Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que incomoda mais o Dani Alves convocado do que o possível estuprador?
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Liguei a TV nos programas de esporte. Fui olhar os textos de colunistas que respeito. Dei uma zanzada on-line. Quase nada. Um silêncio ensurdecedor. Melhor falar de Fluminense e Madureira, mais prudente debater o Choque-Rei.
Sobre Daniel Alves, apenas notícias. Pouquíssimas opiniões. Nada comparado ao dilúvio de indignação quando de sua convocação para a Copa. (Quem me acompanha sabe que eu não me furtei a cornetar as justificativas de Tite para levar o lateral semi-aposentado ao Qatar.)
E a presunção de inocência, amiga? Será que não estão falando por respeitar o processo legal, de não considerá-lo culpado antes do julgamento? Claro, trata-se de princípio fundamental do sistema legal de quase todos os países democráticos.
O jogador brasileiro, que foi transferido hoje para outro presídio, poderá ficar encarcerado por até dois anos preventivamente. Será solto apenas se, até lá, for julgado inocente ou se seu julgamento não se encerrar nesse período.
A lei que está sendo aplicada a Alves, aliás, é de outubro de 2022. Em 2016, um caso conhecido como La Manada mostrou a fragilidade da legislação contra a violência sexual. Era necessário provar ter havido resistência pela vítima para que seu agressor fosse condenado por estupro, e não abuso (que carrega penas bem mais leves). A sociedade civil se mobilizou e a legislação foi alterada.
Qual é o problema, então, com a presunção de inocência nos casos de acusação de violência sexual, doméstica e tantas outras? É que presumir a inocência do agressor significa acreditar que a vítima está mentindo — logo, acusá-la. Necessariamente.
Estatisticamente são raras as denúncias falsas. Mesmo nos casos em que não há condenação, frequentemente isso acontece por falta de provas — perversamente se trata de um dos crimes mais difíceis de provar.
Nesse caso, não.
- Há imagens de câmeras que mostram: Daniel Alves trancado por 15 minutos no banheiro VIP da boate com a mulher que o acusa, que sai dali chorando, desesperada, conversa com as amigas, que imediatamente relatam o ocorrido ao estabelecimento.
- Ela deixa o local e vai direto para um hospital que é referência em atendimento a vítimas de violência sexual.
- Os exames indicam evidências de sexo não consentido.
- O depoimento dela à polícia é sólido, sem contradições.
- Alves muda sua versão três vezes, levando a juíza a acatar o pedido de prisão preventiva da promotoria.
- A vítima abre mão de qualquer tipo de indenização financeira (algo previsto na lei espanhola), afirmando querer apenas justiça e que o acusado pague pelo crime na cadeia.
Não surpreende o comedimento da sociedade em falar do crime, reportando apenas os fatos. Há quem ainda passe pano (ou ofereça emprego) a Robinho. Talvez façam parte do time para quem, como ele, sexo oral não configura estupro.
Se resta qualquer dúvida, deixo aqui a minha posição: eu acredito na vítima.
Porque são raras as mulheres que se submetem à crueldade do escrutínio público inventando uma história de estupro (um dos crimes mais cruéis e de que nós mais temos medo).
Porque há provas.
Porque primeiro ele disse não conhecer "aquela senhora". Depois disse que ela entrou no banheiro quando ele já estava lá dentro. Depois disse que houve sexo com consentimento.
Porque se for para presumir a inocência de alguém, será sempre a de quem possivelmente tenha sido vítima de violência. Nunca a de quem tenha sido possivelmente o agressor, o criminoso hediondo.
E não estou nem falando aqui do desrespeito do lateral com sua esposa, que vivia uma situação delicadíssima com a saúde da mãe. Em dez dias, Joana Sanz perdeu a mãe, segundo ela por conta de um terrível descaso médico, e viu o marido ser preso acusado de estupro e agressão.
No fundo, a gente sabe que o problema não é o firme compromisso de muitos homens com o devido processo legal. É que, na real, a gente importa pouco. Mesmo falando a verdade.
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