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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quanta dor Vini Jr terá de suportar para que racistas sofram de verdade?

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se manifestou sobre caso de racismo contra jogador de futebol Vini Jr. na Espanha - Divulgação/Twitter e Reprodução
Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se manifestou sobre caso de racismo contra jogador de futebol Vini Jr. na Espanha Imagem: Divulgação/Twitter e Reprodução

23/05/2023 15h56Atualizada em 23/05/2023 15h56

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Só Vini Jr. sabe quantos atos de racismo ele já sofreu. Oficialmente, na Espanha, existiram dez denúncias. Dez. Dez instâncias em que ele confrontou os agressores. Dez oportunidades em que não se curvou.

Em cada uma delas teria sido perfeitamente compreensível desistir. Tantos outros protestaram à sua maneira, mas seguiram jogando, enquanto o racismo comia solto nas arquibancadas, no campo e na sociedade.

O que está acontecendo agora é produto da determinação de Vinicius. Não houve um aumento do racismo, nem uma conscientização maior dos racistas. A proporção tomada pelos ataques de Valência não existiria se o atacante tivesse desistido na segunda, quinta ou nona vez.

Foi ele quem parou jogos, fez duras declarações, protestou e peitou o sistema. Céus, foi a equipe dele quem precisou compilar um vídeo para as suas redes, provando o óbvio: não, Espanha, não é um caso isolado.

Um boneco representando o brasileiro foi enforcado numa ponte em Madrid. O próprio Vini foi enforcado no Mestalla. Tomou um mata-leão do zagueiro Hugo Duro por 8 segundos. Oito segundos. A arbitragem deixou passar e o VAR selecionou apenas o trecho em que ele revidava a agressão. Vermelho para Vini.

Como pessoa branca, não posso nem imaginar o que ele está sentindo, vendo as imagens das agressões sofridas serem repetidas milhares de vezes pelo mundo, ouvindo as ofensas cruéis de novo e de novo. Porque brancos não sentem a dor dessas palavras. Só imaginam. Então elas seguem passando em looping na imprensa.

Não consigo deixar de pensar que poderia ser mãe dele. Como deve ser assistir ao seu filho sofrendo, chorando, agarrado pelo pescoço, diante de todo o planeta. É brutal.

O mais brutal é que custe à vítima do crime se sacrificar para escancará-lo.

Ancelotti deu uma boa entrevista, mas não tirou a equipe de campo. O presidente da Federação Espanhola disse para ignorarmos o da La Liga, mas o que ele fez até agora para impedir a propagação nacional do racismo em seus estádios, que não começou domingo? Qual patrocinador deixou o campeonato? O que o Real Madrid, o rei da Europa, maior clube do mundo, fez na prática para proteger sua grande estrela do crime de ódio que sofre há anos?

A CBF disse que manterá o amistoso da Seleção programado para Barcelona.

De súbito, sete acusados foram presos hoje em uma operação da polícia espanhola. Já foram soltos.

A dor de Vini Jr. é a dor de todas as pessoas negras. O crime contra ele, um crime contra todos. A impunidade recorrente, uma mensagem de tranquilidade aos racistas.

A branquitude precisa entender que não se combate crime com nota de repúdio. Ou tuíte. Ou coluna.

Pelo menos por enquanto, dá para dizer que de onde nada se espera é que não sai nada mesmo.