Tragédia no RS: CBF já teria agido se fosse em SP ou no Rio?
Você consegue imaginar um cenário em que o campeonato brasileiro seguisse rolando normalmente sem Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo? Ou Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos? Em que a normalidade permanecesse diante de um Maracanã, Nilton Santos, São Januário, Allianz Parque, Morumbis, Neo Química Arena, Vila Belmiro debaixo d'água? Com jogadores, treinadores e suas famílias sendo resgatados ou ajudando em resgates? Vivendo um "cenário de guerra", com suas casas submersas?
Eu não consigo.
Assim como no caso do atentado terrorista contra o Fortaleza, que deixou diversos jogadores fora de combate e um trauma incalculável, pego-me pensando em como seria diferente com um time do Sudeste.
As partidas dos clubes gaúchos, de todas as divisões e do feminino, serão adiadas por ora, mas não há sequer como essas equipes treinarem no Rio Grande do Sul. E nem é simples movê-las para outro lugar, como também se discute. Nem falo da isonomia do campeonato. As pessoas têm família. As pessoas estão destroçadas psicologicamente.
Trata-se de uma tragédia. Um estado brasileiro inteiro colapsado. Destruição e problemas de saúde que começam a ser comparados com os deixados no rastro do Furacão Katrina.
E agora, só agora, a CBF e os clubes começam a discutir o que fazer, se é o caso de paralisar ou não o torneio, como pleiteiam Grêmio, Internacional e Juventude. Agora, com dois terços dos municípios em estado de calamidade, 90 mortos, 132 desaparecidos, 361 feridos, mais de 48 mil desabrigados e 155 mil desalojados. Um milhão e trezentas mil pessoas afetadas diretamente. Porto Alegre alagada, 70% da população sem água, aeroporto fechado por tempo indeterminado, milhares de desabrigados.
Só agora.
Imaginem se submersa estivesse a Barra da Tijuca, onde fica a sede da CBF. Ou a Barra Funda, onde ficam os centros de treinamento de São Paulo e Palmeiras. Se Congonhas ou Santos Dumont não operassem.
Os programas esportivos não falariam de outra coisa. Todo o resto seria resto, secundário. Mas não.
O Brasil nunca tratou seus cidadãos de maneira igual. A CBF reproduz esse comportamento com maestria. Vale incluir na conta a Conmebol, igualmente inerte até o momento. Mas o que esperar de uma entidade que gasta dois minutos falando de racismo e meia hora da família do presidente, no dia do sorteio televisionado para todo o continente?
Ah, mas não tem data para repor os jogos. Jura? Isso é mais importante do que mostrar que nos importamos com a vida de nossos conterrâneos? Do que voltar esforços para acudir quem perdeu familiares, quem não tem mais onde morar? Não é possível.
Giuliano, atleta do Santos, resumiu perfeitamente o momento, em sua entrevista depois da vitória de ontem, sobre o Guarani: "Qual o preço de uma vida? Será que um gol paga o preço de uma vida? O futebol está em segundo plano."
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