Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como falar de futebol com "patriotas" defecando sobre a República?
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Esta é minha primeira coluna do ano. Voltei de duas semanas de férias e me vi com zero vontade de falar de futebol. Mesmo diante das imensuráveis perdas de Pelé e Dinamite.
Perdoem-me os aficionados, as pessoas que conseguem pensar no esporte acima de tudo.
Cheguei em casa ontem, em Brasília, diante de um cenário desolador. Sobre o que vou escrever amanhã, pela Deusa, com o Brasil pegando fogo?
Como falar de Copinha, de movimentações do mercado, de técnico da Seleção, de Premier League, do novo Ministério do Esporte, ou mesmo das graves acusações à gestão do futebol feminino do Palmeiras, com os Três Poderes do país sob assalto? Como achar algo importante para comentar diante de um atentado sem precedentes contra o estado democrático de direito?
Eu não deveria dizer isso, afinal ganho parte do meu pão com o jornalismo esportivo, porém nessas horas é muito difícil me importar com o mundo da bola. Muito mesmo.
Centenas de pessoas invadiram, com a conivência de forças públicas, o Palácio do Planalto, o Congresso e a sede do Supremo Tribunal Federal. Quebraram tudo, depredaram e saquearam o nosso patrimônio.
Literalmente, cagaram sobre a República.
Pessoas que se dizem patriotas. Que afirmam proteger o Brasil, enquanto atacam aquilo que é brasileiro e dos brasileiros. "Queremos o seu bem, mas vamos destruir a sua casa."
Gente privilegiada, que não só não apanha da polícia, como bate na polícia. Sem medo. Com deboche.
Sem tomar 80 tiros, sem ser sufocada no porta-malas da viatura, sem morrer por andar na rua carregando um pedaço da cabeceira da cama.
Como brasileira e atual moradora de Brasília, a sensação é de desgosto com uma pitada de desespero. Será que vou conseguir levar meu filho à escola? Será que consigo viajar ou vão tentar explodir o aeroporto de novo? E essas são as preocupações da pessoa branca de classe média, que corre pouco risco no dia a dia.
Nas conversas sobre os ataques me incomoda o uso dos termos manifestantes e vândalos, mas também terrorismo, fascismo, nazismo. Não porque eu ache que não se apliquem, e sim porque receio que não levem à punição necessária. "Ai, tudo pra vocês é terrorismo, é fascismo, pópópópó, mimimi." Parece que fica mais fácil deixar pra lá, atribuir os crimes a uma meia-dúzia de gente radicalizada, meio doida.
Como chamar, então, o que aconteceu ontem? Um ataque coordenado ao coração da democracia. Executivo, Legislativo e Judiciário profanados. Armas roubadas de dentro do Gabinete de Segurança Institucional. Arte e objetos históricos destruídos para sempre. Como chamar uma bomba colocada em um caminhão de combustível no aeroporto da capital do país?
Talvez seja melhor chamarmos os invasores, financiadores e cúmplices da barbárie apenas de criminosos. Melhor ainda: tratá-los como criminosos, sem meias-palavras, sem meias ações. Bandidos. Ponto.
Não é simples, mas poderia ser.
Vou voltar a falar de futebol e esporte, prometo. Os outros setores da nossa vida não param. Os boletos não param. Para quem não tem financiador, o trabalho precisa seguir. Mas o Brasil precisa ajudar a gente, porque o ano novo mal começou e não tá fácil pensar em qualquer coisa que não seja ter um pouco de paz.
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