Topo

André Rocha

Dudu, Palmeiras e a "coletiva perfeita"

Dudu comemora gol pelo Palmeiras em jogo contra o Guarani, em fevereiro de 2020, no Allianz Parque - Daniel Vorley/AGIF
Dudu comemora gol pelo Palmeiras em jogo contra o Guarani, em fevereiro de 2020, no Allianz Parque Imagem: Daniel Vorley/AGIF

Colunista do UOL Esporte

20/07/2020 13h47

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A entrevista coletiva no futebol se banalizou no "velho real", antes da pandemia. Ainda que as declarações no vestiário com jogadores enrolados em toalhas num passado distante fossem caóticas e também acrescentassem pouco, o modelo virou algo protocolar e, para muitos jornalistas, uma oportunidade de até vulgarizar o processo buscando uma polêmica fácil ao forçar uma "patada", especialmente de treinadores.

Certa vez um colega de emissora de TV - depois de ouvir pela enésima vez minha reclamação sobre a inutilidade da coletiva, enquanto um jogador de clube grande tomava tempo do programa para falar banalidades - perguntou o que este colunista consideraria o posicionamento ideal em uma coletiva.

Por achar que eu abordava demais a tática no futebol, ele certamente imaginou que defenderia uma longa entrevista do treinador falando apenas de aspectos do jogo, em especial os estratégicos. A minha proposta, porém, era bem mais simples: apenas parar de tratar torcedores e jornalistas como bobos e apresentar a realidade. Ou a versão mais próxima da verdade.

Por exemplo, na coletiva de apresentação de um jogador, que ele não apelasse para o clichê "meu time de coração". Só explicasse que, independentemente da paixão de infância, ele é um profissional que sabe que a carreira é curta e precisa competir no nível mais alto possível para se manter em clube grande, com patamar salarial que preserve o padrão de vida e a possibilidade de aplicar o que sobra pensando no futuro. E no caso de uma proposta mais vantajosa a saída quase sempre será inevitável. Sem ressentimentos, nem acusação de "mercenário".

O fato de torcer ou não para o time faz pouca diferença. Às vezes até atrapalha pela ansiedade maior de corresponder às expectativas, inclusive da família que ganha um motivo a mais para exigir bom desempenho em todas as partidas. Quanto maior o profissionalismo, melhor. Sem beijar escudo, mais uma bobagem que só encanta mentes infantis.

Outro ponto que merecia ser abordado por um profissional de futebol é a necessidade de se olhar um pouco fora da bolha. Hoje, com redes sociais e veículos dos próprios clubes, ou independentes mas com conteúdo dedicado, muitos torcedores ficam imersos no noticiário do time de coração. O dia inteiro consumindo apenas conteúdo sobre o clube, o que cria uma visão muito fechada, quase esquizofrênica.

E aí se cria a ilusão de que se o time fizer tudo certinho - estrutura, pagamento em dia, elenco qualificado - as vitórias e os títulos virão automaticamente, como consequência natural. Esquecendo de algo bem básico: há um adversário do outro lado. Que também quer vencer e se esforça para trabalhar corretamente. E é exatamente pelo futebol ser imprevisível que o esporte desperta tanta paixão.

Por fim, o principal: todo o trabalho, por mais correto que seja, pode ser impactado por uma aleatoriedade da vida. Porque envolve seres humanos, suas histórias, imperfeições e escolhas. Uma instabilidade e tudo pode virar do avesso. Então não há receita de bolo. É dever trabalhar dentro do que se acha correto, além do básico que é pagar em dia e entregar condições de trabalho, para ficar mais próximo das vitórias. Sem certezas.

Vanderlei Luxemburgo estava trabalhando no Palmeiras com Dudu ganhando liberdade como referência técnica. Um 4-2-3-1 parecido com o de Marcelo Oliveira no time campeão da Copa do Brasil 2015. Para que o camisa sete, ídolo e referência, pudesse circular e tocar mais na bola, não aberto para ser acionado toda hora na mesma zona do campo.

Agora tudo muda e o treinador precisa encontrar soluções dentro do próprio elenco, já que o jogador vai emprestado para o Al Duhail, do Catar e os sete milhões de euros não podem ser direcionados para a contratação de um atleta do mesmo nível. Será preciso investir nas divisões de base, uma demanda de muito tempo, mas com os riscos de oscilação que a aposta em jovens envolve.

Luxemburgo poderia vir a público tratar isso de uma maneira franca, simples e direta, mesmo nas coletivas ainda mais distantes pela impossibilidade de ficar olho no olho com os jornalistas em uma mesma sala de imprensa. Sem iludir com falsas promessas, mas também evitando jogar muito para baixo as metas do clube nas principais competições da temporada e facilitar as justificativas em caso de insucessos e trazer para si os elogios caso consiga superar as expectativas.

E o principal: Dudu também deveria explicar melhor a saída inesperada e apressada. Ainda que seus problemas pessoais envolvam um caso correndo na Justiça. O torcedor palmeirense que o aplaudiu e saudou tantas vezes merecia um esclarecimento. Honestidade, não "sincericídio". Sem as protocolares notas oficiais e discursos enlatados.

Talvez seja um simples devaneio deste que escreve, já que estamos no país da hipocrisia e da cultura de cancelamento de quem muitas vezes só escancara a nossa realidade cruel. É bem possível que o mais confortável seja o engano. A "coletiva perfeita". Para quem ilude e para os que preferem ser ludibriados, contanto que sigam no próprio mundinho de falsas convicções.

O Palmeiras vai seguir a vida, Dudu também. E ficaremos com as coletivas, agora virtuais, mergulhadas em mais do mesmo.