Allan Simon

Allan Simon

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
OpiniãoEsporte

Como o skate faz audiência e virou produto 'perfeito' para TV na Olimpíada

Pela segunda vez, o skate street chamou atenção e teve boas audiências nas transmissões dos Jogos Olímpicos no Brasil. Incluída no programa na edição de Tóquio-2020, realizada em 2021 por causa da pandemia, com a intenção de atrair um público mais jovem ao evento, a modalidade trouxe elementos que fizeram dela um produto praticamente perfeito para a televisão.

Ontem, quando a brasileira Rayssa Leal faturou a medalha de bronze nas disputas de Paris-2024 aos 16 anos (já tinha uma prata conquistada aos 13 em Tóquio), a TV Globo teve um aumento de 62,5% na média da faixa horária entre 12h e 13h, período da disputa da final. Foram 13 pontos de audiência, de acordo com dados prévios divulgados pelo site F5. No domingo anterior, sem Olimpíadas, a média ficou em 8 pontos.

O skate tem um fator muito importante para qualquer esporte que queira fazer sucesso no Brasil: brasileiros disputando com chances de vitória. Isso é imprescindível. Mas não é só isso. A modalidade street tem todo um formato que cria um "pacote" altamente interessante para o público que quer ver algo legal, dinâmico e emocionante.

Não podemos perder de vista que o Brasil é um país de monocultura esportiva, ou seja, quase totalmente baseado em futebol, enquanto outras modalidades se revezam no espaço de mídia e no interesse do público conforme o momento vivido pelo esporte do país. O vôlei é um exemplo mais consolidado com seu nicho de público e audiências expressivas na TV paga com a Superliga todos os anos no sportv. Mas não chega perto do futebol nacional, o dos grandes clubes.

Porém, quando começa uma nova edição de Jogos Olímpicos, a atenção e o interesse se voltam para diferentes modalidades. Faz parte da nossa cultura querer descobrir esportes novos ou relembrar aqueles que não vimos nos últimos anos desde a Olimpíada anterior. E é aí que o skate leva vantagem na TV por esses fatores:

1 - Formato de disputa

Uma espécie de elite do skate street se reúne uma vez a cada edição de Jogos Olímpicos e decide tudo em um dia só. Uma disputa preliminar é realizada em baterias diferentes. Os oito melhores avançam para a final, que é realizada horas mais tarde.

O modelo de disputa traz elementos que tornam imprevisível o resultado. Cada atleta tem duas voltas para fazer quantas manobras forem possíveis em 45 segundos. Cada volta recebe uma nota, e apenas a maior é considerada.

Em seguida, os skatistas vão para a fase exclusiva de manobras. São cinco tentativas com um toque de drama que combina muito com a televisão: acertou a manobra, recebe a nota baseada na dificuldade e execução. Errou? Zero. Só as duas maiores notas entram na conta junto com a nota da volta. Fazer uma excelente volta e depois errar quatro das cinco manobras é o fim para qualquer atleta. Fazer uma volta mediana e "arrebentar" com duas manobras geniais, como Rayssa Leal fez, leva ao pódio. É emoção do início ao fim.

Continua após a publicidade

2 - Apelo com o público mais jovem

Na final feminina de ontem, as atletas que disputavam medalhas tinham idades entre 14 e 19 anos. É um fator direto de apelo com uma faixa da população que consome muito conteúdo nas novas mídias, em especial o streaming, está diariamente exposta a formatos curtos em plataformas como YouTube Shorts, Kwai, Instagram Reels e o TikTok, e quer coisas rápidas e dinâmicas.

Ou seja, todos os pontos levantados no item anterior, que se encontram com uma empatia automática de jovens assistindo a outros jovens serem medalhistas olímpicos.

3 - Apelo visual

A plasticidade visual do skate também o torna uma modalidade "encantadora" para o público que vê as Olimpíadas na TV aberta. É um tópico que já chamava atenção nos esportes de inverno, como patinação artística, quando a Record fez sucesso ao exibir as Olimpíadas de Inverno de Vancouver-2010. A própria emissora da Barra Funda apostou muito nisso ao colocar ginástica artística e ginástica rítmica o quanto fosse possível em sua tela, mesmo em que em VTs, na exclusiva transmissão de Londres-2012.

