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Rony Seleção, do nada ao tudo: "Eu venci a fome. Sou um vencedor" (parte 2)
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A estreia pela Seleção não deve ter sido como Rony esperava. Mas ele representou o Brasil pela primeira vez, um marco gigante na carreira de qualquer jogador.
Trago aqui o segundo trecho de uma entrevista sua, originalmente publicada na edição 59 da Revista Palmeiras, em julho de 2021. Novamente, registro meus agradecimentos ao autor, pelo trabalho e a generosidade.
"Fase de crescimento
A maior alegria da minha vida foi o dia em que a minha mãe voltou para casa. Tudo o que eu mais desejava era tê-la por perto.
Mas não ficamos juntos muito tempo. Tinha 16 anos quando um conhecido da família, o Dinho, me levou a Belém para eu fazer alguns testes. Os primeiros dias longe de casa foram os piores. Chorava de saudade da minha mãe. Mas, sempre que sentia vontade de largar tudo, dizia para mim: "Estou aqui por ela e meus irmãos. É a chance que tenho de garantir uma vida melhor para eles".
Na minha primeira peneira, fui reprovado na Tuna Luso. Para não ficar parado, passei a semana treinando em um time amador, o Tiradentes, que dali alguns dias disputaria amistosos contra as equipes Sub-17 de Paysandu e Remo. Não sabia nada de posicionamento nem de tática, mas tinha coragem e garra.
Na véspera do jogo com o Paysandu, fui ao Estádio do Mangueirão treinar na pista de atletismo. Corri sem parar das 6h às 8h. Deu certo: no dia seguinte, voei baixo e fiz dois gols. O pessoal do Papão gostou de mim, mas o Dinho falou que só íamos resolver o futuro após a partida com o Remo, meu time do coração. Marquei mais dois gols e um diretor do Leão pediu para eu ficar.
Depois de dois testes, fui registrado como atleta da base do Remo. Fiquei grandão, né? Quando ia de férias visitar a família, todo mundo vinha falar comigo; virei a atração da Vila Quadros.
Última chance
A vida em Belém não era fácil. Quando não estava treinando, trabalhava duro como mecânico de moto na oficina do Dinho.
Dentro de campo, as coisas demoraram a acontecer. Fui pouco utilizado no Paraense Sub-20. Depois, não me levaram para a Copa Norte da categoria, da qual o Remo se sagrou campeão. O título classificou o clube para a Copa do Brasil Sub-20 de 2013, em que também não fui inscrito - diziam que eu ainda era muito novo.
Meus companheiros fizeram uma campanha sensacional: eliminaram o Flamengo na segunda fase e chegaram às semifinais. Fiquei feliz por eles, mas triste por não ter participado.
Dei uma desanimada. Ia à Vila Quadros aos fins de semana para jogar com os amigos e ficar com a família. Parei de treinar no Remo e saí da oficina do Dinho. Desisti de tentar a carreira de atleta.
Fui morar com a minha namorada na casa de uma tia dela. Para ganhar um dinheirinho, arranjei um bico como servente de pedreiro, outro como mototáxi. Já que não ia ser jogador, tinha de me virar.
Eu me lembro de que estava descansando na rede quando recebi a ligação que mudaria o meu destino. Era o Valter Lima, dirigente do Remo, me avisando de que eu tinha sido inscrito na Copa São Paulo de Juniores. Até hoje, não sei direito por que me inscreveram na Copinha; fazia um tempão que nem aparecia no clube. O fato é que resolvi dar para mim uma última oportunidade no futebol.
Viajamos de ônibus até Limeira (SP), onde jogamos a fase de grupos. Foram três dias de estrada, mas o esforço valeu a pena. Empatamos por 1 a 1 com o Corinthians, que seria o vice-campeão do torneio, e eu consegui me destacar. Tanto que um dirigente do Fluminense sondou o Remo para saber da minha situação contratual.
Confiança é tudo, né? Quando voltei a Belém, coloquei na cabeça que nunca mais ia abandonar o meu sonho de viver do futebol.
Estreia mortal
Só não esperava que a primeira chance no profissional do Remo surgisse tão rápido. O clube estava em uma crise danada, perdendo um jogo atrás do outro. Para piorar, vários jogadores pegaram virose e ficaram arriados, com dor de garganta e febre. Assim, a comissão técnica teve de apelar para os garotos do Sub-20.
Foi o Paulinho, diretor da base, que me ligou para dar a boa notícia: "Amanhã, você vai treinar com o profissional". Fiquei tão feliz que cheguei bem antes do horário do treino. Fui bem pra caramba e o Agnaldo, que era o técnico interino do time principal, me falou: "Rony, você se prepara, porque vou te levar para o jogo".
Fiz a minha estreia no dia 26 de março de 2014, contra o São Francisco, de Santarém, no Mangueirão. O primeiro tempo terminou 0 a 0. Pensei: "É a minha oportunidade. Vou me aquecer bem porque entrarei e farei um gol". Dito e feito. Logo depois que os caras abriram o placar, o Agnaldo me colocou para jogar.
No meu primeiro lance, arranquei com a bola e chutei rente à trave. No segundo, recebi um passe nas costas do zagueiro, dominei e chutei no cantinho. Comemorei com um mortal, como faço até hoje.
História inspiradora
Depois daquele gol, a minha carreira decolou. Fui bicampeão paraense com o Remo e, em 2015, o Cruzeiro me comprou para jogar inicialmente no Sub-20. No ano seguinte, atuei emprestado pelo Náutico, onde tive ótima passagem. Em 2017, fui vendido para o Albirex Niigata-JAP - adorei viver no Japão, apesar do frio.
De julho de 2018 a fevereiro de 2020, defendi o Athletico-PR, pelo qual conquistei a Copa Sul-Americana e a Copa do Brasil. Vários clubes tentaram me contratar, mas escolhi o Palmeiras pelo projeto que a diretoria me apresentou e pela grandeza do clube.
Fui muito bem recebido por todos, mas demorei a me encontrar dentro de campo. Nada do que eu tentava dava certo. O gol não saía e eu ficava cada vez mais ansioso. Mas, como sempre faço quando as coisas não vão bem, olho para trás e tiro forças da minha história, das dificuldades que superei para estar onde estou.
Saí do nada e hoje tenho tudo. Passei por muita coisa na vida para uma fase ruim me derrubar. Eu venci a fome. Sou um vencedor.
Aos poucos, recuperei a confiança. Ajudei o Palmeiras a conquistar títulos importantes. Sinto que o palmeirense tem um carinho especial por mim pela forma como me dedico ao time.
Sou a prova de que, para Deus, nada é impossível."
Posso não creditar coisas a Deus, mas comigo dizer: para Rony, nada é impossível. Nem escapar da barbárie da fome. Nem uma bicicleta da entrada da área.
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