Allan Simon

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ReportagemEsporte

Como Maguila 'bombou' boxe na TV embalado e promovido por Luciano do Valle

A carreira no boxe de Adilson Rodrigues, o Maguila, tem uma ligação muito estreita com a mídia esportiva no Brasil. O sucesso da modalidade enquanto evento televisivo nasceu nos anos 1980 principalmente a partir da ligação do boxeador, que morreu ontem aos 66 anos, em São Paulo, com o narrador Luciano do Valle e a Band, na época ainda chamada por seu nome completo, Bandeirantes.

Maguila foi contratado da Luqui Promoções, empresa criada por Luciano do Valle e seu sócio José Franciso Leal, o "Quico". Suas lutas eram uma exclusividade da TV Bandeirantes, que conseguia índices muito relevantes de audiência. Sempre com a voz de Luciano embalando os combates.

Em março de 1985, por exemplo, a revista Placar destacava o 'Projeto Maguila', que já tinha como objetivo colocar o brasileiro entre os dez melhores do mundo no ranking do Conselho Mundial de Boxe. A reportagem destacava que Maguila era "capaz de dar 20 pontos no Ibope em suas aparições na Rede Bandeirantes".

Luciano do Valle era o principal narrador da Rede Globo até 1982, quando decidiu deixar a maior emissora do país para investir na ideia de promover eventos esportivos na televisão e buscar um canal que comprasse essa ideia junto com a empresa que ele estava fundando. Inicialmente, esse canal foi a Record, mas pouco tempo depois a estrutura melhor que a Band oferecia foi o porto definitivo para os planos da Luqui. O projeto era fazer da emissora aberta uma versão do que Luciano via na ESPN americana, uma referência de esportes de todos os tipos, não apenas futebol, apostando que o brasileiro se interessaria por novas modalidades.

O acerto no boxe está intimamente ligado ao surgimento do personagem Maguila. Claro que o começo também teve críticas que vieram junto com o sucesso. A qualidade dos adversários que Maguila derrotava, por exemplo. Algo que Quico abordou na entrevista a Placar em 1985.

"Há dois pontos que precisam ser considerados: se você trabalhar com margem de segurança e contratar adversários mais fracos, corre o risco de ter lutas como as últimas, que não agradaram. Porém, se formos pressionados, podemos nos afobar e acabar trazendo um adversário mal escolhido, que pode botar tudo a perder", disse o empresário. Naquele momento, o cartel de Maguila apontava um 14-0, com o lutador ainda invicto em sua carreira. E a invencibilidade acabou justamente na luta seguinte a essa fala, contra o argentino Walter Daniel Falconi, em luta realizada no ginásio do Parque São Jorge, sede do Corinthians, em São Paulo.

No ano seguinte, em 1986, novamente no ginásio do Corinthians, Maguila e Falconi voltaram a se enfrentar, mas desta vez o brasileiro conseguiu a revanche com um nocaute. "Bom preparo físico, bom preparo físico, aprendeu a recuar, é outro lutador", cantava Luciano do Valle enquanto Adilson Rodrigues fazia o jogo estratégico segundos antes de derrubar o argentino pela primeira vez com um golpe de direita.

"Espetacular, direita, Maguila! Maguila! Maguila! Caiu o gigante argentino no Parque São Jorge!", seguiu a narração de Luciano, que se assustou um pouco com o movimento de voltar à luta feito por Falconi, que caiu de novo ao ser golpeado em seguida. "Que vitória fantástica de Maguila", destacava o locutor ao som de "Gonna Fly Now", a trilha histórica do filme "Rocky", sucesso desde o fim dos anos 1977 nos cinemas. Era o sucesso que o povo brasileiro queria ver sendo levado às casas com a voz de um Luciano do Valle que sabia exatamente como emocionar o público com esporte.

A vitória sobre Falconi foi a segunda de uma sequência de 18 lutas de invencibilidade para Maguila até o momento tão aguardado pela Luqui, por Luciano do Valle, Quico, o próprio Adilson e todos os fãs do brasileiro: a luta contra Evander Holyfield valendo o cinturão regional do Conselho Mundial de Boxe, marcada para 15 de julho de 1989. Um mês antes, a revista Veja publicou reportagem sobre o sucesso do boxe na TV, que incluía também outros combates de nomes internacionais como Mike Tyson, Sugar Ray Leonard e Thomas Hearns. Mas destacava o peso que a onda Maguila tinha na audiência.

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"Nesses programas, quando o ídolo Maguila sobe ao ringue, a Bandeirantes é capaz de nocautear a Globo e a TVS nos índices de audiência", afirmava a reportagem. O narrador Alexandre Santos, nome marcante na equipe de Luciano do Valle, também deu entrevista e contou por que também acreditou no potencial do boxe. "Eu sempre achei que o boxe era um bom espetáculo para a TV. Quando duas pessoas brigam na rua, todo mundo para e começa a assistir", afirmou o locutor.

