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André Rocha

Com Palmeiras de Abel, verdadeira "tríplice coroa" parece mais possível

Patrick de Paula, do Palmeiras, comemora seu gol diante do Athletico-PR com o técnico Abel Ferreira - Gero Rodrigues/Estadão Conteúdo
Patrick de Paula, do Palmeiras, comemora seu gol diante do Athletico-PR com o técnico Abel Ferreira Imagem: Gero Rodrigues/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL Esporte

30/11/2020 09h21

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Jorge Jesus fez história ano passado no Flamengo ao vencer Brasileiro e Libertadores, feito que era considerado quase impossível e, de fato, foi inédito nos formatos atuais, de competição nacional por pontos corridos com 20 clubes e o torneio sul-americano com fase de grupos e mata-mata desde as oitavas.

Faltou a Copa do Brasil. Talvez o confronto nas quartas de final com o Athletico, que viria a ser o campeão, logo na primeira semana de jogos do treinador português tenha pesado. Mas também nunca saberemos se os rubro-negros suportariam mais uma frente de disputa com aquela intensidade. Possivelmente comprometeria todas as competições.

Com a desvalorização dos estaduais e os rivais locais em crise, o carioca nem é tão lembrado como mais um título de 2019. Ao contrário do Cruzeiro em 2003, que chamou de "tríplice coroa" as conquistas do Mineiro, Copa do Brasil e Brasileiro.

Com maior contato com o futebol europeu pelas transmissões na TV e na internet, o apaixonado por futebol agora sabe que esse termo se refere aos principais títulos nacionais junto com o torneio continental mais relevante. Como o Barcelona fez em 2008/09 e 2014/15 e o Bayern de Munique em 2012/13 e 2019/20. Vencendo liga, copa e Champions.

No futebol brasileiro é algo improvável, pelo equilíbrio de forças no país e no continente. Mais complicado ainda em temporada atípica, que precisa compensar quatro meses de inatividade pela pandemia e quem sobrevive no mata-mata joga duas vezes por semana praticamente sem respiro.

Mas há uma exceção, por força das circunstâncias: o Palmeiras de Abel Ferreira. Uma combinação de competência no trabalho que mostra clara evolução e rara felicidade nos sorteios e na sequência dos jogos.

O Palmeiras enfrentou Bragantino, Ceará e agora encara o América na semifinal da Copa do Brasil. O time de Lisca não será um adversário fácil de ser batido, mas o duelo pesado ficou do outro lado: Grêmio x São Paulo. Na Libertadores, mais felicidade ainda: Delfín, depois provavelmente o Libertad. Disputa mais complicada talvez apenas na semifinal, possivelmente contra o River Plate.

Ou seja, dificuldades reais só faltando dois jogos para o título do mata-mata nacional e três na competição sul-americana, com final no Brasil, ainda que no Rio de Janeiro - só será "visitante" se encarar o Flamengo na decisão.

Caminho bem mais tranquilo, ao menos em tese, que o do Grêmio, o outro time brasileiro ainda vivo nas três frentes. Além da semifinal da Copa do Brasil contra o São Paulo, deve enfrentar o Santos pelas quartas da Libertadores. Por mais que o time de Renato Gaúcho também esteja em ascensão, as chances de ficar pelo caminho em uma das duas não são pequenas. Sem contar que a cultura do clube vai empurrar o treinador para a utilização de muitos reservas no Brasileiro quando o mata-mata afunilar.

Nunca pareceu tão possível para o Alviverde. Também porque o treinador português consegue encontrar soluções dentro do elenco e fazer o trabalho crescer mesmo sem tempo para treinar. O surto de Covid-19 foi tratado como uma oportunidade de dar minutos a jovens, resgatar atletas que pareciam descartados e trabalhar a versatilidade dentro das características dos jogadores.

É impressionante ver a intensidade de Lucas Lima, principalmente no trabalho como ponta articulador pela direita. Assim como Gustavo Scarpa do lado oposto atuando como ala ou ponta. Sem contar Patrick de Paula se destacando mais avançado contra o Athletico. E Rony entregando mobilidade, dinâmica e gols como o atacante em um 4-2-3-1.

Para não citar Raphael Veiga, a grande "ressurreição" no Palmeiras, com gols decisivos como o meia central por trás do centroavante. O uruguaio Viña pode ser um lateral com posicionamento mais conservador, ajudando na saída de bola com os zagueiros e deixando o corredor para Scarpa atacar, ou ele mesmo dar amplitude e profundidade às ações ofensivas pela esquerda.

Chama atenção também as variações táticas, saindo do 4-2-3-1 para o 3-4-3 quando necessário sem alterar desempenho. O time pressiona no campo de ataque, acelera a transição ofensiva na retomada e tem jogadas combinadas com bola parada ou rolando. Volume que não se perdeu nem na derrota para o Goiás, com 21 desfalques e perdendo Luiz Adriano por lesão e Mayke, expulso.

Mesmo com tantos problemas, a ordem dos jogos nas três competições tem ajudado Abel Ferreira a partir do mais simples para o complexo. Bragantino e Ceará pela Copa do Brasil, Delfín na Libertadores e Vasco, Fluminense, Goiás e Athletico no Brasileiro. Seis vitórias, um empate em Fortaleza na administração da vantagem sobre o Ceará e o revés contra o Goiás.

Apenas o Flu orbita o G-6 no Brasileiro. É claro que no perde-ganha característico desta edição, emendar vitórias sempre é mérito e o Palmeiras tem jogado bem e evoluído. Mas não encarar um concorrente direto aos títulos foi uma vantagem neste período turbulento e de adaptação ao futebol brasileiro.

Assim como o ótimo trabalho do interino Andrey "Cebola" Lopes, especialmente nos emblemáticos 3 a 0 sobre o líder Atlético Mineiro, pavimentou um bom caminho. O mérito de Abel foi não ser vaidoso e aproveitar as ideias com adaptações à sua visão de futebol.

Está tudo dando certo para o português e seus comandados. Agora inicia uma sequência mais complicada, especialmente no Brasileiro. Santos na Vila Belmiro e, nos quinze jogos que faltam, o Palmeiras sairá para encarar Internacional, Flamengo e Atlético Mineiro, além de enfrentar o São Paulo no Morumbi. Na tabela está a cinco pontos, com um jogo a menos, do líder Galo e a quatro, com um jogo a mais, do São Paulo. No entanto, o contexto ajuda novamente, ou diminui os danos, por conta da falta de público nos estádios que dilui um pouco a vantagem do mando de campo.

É provável que esses duelos mais duros sejam intercalados com disputas decisivas no mata-mata. Mas vai encontrar um Palmeiras encorpado, provavelmente com elenco mais completo e ajustado pelo novo treinador, que vem tirando o melhor dos seus jogadores. Derrubando a "tese" do antecessor Vanderlei Luxemburgo, que na reta final de sua passagem já transferia responsabilidades sugerindo que o elenco não era tão qualificado assim.

Uma falácia. E mesmo que uma competição interfira na outra e o Palmeiras termine a temporada sem grandes títulos, a troca no comando terá valido a pena. O time hoje funciona porque é nitidamente melhor treinado. A equipe quando comandada por Luxemburgo se complicava até nos jogos teoricamente menos difíceis - a demissão aconteceu depois de uma derrota por 3 a 1 para o Coritiba, no Allianz Parque.

O desafio de Abel Ferreira é enorme. Alcançar os três principais títulos da temporada é um feito gigantesco em qualquer cenário. Mas os chaveamentos favoráveis, o equilíbrio nos pontos corridos e, principalmente, o bom trabalho no novo clube, faz tudo parecer mais possível.