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André Rocha

Flamengo compra Pedro, mas o que há para comemorar?

Pedro exibe número da camisa após marcar para o Flamengo contra o Goiás - Jorge Rodrigues/AGIF
Pedro exibe número da camisa após marcar para o Flamengo contra o Goiás Imagem: Jorge Rodrigues/AGIF

Colunista do UOL Esporte

10/12/2020 09h13

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O Flamengo exerceu o direito de compra definitiva do atacante Pedro. Vai pagar 14 milhões de euros em seis parcelas durante três anos.

Na frieza dos números, um bom negócio. Mesmo considerando a alta do euro, o valor e a forma de pagamento ficaram mais acessíveis. Allém disso, o jogador é jovem (23 anos), deu retorno técnico e se valorizou. Com Gabigol, o elenco tem dois dos melhores centroavantes do país - talvez os melhores, com ambos em forma e dentro de um time ajustado.

Em circunstâncias normais seria algo a ser comemorado. Mas o que celebrar quando a informação de que o clube está comprometendo cerca de 87 milhões de reais do seu orçamento na compra de um jogador vem junto com a notícia de que o Flamengo recorreu e diminuiu a pensão que pagava às famílias das vítimas do incêndio no CT Ninho do Urubu, em fevereiro do ano passado?

Eram dez mil reais, o valor caiu para cinco salários mínimos, que serão pagos aos sobreviventes. E na petição, o clube pedia a redução para dois terços do salário mínimo. Cerca de 690 reais.

690 reais para pessoas atingidas por um incêndio nas dependências do clube. Jovens que foram confiados pelos familiares e voltaram feridos e traumatizados por verem dez amigos morrerem. No texto, alegava que pagava mensalmente o "vultoso montante" de 130 mil reais. Valor inferior ao pago de salário a um reserva do elenco.

Este espaço repete a pergunta: que mensagem o Clube de Regatas do Flamengo passa à sociedade? Quais os valores que transmite aos milhões que integram a maior torcida do país?

O presidente Rodolfo Landim está preocupado com o funcionamento do CT. Vai dar expediente no local para acompanhar de perto. Pelo "modus operandi" do dirigente, a possibilidade é de que haja demissões de funcionários, mas os de menores salários. Os mais humildes, que têm pagado pelos erros dos mais "graúdos", como o caso do responsável pelas redes sociais demitido por fotografar jogadores voltando do Equador sem máscaras, em meio a um surto de Covid-19 na delegação.

Talvez o questionado Marcio Tannure, chefe do departamento médico que viajou a Brasília com Landim em maio para um encontro com o presidente Bolsonaro, com o intuito de forçar a volta precoce do futebol com dois meses de pandemia, seja preservado e um auxiliar qualquer vire o bode expiatório pelos problemas na recuperação dos atletas.

Não há muito o que comemorar também no tão valorizado departamento de futebol. O time profissional foi eliminado na Copa do Brasil e na Libertadores. No Brasileiro, o São Paulo confirmou o "título" do primeiro turno ao disputar os jogos atrasados e abriu oito pontos de vantagem sobre os rubro-negros na ponta da tabela, agora com uma partida a mais.

Através de uma vitória por 4 a 0 sobre o Botafogo. O rival carioca que o Flamengo faz questão de tentar enfraquecer, junto com os demais, em decisões nada coletivas, sem nenhuma preocupação com o futebol do Rio de Janeiro.

O Fla queria 80 milhões da Rede Globo pela transmissão do estadual, mais que o quádruplo pago aos outros três clubes grandes. Aproveitou a tal viagem a Brasília para fazer lobby pela MP do Mandante. Na prática, serviu apenas para afrontar a Globo naquele momento, desestimular a empresa a seguir investindo no torneio e deixar tudo indefinido para o ano que vem, sem previsão de receitas para todos os clubes.

Agora sente falta nos cofres dos mesmos 18 milhões oferecidos e que não conseguiu de volta nem a metade com FlaTV, a tentativa frustrada de transmissão por streaming através de um aplicativo e a "vitória" celebrada como uma vingança nada inteligente ao transmitir o jogo final contra o Fluminense pelo SBT.

E o Botafogo, em uma penúria financeira que é fruto de seguidas gestões irresponsáveis, mas também da falta de união para o fortalecimento dos clubes do Rio de Janeiro que deveria ter o Flamengo como maior liderança, não teve forças para criar dificuldades em campo ao time paulista no Morumbi.

A direção rubro-negra só se importa com a faixa usada no Estádio Nílton Santos como uma justa provocação: "aqui prezamos pelas vidas". E celebra, através de um dirigente, o fato do Botafogo estar em "vias de extinção". A culpa maior é, sim, do rival e da incompetência de seus gestores nos últimos tempos. Mas se o Flamengo pensasse em ações coletivas, talvez o alvinegro tivesse mais chance de sobreviver e tirar pontos do líder do Brasileiro.

Não há boas notícias nem vindas de personagens que fizeram parte do clube e que ainda orbitam o imaginário do torcedor. Jorge Jesus, cuja saída foi citada por Filipe Luís em coletiva como o principal fator de desestabilização do time na temporada, tem ganhado o noticiário em Portugal por falas mais que infelizes, com traços fortes de machismo e racismo.

É claro que tudo isso é usado por rivais para tentar manchar conquistas indiscutíveis no campo. Colocar um asterisco que, a rigor, não há razão de existir. É nítido nas redes sociais que a maioria não está nem aí para as vítimas do Ninho, os funcionários que perderam seus empregos ou as mulheres e os negros atingidos pelas declarações de Jesus. É apenas clubismo.

Mas passou da hora dos responsáveis pelas decisões do clube refletirem se vale mesmo a pena investir em estrelas no futebol, mas chafurdar o nome do Flamengo na lama da total falta de empatia. De atos e palavras que não guardam nenhuma relação com a história construída pelo clube e com os torcedores anônimos, menos abastados e que hoje têm poucas chances de se relacionar com o time de coração. De, por exemplo, ter acesso e tirar uma foto com o novo ídolo Pedro.

Um elitismo que não cheira a Flamengo e só torna tudo ainda mais fétido e triste. Sem motivos para sorrir.