Quem se surpreende com Antony ainda na seleção provavelmente não é mulher
E, mais uma vez, precisamos falar de uma mulher agredida por seu companheiro, um jogador de futebol. Mais uma vez, as denúncias se mostram verdadeiras, provas aparecem, a Justiça começa a caminhar e só então há qualquer sinal de consequências. Ou não.
Antony, do Manchester United e (até a publicação dessa coluna) convocado para a seleção brasileira, bateu, ameaçou, atirou objetos e aterrorizou sua namorada, Gabriella Cavallin.
Depois de uma crise de ciúmes, disparada pelo fato de ela ter ido a uma boate com as amigas (ó, a audácia!), a DJ conta que ele a pôs no carro, agrediu e ameaçou jogá-la do veículo em alta velocidade.
Gabriella estava grávida.
"Ele falou que, se eu não ficasse com ele, eu não ficaria com ninguém. Que eu estava grávida de um filho dele. Ou eu ficaria com ele ou morreria eu, ele e nosso filho. Eu falava pra ele que estava grávida, que ele estava me assustando, fazendo meu coração acelerar. Tremia de medo."
Com 16 semanas, ela perdeu o filho. Após meses de sangramentos, pânico e idas constantes ao hospital.
Eu vivi uma perda gestacional com 11 semanas, e posso garantir a vocês que, mesmo em circunstâncias naturais, a dor é imensa. Não consigo imaginar o que Gabriella sentiu, vivendo esse momento sob intensas ameaças e ocasionais agressões físicas. Vivendo com medo.
Para os descrentes, aqueles a quem nem a condenação em última instância convence, lembro: há fotos, registros e conversas de WhatsApp, que levaram a Justiça a conceder uma medida protetiva, em junho desse ano.
Junho. Portanto, antes da convocação do dia 18 de agosto, em que a CBF e Fernando Diniz mantiveram o nome de Antony na lista. Ao contrário de Lucas Paquetá, que está sob investigação por envolvimento com apostas, e acabou cortado.
Acusação de mexer com bet não pode. Acusação de violência doméstica tá de boa.
Quem se surpreende provavelmente não é mulher.
Estamos cansadas de ver nossa palavra valer pouco. De precisar tirar forças não se sabe de onde para lutar pelo mínimo. Para enfrentar o sistema, que raramente nos favorece, que pouco se incomoda com a nossa dor, que não raro ri da nossa cara.
Gabriella ainda conseguiu denunciar, primeiro no Brasil e, agora, também em Manchester, na Inglaterra. Não bastou nem para tirá-lo de uma partida de futebol, então vocês imaginam como fica a nossa (des)esperança.
Se resta alguma dúvida: que se danem Antony, a seleção brasileira, a CBF, as eliminatórias da Copa, o Manchester United e o raio que o parta. Gabriella é quem importa. Porque ela somos todas nós.
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