raça, classe e orientação sexual que precisam ser pensadas pelo feminismo, que não considere só as mulheres brancas.
Dá para oferecer oportunidade, chance de brilharmos. Tantas vezes, é só o que nos falta. Dá para fazer isso todos os dias. Dá para ser um aliado sempre, não só hoje. Dá para refletir sobre aquilo que enfrentamos.
Do alto do meu privilégio de mulher cis branca, hétero, de classe média, eu já ouvi muitos absurdos. Passei por situações de importunação sexual. Quis chorar de ódio por testemunhar o assédio às minhas colegas. Por ouvir histórias quase inacreditáveis de machismo: violências diversas, exigências e salários injustos, preterimentos, entre outros. Por ver amigas deixando a carreira no futebol por não aguentarem mais.
Eu quis desistir várias vezes. Primeiro, pelo assédio e as desigualdades. Depois, ao me tornar mãe, por achar que não ia conseguir conciliar o trabalho do futebol, frequentemente noturno, com a rotina de mamadas e acordadas infinitas do meu filho nas madrugadas. Por sentir que sucumbiria ao peso de sustentar maternidade, profissão, amor, cuidados com a casa.
De alguma forma, para o bem e para o mal, a gente não sucumbe. Porque não pode. E seguimos fortes, ainda que desmontadas por dentro, porque precisamos. Mas eu espero, do fundo do meu coração ainda otimista, que este peso passe a diminuir em progressão geométrica.
Que os avanços caminhem a passos larguíssimos, em uma velocidade que me permita estar viva quando a equidade chegar. Que me permita deixar um filho feminista, em um mundo que trate as mulheres com respeito. Que me permita ver mesas redondas ocupadas por mulheres, por pessoas negras e LGBT, bancadas divididas, para falar de todos os assuntos, todos os dias.
Parece muito, dado o cenário atual. Mas é o mínimo. É o direito de sermos plurais, com segurança, lugar e direitos iguais na sociedade. Como lindamente definiu a Linn da Quebrada: "Pelo direito aos nossos próprios corpos. Para construir e reivindicar novas condições de mulheridades. Onde as mulheres não tenham de ser mulheres de alguém, que não mulheres de si mesmas."
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