Globo na medida e CazéTV muito além de polêmica: como foi a Olimpíada na TV
As Olimpíadas de Paris-2024 terminaram com um saldo positivo na mídia esportiva. O público teve a oportunidade de escolher onde assistir a cada uma das competições envolvendo brasileiros e as 20 medalhas conquistadas pelo país em plataformas diferentes. A coluna acompanhou durante quase 20 dias as transmissões em várias telas possíveis, dividindo atenções e observando como cada detentor de direitos trabalhou.
Foi a primeira vez em que os Jogos Olímpicos tiveram a recente, mas já frequente divisão entre Globo e CazéTV, à qual nos acostumamos desde a Copa do Mundo de 2022, vimos se repetir na Copa feminina em 2023, na Eurocopa deste ano e em Mundiais de Clubes, entre outros eventos.
A cobertura da Globo foi no geral irretocável. OIhando no "macro", é claro. A TV Globo teve uma dedicação que em termos de horas e mudanças na grade ainda assusta quem nasceu e cresceu em um mundo onde a emissora sempre transmitiu o que havia de mais importante, mas a carga de 200 horas no ar em TV aberta era vista em canais como a Band.
Uma lembrança que explica muito isso foi encontrada por este colunista nos arquivos do Papo de Mídia, coluna do editor Edu Cesar no site Papo de Bola, que em 2004 destacava que a Band venceu a Globo no Ibope com a transmissão de uma sessão de ginástica artística nos Jogos Olímpicos de Atenas por 12 pontos a 10 na audiência, tendo chegado a marcar 15 a 9 em dado momento. A Globo na época preferiu transmitir um filme do que abrir espaço para as Olimpíadas.
20 anos depois, a TV Globo interrompeu duas novelas para exibir baterias completas de surfe valendo medalhas para o Brasil em pleno horário nobre. Duas décadas, muitas mudanças. Finalmente a emissora veio na medida certa para uma Olimpíada. E acertou em cheio também ao valorizar nomes como Everaldo Marques e Natália Lara nas narrações. A dupla se destacou positivamente e virou sinônimo de polivalência, mostrando que ambos são capazes de narrar o que aparecer na tela.
A grade com Olimpíadas desde a madrugada até o fim da tarde se transformou em janelas de oportunidades para outros nomes, como Rogério Corrêa, da Globo Minas, que deu mais um show e ainda teve a sorte de narrar medalhas importantes para o Brasil no judô, marcha atlética e taekwondo. Rembrandt Jr, que voltou pontualmente ao canal, merecia voltar de vez. Também foi muito bem. Gustavo Villani mais uma vez mostrou estrela e narrou só uma medalha de ouro, como tinha feito no Fox Sports em 2016 com o futebol, repetido no sportv em Tóquio, e agora com o vôlei de praia feminino na TV Globo.
Novo titular absoluto do canal após as saídas de Galvão Bueno e Cleber Machado, Luis Roberto enfrentou problemas com a voz nos primeiros dias, após a chuva in loco na abertura em Paris, mas voltou a tempo de colocar sua marca em conquistas históricas como o ouro de Rebeca Andrade no solo e na final do judô com vitória de Bia Souza. É assim que se constrói no imaginário popular a "entidade" de um narrador, assim como sempre lembraremos de Galvão em medalhas históricas, principalmente de Atlanta-1996 a Tóquio-2020.
O tamanho do espaço aberto pela Globo na TV aberta para as Olimpíadas tem muito a ver com uma nova "cara" dessa mídia, que hoje valoriza muito mais o conteúdo ao vivo, a ação acontecendo, mas também com o fato de que pela primeira vez haveria uma concorrência aberta em uma plataforma diferente. Se no passado o risco era de ser ultrapassada pela Band no Ibope, o que pouco afetava o costume do telespectador com o controle remoto nas mãos, desta vez a opção do espectador estava na internet.
Se a Globo não mudasse a grade para mostrar o surfe, a opção gratuita seria a CazéTV. O canal operado pela LiveMode em parceria com Casimiro Miguel esteve disponível o tempo todo no YouTube, no Mercado Play, na Samsung TV Plus, tudo isso de graça, além de estar presente também no Amazon Prime Video para assinantes da plataforma. Não é comparável a audiência e o alcance da CazéTV com a Globo. Mas com o sportv, canal de TV por assinatura do mesmo grupo, sim. Bem como o Globoplay, que retransmitia gratuitamente o sinal da Globo.
