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André Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rocha: Começou o "desembarque" de Renato com o Flamengo do Brasileiro?

Renato Gaúcho completou 12 partidas no comando do Flamengo neste domingo - Alexandre Vidal / Flamengo
Renato Gaúcho completou 12 partidas no comando do Flamengo neste domingo Imagem: Alexandre Vidal / Flamengo

Colunista do UOL Esporte

23/08/2021 04h05

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O Flamengo joga a semifinal da Libertadores contra o Barcelona de Guayaquil. Decide fora, mas é o adversário mais acessível desta fase, considerando que do outro lado estão o Palmeiras, atual campeão, e Atlético-MG.

Galo que, na Copa do Brasil, também só pode encontrar os rubro-negros em uma hipotética decisão. Até lá o time de Renato Gaúcho enfrenta o Grêmio a partir desta quarta-feira, dia 25, e, se passar, encara o vencedor de Athlético x Santos.

Nenhum adversário temível no mata-mata até as possíveis finais. Um cenário que Renato Gaúcho encarou na Libertadores de 2017 e em outras ocasiões. Poupou titulares no Grêmio em jogos pelo Brasileiro quase sempre. E quando enfrentava fortes adversários, as "pedreiras", aí é que justificava o descanso com as dificuldades dos confrontos.

No fundo, é uma questão de mentalidade. Do treinador, essencialmente, e que passou para o time do qual é o maior idolo, já com a alma "copera y peleadora" dos gaúchos e a direção usava como argumento para avalizar o fato de que não tinha elenco para disputar em três frentes. Ainda que em 2017, por exemplo, o duelo até certo ponto tenha sido com um Corinthians que nem era tão abastado assim. A conquista continental, obviamente, fez parecer que tudo valeu a pena.

No Flamengo, o discurso tinha que ser diferente. Mas as atitudes já começam a sinalizar o início de um sutil "desembarque" da competição.

O Ceará venceu as duas partidas contra o Fla em 2020. Trabalho que já vai ficando longevo de Guto Ferreira. Jogo fora de casa, com a rodada apresentando surpreendente derrota em seus domínios do vice-líder Palmeiras no jogo das 11h para o Cuiabá. Para o Fla se aproximar do topo e não deixar o Galo disparar na frente.

Renato já não contaria com Willian Arão e Bruno Henrique, suspensos pelo terceiro amarelo no jogo contra o Sport. Em lances que deram a impressão de serem forçados para gerar uma "folga", sem necessidade de viagem longa. Isla, que não atuou contra o Olimpia no Mané Garrincha, seguiria de fora.

Três desfalques. Então vem a informação no sábado, com a divulgação da lista de relacionados para a viagem a Fortaleza, de que De Arrascaeta sequer viajaria por conta de uma fadiga muscular. O departamento médico identificou o problema, mas foi decisão do treinador. Aliás, normalmente isso só vem a público quando o atleta fica de fora. Se o desgaste for detectado e o treinador resolver escalar e assumir o risco, dificilmente tomamos conhecimento.

Em 2019, o Flamengo, então líder absoluto do Brasileiro, tinha um jogo extremamente desgastante contra o Fortaleza, também no Castelão. Três dias depois de vencer o Athletico em Curitiba por 2 a 0. Ou seja, praticamente cruzando o Brasil de avião. Com o time muito desfalcado, sem Rafinha, Filipe Luís, Everton Ribeiro, Arrascaeta e Bruno Henrique.

Gerson também teve fadiga detectada, inclusive com risco de lesão. O próprio meio-campista pediu para não jogar. Mas Jorge Jesus, que na coletiva depois da partida no Paraná reclamou das muitas ausências ("cincummm?"), não abriu mão de seu camisa oito, que jogou por 45 minutos e saiu se arrastando para o intervalo. Mas o exemplo foi dado e a mensagem era cristalina: ganhar o Brasileiro era fundamental.

Agora, independentemente do grau da fadiga de Arrascaeta, cabem alguns questionamentos: esse desgaste já tinha sido detectado antes? Se sim, por que não preservou o meia uruguaio no meio da semana, com a classificação na Libertadores bem encaminhada e a ciência de que teria o time mais completo do que no domingo? Não era possível tirar no intervalo em Brasília? Ou deixar no banco apenas em caso de necessidade?

Por que sequer ser relacionado para uma partida importante contra um adversário complicado, de retrospecto recente favorável no confronto? Já com três desfalques relevantes - isso sem contar Rodrigo Caio, ainda em processo de recuperação para evitar as seguidas contusões.

A única resposta possível é que Renato seguirá com a ideia de sempre cortar na carne quando o jogo for pelo Brasileiro. E não é difícil encontrar eco na diretoria, que viu a equipe no ano passado encarar várias crises, com Domènec Torrent e Rogério Ceni, e ainda assim conquistar o bicampeonato. Reforçando uma visão equivocada de que "nos pontos corridos sempre dá tempo de recuperar".

Ainda que o Galo não sinalize um esmorecimento. Por conta do meio século sem títulos do Brasileiro, talvez a escala de prioridades seja outra. Quem sabe parecida com a da Europa, que sempre coloca a copa nacional como terceira opção? Para Renato Gaúcho nunca foi.

Isso ficou claro, mais uma vez, no empate por 1 a 1 com o Ceará. O Flamengo teve 63% de posse de bola, finalizou 18 vezes, cinco no alvo. Perdeu boas chances com Gabigol e Michael e pareceu mais perto da vitória na análise dos 90 minutos. Mas em nenhum momento deu a impressão de que estava inteiro no jogo.

Começou disperso, um tanto desentrosado pelas muitas mudanças. O camisa nove claramente desconcentrado nas finalizações. E uma atuação trágica de Bruno Viana, errando praticamente tudo. Inclusive na abordagem ao escolher dobrar a marcação com Matheuzinho sobre Lima e deixar Vina livre para marcar o gol do time da casa.

O empate veio na segunda etapa, com o passe inteligente de Filipe Luís encontrando Vitinho, o substituto de Arrascaeta no 4-2-3-1 rubro-negro, para chutar forte e vencer o bom goleiro Richard. Quando a virada pareceu mais possível, Renato fez substituições no atacado, inclusive colocando Gustavo Henrique no lugar de Everton Ribeiro e repaginando a equipe inicialmente com linha de cinco atrás.

Com a lesão de Léo Pereira, Rodinei entrou e a equipe ficou totalmente desorganizada, com Max, Lázaro e Pedro nas vagas de Diego Ribas, Michael e Gabigol. Na última chance, em bola parada, quem cobrou foi Max, com baixa minutagem entre os titulares para tanta responsabilidade. Ficou claro que o time buscava os três pontos, mas se não conquistasse também...

As declarações serenas de Renato na coletiva pós-jogo deixaram isso bem claro. Mantendo a postura típica do treinador que, quando jogava, quase sempre crescia em grandes decisões ou partidas eliminatórias. Quando encarou a dura Série A italiana, que exigia regularidade, foi um fiasco na Roma e logo voltou ao Brasil.

Como treinador, sempre privilegiou o Brasileiro por pontos corridos quando não havia outra competição em vista. E eternizou a frase "se vencermos a Libertadores vamos brincar no Brasileiro" em 2008, quando comandava o Fluminense e chegou à sua primeira final continental.

Renato é assim e a diretoria do Fla sabia disso, ou deveria saber, quando contratou. Agora precisa lembrar ao treinador quais as diretrizes do clube na temporada e fiscalizar melhor as decisões. O problema não é descansar ou não qualquer titular, mas a mensagem que se passa nas ações.

Por exemplo, se um exame detectar fadiga em algum atleta importante até quarta, Renato vai deixar de fora contra o Grêmio em Porto Alegre? Improvável, não? E nem saberemos, porque este estará em campo, mesmo desgastado. Como Gerson contra o Fortaleza há quase dois anos, com a informação divulgada só depois da partida.

Naquela época o Flamengo queria ganhar tudo, no discurso e nas atitudes. Agora fica a dúvida no ar. Ou, para quem quer ver, está bem claro que há prioridades. E não é o tricampeonato brasileiro. Ao menos enquanto houver vida no mata-mata.

(Estatísticas: SofaScore)

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado, o tricampeonato brasileiro não é algo inédito, o São Paulo já fez isso em 2006, 2007 e 2008. O erro foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL