O canto racista argentino e a ideia de que negros não pertencem
Desde que inventaram a desculpa, nunca mais houve racismo.
A frase obviamente é irônica, mas ao que tudo indica ainda tomada por muitos como verdade. Está cheio de racista por aí achando que basta dizer "foi mal, tava doidão" para se livrar dos mais abjetos comportamentos.
A música confortável e alegremente entoada por Enzo Fernández na comemoração do título da Copa América, com a participação de vários colegas e a aparente conivência de todos (alô, Messi!), é o reflexo de um comportamento bastante arraigado no futebol. Ela traduz o que tantos reproduzem: a ideia de que negros não pertencem às nações que representam. A ideia de que eles são intrusos, que não deveriam estar ali na Europa — ou aqui. Fora a transfobia, claro. Porque sempre pode piorar.
A música, por exemplo, não inclui Griezmann (de origem alemã e portuguesa) ou Valbuena (cujo pai é espanhol). Mesmo Benzema e Zidane, ambos filhos de argelinos, portanto também "africanos", não receberam o mesmo tipo de ofensas. Por que será? Por que só os negros não são franceses de verdade?
Classificação e jogos
Em torneios como a Euro é comum vermos jornalistas se referindo a jogadores belgas, franceses, portugueses, alemães e por aí vai como "africanos". Eles podem ter origem africana e devem se orgulhar disso, mas eles são tão belgas, franceses, portugueses e alemães quanto os seus colegas de equipe brancos.
Parece óbvio. Assim como ninguém questiona o quanto os argentinos são argentinos, mesmo tendo ascendência italiana ou espanhola.
Fifa, Uefa, Conmebol e os clubes em que atuam os argentinos do vídeo, como o Chelsea de Fernández, estão diante de uma grande oportunidade: mostrar que se importam e que são verdadeiramente antirracistas. Aplicar multa, dar tapinha na mão e reintegrá-los aos elencos recheados de atletas por eles ofendidos (só no Chelsea são cinco franceses) provará mais uma vez que eles não estão nem aí. Que está liberado o racismo, desde que venha acompanhado de um pedido de desculpas, ainda que atrasado e esfarrapado.
Espero que não seja só isso. Espero que comecem a tirar paz de racistas. Que racistas comecem a conhecer consequências. Espero no sentido de esperançar mesmo. Por que no sentido de aguardar, bem, só se for sentada. Ultimamente, faltam motivos para depositar fé nas entidades do futebol. E na humanidade.
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