A CazéTV foi envolvida em polêmicas ao longo dos mais de 15 dias de transmissões. Algumas evitáveis, como o desnecessário programa 'Zona Olímpica', que nasceu com a intenção de "aliviar o clima" pós-competições, mas se transformou em munição para quem não gosta do canal de Casimiro. A repercussão de cenas como a fofoca envolvendo jogadora e ex-jogadora da seleção de vôlei feminino, tratada como se estivessem em uma mesa de bar e não diante de milhares de espectadores, ou a fala sobre o nado artístico, foi ruim e tentou eclipsar o trabalho realizado pelo canal nas Olimpíadas. Um trabalho muito bom, diga-se de passagem.
Muito além das polêmicas, a CazéTV construiu desde o Pan de Santiago-2023 uma relação diferente com os atletas, principalmente ao usar a base de 16 milhões de inscritos no YouTube, atualmente, além da força nas redes sociais e do carisma de Casimiro para gerar mutirões que bombaram os esportistas brasileiros de seguidores no Instagram. É algo que entra para a galera de ideias tão incríveis e tão óbvias, mas que só parecem óbvias depois que alguém botou em prática. Por que a Globo nunca fez isso antes com todo o seu alcance?
Da mesma forma, a presença de Milton Cunha nas cerimônias de abertura e encerramento também reforça isso. Como a Globo não pensou nisso? Milton é presença constante em todos os carnavais da emissora nos últimos anos. E mandou muito bem na missão na CazéTV.
Outro acerto da CazéTV foi na escolha do elenco de comentaristas. Depois de patinar um pouco no Pan, o canal se encontrou ainda no evento continental e trouxe essa experiência para os Jogos Olímpicos. Impossível não elogiar as presenças de Andrea João, da ginástica artística, do 'Coach' Alexandre Pussieldi, na natação, e de Flávio Canto, no judô, quando esses nomes eram figuras constantes no sportv há não muito tempo e não se explica como a Globo abriu mão deles, de tão inacreditável que é isso.
Na narração, a aposta em Rômulo Mendonça elevou um patamar que a CazéTV já vinha trabalhando para melhorar. Rômulo, sucesso com o vôlei na ESPN em 2016, e um dos maiores nomes da narração esportiva no Brasil hoje, é uma figura que tem a cara que o canal precisa ter: divertido, informativo e competente.
Luis Felipe Freitas, o Luisinho, segue sua escalada na carreira e tem tido cada vez mais oportunidades de mostrar um trabalho que já era muito bom nos tempos de Esporte Interativo/TNT Sports. As Olimpíadas comprovaram seu perfil poliesportivo e o acerto ao trocar a TNT pela CazéTV em 2022 pouco antes da Copa do Mundo. Ainda falta algum evento in loco para a CazéTV, mas em tempos nos quais nem a Globo mais faz isso, fica difícil cobrar dos outros.
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Quero receberOutro ponto elogiável na CazéTV foi o trabalho dos repórteres João Barretto e Day Natale in loco em Paris. Barretto era figura carimbada do Canal Olímpico do Brasil e acompanhou o ciclo dos atletas até os Jogos de 2024. E colheu os frutos disso, foi reconhecido por esse papel de estar junto com os atletas pelo medalhista Caio Bonfim, prata na marcha atlética, logo após a conquista da prata.
Em termos de reportagem, porém, a estrutura da Globo foi mais uma vez vencedora. Como não destacar as presenças mais uma vez marcantes de Guilherme Pereira, Marcelo Courrege e Carlos Gil, agora também com nomes como Luiz Teixeira, Débora Gares e Denise Thomaz Bastos? Guilherme Roseguini, com amplo conhecido sobre o esporte enquanto ciência, também é presença obrigatória em eventos desse porte. Vale o destaque para a difícil e cumprida missão de André Gallindo no surfe, no Taiti, bem longe do centro dos Jogos Olímpicos.