Se fosse naqueles tempos, a Record certamente se beneficiaria desse fator que hoje ajuda a Globo. O skate é um esporte bonito, de manobras que chamam atenção, e vive uma era de transmissões tecnológicas, imagens em câmeras lentas de alta definição, e com movimentos que talvez sejam até mais fáceis de visualizar do que na ginástica, por exemplo, para o público mais leigo.

Continua após a publicidade

4 - Fácil de torcer

Mesmo não sendo algo que agrada aos praticantes e atletas do skate, pois vai contra a "cultura" da modalidade, é inegável que o torcedor brasileiro viu também um jeito 'fácil' de torcer pelos atletas do país: desejar que os adversários não tenham sucesso em suas manobras e voltas.

Nas redes sociais, essa discussão já acontece desde os Jogos de Tóquio, com autoquestionamentos sobre "torcer para adolescentes caírem do skate" e falas de atletas como a própria Rayssa Leal, que antes de Paris-2024 mandou um recado para os brasileiros: "Torçam para a gente acertar, porque vai ser bem mais divertido".

"Espírito skatista é assim, é para a gente acertar. Uma torcendo pela outra, não tem nada de rivalidade dentro de pista. Se vocês acham que tem rivalidade, estão criando coisas na cabeça de vocês. Nunca existiu e se acontecer vai ser lá para 2070, porque na minha geração não vai ter não, isso vocês podem ter certeza", completou a medalhista olímpica.

Não adiantou nada. Na hora 'H', o público ficou em frente à TV e encontrou na torcida pela queda alheia a possibilidade de mais notas '0' dos adversários e mais chances de vitórias para os atletas. Questionável ou não, moralmente correto ou não, é um fator que existe e deve ser considerado para explicar o sucesso da audiência.

5 - Simpatia nas transmissões

Em 2021, os Jogos de Tóquio apresentaram ao público mais amplo comentaristas de skate como a extremamente vencedora Karen Jonz, que comentou pelo sportv há três anos, e Geninho Amaral, que participou das transmissões da TV Globo e voltou agora nos Jogos de Paris.

Continua após a publicidade

É inegável o quanto isso trouxe de carisma e o quanto o público abraçou esses nomes na época. Geninho continua com seu estilo de sempre torcer pelo sucesso das manobras de todos os atletas, se empolgar quando elas dão certo, e marca as transmissões com expressões como 'NOSSA', 'UAU', sempre com muita sinceridade de um amante do skate que se vê feliz pelo que está sendo apresentando. É simpático e gera empatia. É um sucesso que a Globo precisa manter nos próximos eventos, como fez neste último ciclo com os circuitos nacional e internacional.

Vale também a menção aos narradores Everaldo Marques e Sérgio Arenillas, que chegam também à segunda edição do skate nas Olimpíadas. Eles já tinham narrado as medalhas de Tóquio e fizeram isso novamente com Rayssa Leal em Paris.

A carreira de uma das mais brilhantes atletas do momento começa a ficar marcada com as vozes deles. No caso de Everaldo, que faz isso com o "canhão" da TV Globo, maior emissora do país, há potencial para atrelar a voz de um jeito que vai lembrar a ligação de Galvão Bueno com atletas dos anos 1980, 1990 e 2000.

A todos esses fatores, talvez possamos incluir um "bônus": com a edição feminina ocupando apenas um dia de Olimpíada a cada quatro anos, a masculina outro, e apenas outra modalidade do skate, o park, fazendo a mesma coisa uma semana depois, o fator "raridade" gera ainda mais expectativa do público.

Ainda teremos muitas notícias sobre Rayssa Leal e os outros atletas brasileiros nos próximos anos em competições como a SLS, talvez várias transmissões na Globo, mas uma disputa de medalhas olímpicas no skate street, agora, só em Los Angeles-2028. Não tem mais. Quem viu, viu. Quem não viu, vai esperar quatro anos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes