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Tite entre o sonho da Copa do Mundo e a mais básica das coerências
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Chamar Tite de "comunista" ou "petista", como estão fazendo em redes sociais, chega a ser piada. Vinda de quem não sabe muito de política, nem futebol. Ou não tem memória.
O treinador já elogiou a Operação Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro. Citou como livro de cabeceira uma obra de Luiz Felipe Pondé, um filósofo com fortes tendências conservadoras e crítico ferrenho do PT. Em 2018, com altíssima popularidade antes da Copa do Mundo, quando foi considerado por muita gente o "candidato ideal" à Presidência da República, fugiu de qualquer debate ou sinalização de preferência nas eleições.
Tite é obcecado por seu trabalho. Desde o início soube que para construir uma carreira sólida em grandes clubes e depois realizar o sonho de comandar a seleção brasileira precisaria lidar com figuras, no mínimo, "controversas". Na prática, criou uma espécie de mundo paralelo, onde o que valia era a relação dele com esses personagens.
A construída com o "polêmico" Andrés Sanchez no Corinthians foi sólida e leal, com a confiança na trágica eliminação para o Tolima no início de 2011 e depois as maiores conquistas da história do clube, com o sucessor Mário Gobbi como presidente nos títulos da Libertadores e Mundial de Clubes.
Na CBF, desde o início da relação em 2016, o discurso é de autonomia e independência. A ponto do diretor de seleções, Edu Gaspar, ser escolhido em função do treinador. Tite não precisava aceitar o beijo de Marco Polo Del Nero na apresentação, apenas seis meses depois de apoiar publicamente a saída do dirigente da entidade. Uma incoerência, sem dúvida.
Assim como a conversa, cabeça a cabeça, na sexta-feira no Beira-Rio com Rogério Caboclo, agora afastado da presidência da CBF. O clima era sabidamente tenso, para que ser tão diplomático e receptivo? Talvez seja questão de personalidade ou do hábito de evitar o confronto.
Tite visitou Lula como treinador do Corinthians depois da conquista da Libertadores. O político não era mais o presidente, já tinha ajudado a eleger a sucessora, Dilma Roussef. Em 2012 acabara de vencer a luta contra um câncer de laringe. Ainda assim, o técnico reconheceu em entrevista recente que se arrependeu do gesto.
Na seleção, evitou contato com Michel Temer e agora Jair Bolsonaro. Em política, já basta o que é inevitável, lidando com as idiossincrasias do próprio cargo, como ter que dar a cara a tapa desfalcando clubes brasileiros com convocações, muitas vezes para amistosos contra adversários inexpressivos, em um calendário inchado que não respeita as datas FIFA. Ainda a relação com presidentes da CBF, sempre envolvidos em escândalos.
A "dividida" da vez é a realização da Copa América no Brasil. Na prática tão absurda quanto a manutenção do formato de pontos corridos da eliminatória sul-americana, com 18 partidas para cada seleção e viagens mensais. A grande diferença é que o torneio, banalizado com quatro edições nos últimos seis anos, era problema de Colômbia e Argentina, as sedes originais.
O país que é um dos epicentros da pandemia no mundo, com quase meio milhão de mortos e infectologistas alertando para uma nova onda forte no inverno, não precisava assumir mais riscos de contaminação, com dez delegações no país por quase um mês. É diferente das competições que envolvem clubes, que precisam sobreviver e têm altos custos, ao contrário da CBF.
A questão exige a mais básica das coerências. Envolve vidas. Por isso Tite está fechado com os jogadores contra a Copa América no país. Mas, mesmo sem Caboclo, encarar essa briga é colocar em risco a permanência no cargo até a Copa do Mundo, que Tite sonha disputar depois de um ciclo completo, diferente de 2018.
Na terça, depois do jogo contra o Paraguai, em Assunção, o tão esperado pronunciamento e técnico e atletas. Difícil prever o que virá. A logística do torneio já está acontecendo, com seleções confirmando presença.
Para Tite o cenário é ainda mais complexo, porque o calendário brasileiro não vai parar, como em 2019. Se atletas que atuam na Europa pedirem dispensa, como desfalcar seriamente os principais times do país por tanto tempo? O desgaste será imenso e, se não for campeão, vai balançar. Mesmo com os 100% na eliminatória. Também pela idiota perseguição política que está sofrendo de uma minoria barulhenta, aditivada por robôs na internet.
Um enorme dilema a pouco mais de um ano da Copa no Catar. Sem necessidade, atendendo interesses nada nobres. Típico do Brasil. Colocando o técnico da seleção de novo no olho do furacão.
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