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Não, filho, o Bellingham não é melhor que o Pelé

Meu filho tem assistido a muitos vídeos de futebol no YouTube. Um dos canais de que mais gosto — e a gente precisa gostar porque eles veem as mesmas coisas oito mil vezes — apresenta desafios que misturam lances em campo e cards de atletas famosos. A pontuação de cada um determina, por óbvio, o seu valor. Assim como o "overall" em alguns jogos de videogame, também onipresentes na internet.

O que eu descobri com isso? Que o valor atribuído no universo virtual impacta de verdade o mundo real. No primeiro, Neymar não vive lesionado e pouco importa que esteja na Arábia Saudita. Mesmo quem nasceu há 5 anos e, portanto, não viu grandes momentos do atacante, anda por aí acreditando que ele é um dos melhores da atualidade — ou de todos os tempos. Ele não precisa jogar para ser ídolo, e isso é um pouco assustador.

Os pequenos podem até descobrir sobre Maldini, Baresi, Cafu, Zidane e Ronaldo (que demorei um tempão para convencer meu filho que não era o Cristiano com a camisa do Brasil), quando aparecem partidas com as Lendas. Esses caras, porém, são apenas abstrações, números em uma tela. Mais até do que os outros.

Enquanto eu escrevia esse texto, meu filho, cujo apelido é Cacá, gritou da sala: "Mamãe, olha, tem um Kaká! Ele também joga bola!"

Para ele, e milhões de crianças da geração on-line, um YouTuber tem enorme poder de definição sobre o tamanho de uma estrela. Ele não assiste à mãe dele na televisão falando sobre o Neymar. Mas vê um jovem de 20 anos fazendo lambretas e vencendo torneios fictícios com o Neymar, animadíssimo com tudo que só o Neymar consegue fazer no game. Colocando o CR7 em campo para usar "power shots" e meter um monte de gol no ângulo. Ele também deve achar que o campeonato saudita é tão importante quanto o brasileiro, o inglês ou o espanhol. Afinal, o carinha divertido do canal que curtimos saiu lá de Manchester para conhecer pessoalmente o Cristiano e o Benzema, mostrando todo o luxo dos estádios locais — em que não há mulheres.

Quando esse fulano tenta a todo custo conquistar um card do Jude Bellingham, porque vale mais que o do Pelé, fica difícil endireitar a história para o meu menino. Não, filho, o Haaland não é melhor que o Ronaldo (nenhum deles). Pelo menos, não ainda. O Bellingham não engraxaria a chuteira do Edson Arantes. O Neymar? Ah, quando você crescer eu te explico. Messi? Bom, o Messi é tudo isso aí mesmo.

Ah, seu filho não vê YouTube? Nem em dia útil sem aula? Parabéns para você, Alecrim Dourado. Você é melhor que o Bellingham.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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