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Valdivia e a falácia do perfil do agressor

Jorge Valdivia, ídolo chileno e de muitos palmeirenses, foi preso hoje em Santiago e será investigado por crime de violência sexual.

Não vou discorrer sobre consentimento porque a minha colega Milly Lacombe já o fez aqui, de maneira irretocável.

Quero usar este texto para debater mentiras e reputação. Por que acreditamos mais em uns do que em outros, especialmente diante de acusações de violência de gênero?

Primeiro, sempre me choca como é fácil para tantos equalizar a desconfiança. Bom, ela também pode estar inventando coisa. Quis transar com ele. Foi jantar com o cara. Bebeu. De algum jeito foi parar no apartamento dele. Aproveitadora. Ninguém mandou se meter com jogador de futebol. Acrescente aqui os piores argumentos que você já ouviu.

Segundo, como é possível ainda nos balizarmos pela falácia de que uns têm mais perfil do que outros para cometer certas violências? Uma das que ouvi hoje: "Duvido você pegar o Veiga numa situação dessas." Ou: "Hum, Valdivia, né. Só mais uma confusão dele."

Pois bem, os números comprovam dois fatos assustadores: mulheres raramente mentem sobre essas situações (por motivos que deveriam ser óbvios) e não existe um perfil de estuprador, para além do fato de que são praticamente todos homens. Há velhos e novos, ricos e pobres, brancos e pretos, religiosos e ateus, conservadores e progressistas, reservados e festeiros, desconhecidos e familiares (a maioria).

Ah, se for Fulano eu acredito. Mas Sicrano jamais faria isso. Sério, gente? Duas mulheres estupradas por minuto no Brasil, segundo dados do Ipea, que levam em conta a subnotificação, e a conversa sobre credibilidade ocupando espaço em 2024?

Quando a notícia sobre Valdivia chegou aos meus grupos de zap, testemunhei uma colega sendo acusada de "polícia" por imediatamente acreditar na suposta vítima. Ela não defendeu a prisão sumária do ex-atleta, sem o devido processo legal. Apenas considerou válida a palavra de uma outra mulher e acrescentou: "já aconteceu comigo". Este triste fato — e também já aconteceu comigo — forma parte importante da nossa experiência no mundo. Praticamente toda mulher que conheço já passou por situação de violência sexual, enquanto praticamente nenhum homem se reconhece no papel de agressor.

Pare e se pergunte: por que as mulheres acreditam tão rapidamente e os homens, não? Qual a diferença crucial?

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Chama-se vida. E a vida como mulher infelizmente não nos dá o luxo de duvidar de casos como estes logo de cara. A vida como mulher nos remete rapidamente aos nossos inúmeros traumas e aos das nossas irmãs. Tudo bem, talvez você não tenha traumas ou desconheça os das pessoas à sua volta. Acredite nas estatísticas então. Defenda a presunção de inocência até a cova, mas não ignore a realidade à sua volta.

Sobre violência de gênero no Brasil

Uma mulher é estuprada a cada oito minutos. Três mulheres são vítimas de feminicídio por dia. Vinte e seis mulheres sofrem agressão física por hora. Em 2023, foram contabilizados 258.941 registros de agressões decorrentes de violência doméstica, um aumento de 10% em relação a 2022. Todos os números são subnotificados porque a maioria das mulheres vítimas de violência de gênero não prestam queixa.

Não tolere violência, saiba como procurar ajuda
O Ligue 190 é o número de emergência indicado para quem estiver presenciando uma situação de agressão. A Polícia Militar poderá agir imediatamente e levar o agressor a uma delegacia. Também é possível pedir ajuda e se informar pelo número 180, do governo federal, criado para mulheres que estão passando por situações de violência.

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Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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