O sportv foi o canal que mais se beneficiou disso. Com quatro canais, muitas transmissões, canal 4K, sinais extras sem narração, a emissora ofereceu um produto completo ao seu assinante. Acertou ao abrir na internet, de graça, a exibição do 'Ça Va Paris', melhor programa olímpico entre os canais detentores de direitos, apresentado nos estúdios do Rio de Janeiro por André Rizek e Fabi Alvim, e com a participação de Marcelo Barreto na França.
O time de comentaristas da Globo também atuou muito bem, com destaque para Bruno Fratus diretamente da beira da piscina nas disputas da natação. Se quiser uma carreira televisiva depois da carreira, o medalhista olímpico de Tóquio mostrou estar pronto. Destaque também para Geninho Amaral, do skate, que formou na TV Globo com Everaldo Marques a melhor dupla da Olimpíada.
Mas houve deslizes em todos os canais, um deles em comum aos três. A ânsia de mostrar finais e eventos importantes com brasileiros em tela dividida.
A TV Globo é a única que operava com um canal só na sua plataforma e poderia ser alvo de maior compreensão. Mas perdeu pontos no último dia de disputas com Brasil ao dividir excessivamente e desnecessariamente a tela e as atenções do público entre uma final de futebol feminino que pegava fogo, com a seleção brasileira buscando o empate até o último minuto (que infelizmente não veio) e momentos aleatórios da disputa do bronze no vôlei feminino.
O vôlei também valia medalha, mas qual a necessidade de dividir tela com o futebol em um 3 a 3 no quarto set? Não havia risco de o jogo acabar antes dos 25 pontos nesse ponto do jogo. A tela dividida se tornou um problema e não deveria ter sido assim.
A CazéTV dividia todas as suas telas nas diversas lives com o que estivesse acontecendo em termos de medalhas brasileiras. Como a internet é um pouco mais difícil para a troca rápida de canais (o chamado 'zapear'), pode até fazer mais sentido, mas um fã específico da modalidade que estava sendo transmitida e foi interrompida pelo flash de outro evento com transmissão dedicada pode e deve ter ficado irritado.
Pior nesse sentido foi o começo no sportv, que deixou uma final com brasileiro na natação em tela cheia nos quatro canais, nem tela dividida era. Ou seja, não havia opção, ou assistia à final, ou assistia à final. Para que servia, então, o canal mosaico disponibilizado pelo sportv nas operadoras e no Globoplay? O que apareceu nesse momento foi o mesmo evento em quatro telas diferentes, ainda por cima separados por delay entre os canais do mesmo grupo. Mais tarde isso foi corrigido, a tela dividida voltou a 'cantar'.
E por falar em mosaico, "ponto" para a CazéTV e o YouTube, que disponibilizaram essa tecnologia de forma gratuita aos usuários de TVs conectadas, um recurso que historicamente só foi visto em canais de TV por assinatura.
Em termos de linguagem, cada canal cumpriu sua missão. A Globo foi na medida certa ao falar com o público diverso da TV aberta, encantá-lo com modalidades pouco vistas e visualmente bonitas, como as ginásticas, embalar no incrível do radical no skate, sempre acompanhado das interjeições e bons comentários de Geninho Amaral. E acertou mais uma vez no sportv, a emissora de quem é fanático por esporte e quer a Olimpíada tratada o tempo todo como algo 100% sério, sem muito entretenimento, algo que vale para todos os narradores, mas muito sintetizado pelo jovem Sérgio Arenillas, que com menos de 30 anos de idade já narrou sua terceira Olimpíada de verão. Vale destaque para o espaço dado a Milton Leite em sua despedida do grupo. Vai deixar saudades.
A CazéTV, criticada muitas vezes por não ser a Globo, não fazer como a Globo, ou não se comportar como a Globo, mostrou de novo que não é e nem quer ser a Globo. Mudou a forma de acesso pela internet aos Jogos Olímpicos, ajudou atletas no engajamento das redes. Foi muito além das polêmicas, mas precisa aprender com elas.
A história mostra que normalmente a 'caneta' de parte da mídia e dos usuários de redes sociais sempre pesa mais nas concorrentes da emissora aberta, como já foi um dia com a Record na empreitada olímpica de Londres-2012, e como é até hoje com quem ousa transmitir esportes de outra maneira no Brasil. Sabendo disso, é melhor nas próximas oportunidades evitar alguns problemas, como foi o tal programa 'Zona Olímpica'.
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