O destaque na audiência vinha com os resultados da vitória de Maguila contra o americano Mike Rouse por decisão unânime dos árbitros em maio de 1989, em combate realizado em Blumenau-SC. "O combate de Maguila contra Mike Rouse, em maio, por exemplo, alcançou 25 pontos do Ibope em São Paulo e 19 no Rio, batendo o Jornal da Globo, com 13 e 16, e a Semana Série, da TVS, com 5 e 4, respectivamente". A TVS, para quem não reconhece o nome usado à época, era o SBT.

Luciano do Valle comemorava esse sucesso na entrevista a Veja. "Trouxemos o show do boxe para a televisão", dizia o narrador e empresário. João Esteves, então diretor de esportes da Bandeirantes, afirmava que "o pugilismo, hoje, é nossa maior estrela". Era um momento áureo para a emissora, que organizava as lutas realizadas em solo brasileiro em consórcio com a Luqui. A reportagem dizia que o duelo com Rouse, por exemplo, custou 350 mil cruzados novos. Fazendo a conversão e correção monetária pelo IPCA, esse valor representava pouco mais de R$ 3 milhões em dinheiro de hoje.

Quase ano antes, em agosto de 1988, o Jornal do Brasil destacava que a Bandeirantes e a Luqui vendiam as cotas de publicidade por um valor total de 150 milhões de cruzados, algo como R$ 7,85 milhões em dinheiro de hoje usando o mesmo método de conversão. A produção das transmissões feitas pela emissora e pela empresa de Luciano do Valle já tinha se desenvolvido mais, com destaque para uso de músicas como a do filme "Carruagens de Fogo" para embalar a entrada de Maguila no ringue.

Na tão esperada luta contra Holyfield, Luciano do Valle foi aos EUA transmitir e narrar in loco no Ceasars de Lake Tahoe, em Nevada. Com uma narração que começou embalada, torcendo claramente pelo brasileiro e aproveitando a alta audiência para divulgar também produtos da grade da Bandeirantes, como o primeiro debate presidencial da história da TV brasileira, que aconteceria dois dias depois na emissora.

"Boa esquiva! Tá bem o Maguila!", embalava Luciano. "O jab de esquerda do Maguila está incomodando o pugilista norte-americano". O clima era de torcida misturada até com toques de orientação, como se o brasileiro pudesse ouvi-lo. "Essa distância é que não pode", criticava o narrador. No segundo round, porém, a vitória de Holyfield por nocaute se impôs. Dois golpes definitivos que deixaram o brasileiro no ringue.

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"Uma direita violenta! Não tem mais jeito! Holyfield ganha por nocaute de forma espetacular quando Maguila vinha tendo extraordinária atuação. Mas dois golpes decretaram o nocaute!", narrava um Luciano do Valle certamente triste pela derrota brasileira, mas empolgado por tudo o que aquele momento representava.

Quando a Bandeirantes atingiu pico de 53 pontos, sua maior audiência em todos os tempos na final do Mundial de Clubes da Fifa em 2000 com o título do Corinthians nos pênaltis sobre o Vasco, a Folha de S.Paulo noticiou que aquele resultado foi "três (pontos) a mais do que a luta mais vista de Maguila na emissora". Ou seja, durante 11 anos, o auge de Maguila segurou um índice de Ibope que só foi batido por um dos clubes mais populares do país sendo campeão mundial com exclusividade no canal.

Um desentendimento entre a Luqui de Luciano do Valle e Maguila sobre a continuidade da carreira dele após a derrota para Holyfield acabou encerrando a parceria logo depois de uma vitória do brasileiro sobre o argentino Walter Armando Masseroni no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, mantendo o cinturão sul-americano dos pesos pesados em uma luta marcada por cabeçadas e mordidas de Masseroni.

Em 26 de janeiro de 1990, a revista Placar já trazia detalhes do rompimento entre Luqui e Maguila. O pugilista reclamava publicamente de ter tido anunciado o fim de sua carreira pela empresa de Luciano do Valle. "Não sou boneco de ninguém. Primeiro eles tinham de se comunicar comigo", disse Adilson Rodrigues.

Fora da Luqui, Maguila conseguiu uma luta com o americano George Foreman em junho de 1990 no Ceasars Palace, em Las Vegas, na qual foi derrotado por nocaute no segundo round, assim como no duelo com Holyfield no ano anterior. Essa luta foi transmitida com exclusividade pelo SBT no Brasil. Como curiosidade, na mesma noite, um pouco mais tarde, estava programada uma luta de Mike Tyson contra Henry Tillman em uma tentativa de se reerguer após a perda do cinturão para James Douglas.

Esse combate de Tyson era exclusivo da Band, que não perdeu a chance de provocar em um anúncio publicado nos jornais de 16 de junho de 1990: "Mike Tyson continua no mesmo lugar: Rede Bandeirantes, Se ele continua o mesmo você só vai saber vendo a luta". Tyson venceu por nocaute.

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