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André Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tite errou na convocação? 1994 e 2002 mostram que só faltou sorte

Alex Telles chora ao sentir lesão e é substituído por Marquinhos, na partida entre Camarões e Brasil - Jay Barratt - AMA/Getty Images
Alex Telles chora ao sentir lesão e é substituído por Marquinhos, na partida entre Camarões e Brasil Imagem: Jay Barratt - AMA/Getty Images

Colunista do UOL Esporte

04/12/2022 10h05

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Como esperado, a derrota dos reservas para Camarões criou o clima apocalíptico que o Brasil bem conhece em Copas do Mundo. Toda campanha que não for com 100% de aproveitamento não presta e está tudo errado.

Parte da histeria está vilanizando Tite pela convocação "errada". Com 26 inscritos seria um equívoco chamar nove atacantes e apenas quatro para zaga e lateral. Tudo por conta das lesões de Danilo, Alex Sandro e Alex Telles, este cortado por contusão grave no joelho.

Então imaginemos que o treinador distribuísse as três vagas a mais para um zagueiro, um meio-campista e apenas um atacante. Racional, certo? Pois conviveria com o mesmo problema nas laterais, sendo obrigado a improvisar.

A má vontade também esquece, ou ignora mesmo, que o volante Fabinho já atuou como lateral direito e zagueiro. Ou que Casemiro, em uma emergência, pode perfeitamente compor o miolo da defesa.

O Brasil pode ser hexa mesmo assim? Claro, assim como ser eliminado pela Coreia do Sul, considerando o roteiro da Copa até aqui. Seria uma zebra histórica, sem dúvida. Mas nem tão absurda assim. Só para quem aceita eliminações em Copas apenas para Itália, Alemanha, Argentina e, depois de tanto apanhar, França.

E se olharmos para os últimos títulos, 1994 e 2002, veremos que houve convocações também desequilibradas. Mesmo para listas com apenas 23.

Carlos Alberto Parreira convocou só três volantes para o Mundial nos Estados Unidos: Mauro Silva, Dunga e Mazinho, que virou meia para substituir Raí a partir das oitavas. É claro que Cafu, Jorginho e Leonardo poderiam perfeitamente ser improvisados no setor, mas imagine os dois volantes típicos lesionados e um meio-campo com Mazinho, Cafu, Leonardo e Zinho. Ficaria descaracterizado, não?

Na zaga, Ricardo Gomes foi cortado, Ronaldão foi chamado em seu lugar. Ricardo Rocha também se contundiu, mas seguiu com o grupo. Ou seja, jogavam Aldair e Márcio Santos e apenas Ronaldão ficava no banco. Arriscado, né?

Em 2002, Felipão já havia definido um sistema com três zagueiros nas eliminatórias, ainda que Edmilson eventualmente se adiantasse como volante caso o adversário jogasse com apenas um atacante. O treinador convocou apenas quatro, sendo reserva imediato o "one hit wonder" Anderson Polga, Um nome que não era exatamente confiável.

Bastariam dois lesionados para que a zaga fosse ocupada por Anderson Polga e a improvisação de Gilberto Silva, que teria que sair do meio-campo que, com o corte de Emerson e a convocação de Ricardinho, ficaria sem outro volante de proteção. Kléberson teria que atuar mais plantado ao lado de Juninho Paulista.

O fato é que treinador não é adivinho. Não há como prever mais de um desfalque em qualquer setor. Tite hoje convive com cinco problemas de lesão em um universo de 26 convocados. Quase 20%. Sendo três nas laterais. Ainda que tivesse convocado cinco para a posição, o impacto seria enorme. Faltou sorte mesmo.

Em 1990, Sebastião Lazaroni adotou o sistema com três zagueiros. Por precaução, convocou cinco. E a geração era boa: Ricardo Rocha, Aldair, Mauro Galvão, Mozer e Ricardo Gomes. Como perdeu a Copa, uma das críticas dentro da histeria coletiva que fez com que Falcão assumisse e fosse obrigado a convocar apenas atletas atuando no país nos primeiros jogos era de que Lazaroni "levou zagueiros demais". Poderia ter incluído mais um atacante. Havia levado cinco: Bebeto, Careca, Romário, Muller e Renato Gaúcho.

Não importa, estava tudo errado. Porque perdeu. Assim como ninguém vai lembrar dos riscos que Parreira e Felipão assumiram. Porque levantaram a taça. E se Tite for campeão, muitos que criticam agora depois vão elogiar e, talvez, até dizer que "a seleção cresceu na adversidade".

O resultado final é o que norteia a análise. No caso do Brasil, a derrota soterra os acertos e a vitória encobre os erros. O torcedor brasileiro inventou o binarismo antes mesmo da internet.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL