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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As semelhanças (e a diferença crucial) entre a Ministra Anielle Franco e eu

26/01/2023 10h15

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Enquanto eu conversava com a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, para o UOL Entrevista — nosso papo já está no ar, neste link —, só conseguia pensar no tanto que temos em comum.

Jornalistas não devem nunca se tornar o centro da história, mas juro que a comparação aqui é por um nobre propósito.

Sou de 1983. Ela, de 1984. Ambas com uma relação fortíssima com o esporte. Eu joguei futebol (bem mais ou menos), sendo até aprovada em peneira de clube grande. Ela foi atleta profissional de vôlei (excelente), atuando por alguns dos maiores times do país e passando 12 anos nos Estados Unidos, como bolsista.

Ambas temos mestrado americano e uma boa parte da vida fora do Brasil. Aliás, vale ressaltar que a Ministra tem quatro graduações, três mestrados e é doutoranda da UFRJ.

Eu tenho um filho de 3 anos. Ela, uma menina de 7 e outra de 2 e meio. Ambas mães de pandemia, que surpreendentemente mantiveram alguma sanidade.

Somos jornalistas.

Ambas temos mãe e família nordestina.

Gostamos muito de falar palavrão. Ambas aprendemos a segurar nosso pavio curto com a idade e a experiência de transitar em certos ambientes.

Nós duas damos um valor imenso à nossa autenticidade. Lutamos diariamente para não caber nas caixinhas em que tentam nos enfiar, sempre puxando outras mulheres conosco.

Consigo pensar em várias semelhanças, mas há uma diferença primordial (além do fato óbvio de que ela é Ministra de Estado e eu, uma reles mortal), uma diferença que ditou a dificuldade que encontramos pelo caminho, para chegar onde estamos.

Eu sou branca. Anielle é negra.

Eu nunca precisei pular sobre corpos e cabeças nos bairros em que morei. Não precisei vender salgado e fazer vaquinha para poder ir estudar nos Estados Unidos. Não precisei deixar meu filho na creche da escola às 6h50 para poder trabalhar 12 horas seguidas. Não tive quem duvidasse do meu inglês e da minha competência pela cor da minha pele. Não tive minha irmã assassinada. Não fui cuspida na cara com meu filho no colo e não ouvi que devia morrer também, pelas coisas em que acredito. Não preciso dar um jeito de explicar ao meu moleque por que andamos com segurança em certos lugares, por que às vezes olham para ele estranho na escola, por que não podemos mais circular livremente e por que a madrinha dele não está mais aqui.

Anielle viveu e vive tudo isso. E está lá, na Esplanada dos Ministérios, entre as pessoas mais poderosas do país. Apesar do esforço constante da nossa sociedade racista e misógina para impedir sua ascensão.

É impossível não pensar em quantas pessoas negras acabam ficando pelo caminho. Em quantas descobrem que não basta ser boa, excelente, ou mesmo a melhor entre seus pares, se sua cor ou seu gênero não forem "corretos". Em fazer tudo, apesar de tudo, e não ser suficiente.

Não deveria ser assim. Não deveria haver uma única diferença capaz de determinar destinos de maneira tão brutal.

O desafio é hercúleo e o orçamento, minúsculo. Por isso, é tão importante que Anielle Franco, o Ministério da Igualdade Racial e o movimento negro não lutem sozinhos. Afinal, brancos são os culpados pelo racismo. Cabe a nós combatê-lo e fazer reparações por todo o mal causado durante séculos. É o mínimo.

(Não perca a entrevista! Os assuntos não são leves, mas o papo foi muito gostoso.)

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL